D. Estevão
Bettencourt . osb – Mosteiro de S.Bento – Rio de Janeiro
Escreve-nos um leitor:
“Os deuses da mitologia grega
praticavam perversidades, ao passo que o Deus da fé cristã é cheio de
misericórdia. Todavia a história parece
ensinar o contrário, já que no mundo há muito sofrimento, principalmente entre
os menos favorecidos. Gostaria de que abordassem o assunto”…
Meu caro amigo, eis a resposta:
Toda criatura, pelo fato mesmo de
ser criatura, é limitada, finita e, por isto, falível. Uma criatura infalível seria um contra-senso;
seria um outro deus. Tal é a razão por
que no mundo há tantas falhas; Deus quis fazer o ser humano livre, pois a liberdade
é uma prenda de grande valor, que diferencia o homem dos robôs; o homem pode
escolher espontaneamente o rumo de sua vida e o teor de suas ações. Nisto ele pode errar, cometendo graves danos.
Qual é o papel de Deus diante de tal
realidade?
O Criador poderia estar
constantemente policiando o mundo, de modo que nunca houvesse algum
desastre. Contudo esse procedimento
seria menos digno de Deus, que deseja dar ao homem o ensejo de se realizar com
liberdade e nobreza. Deus não quer
retirar do homem o precioso dom da livre opção; deixa o homem agir. Mas, como
diz S. Agostinho, Ele nunca permitiria o mal se não tivesse recursos, em sua
sabedoria, para tirar do mal bens ainda maiores. Com outras palavras: Ele escreve direito por
linhas tortas. Nem sempre vemos o bem
que o Senhor tira dos males do homem, mas em alguns casos isto aparece:
pensamos em alguém que leva uma vida agitada e um belo dia quebra uma perna;
fica imobilizada, faz um retiro forçado, que lhe dá a feliz ocasião de repensar
a sua vida e reajustá-la! Na verdade, o
sofrimento tem um valor pedagógico, que os próprios gregos, antes de Cristo,
professavam dizendo: Páthos máthos, isto é, sofrimento é escola, é educação (…).
Frente aos males que afligem a
humanidade de nossos dias, a atitude correta não está em blasfemar contra Deus,
mas em procurar conscientizar o ser humano de suas responsabilidades. Certa vez, num sermão proferido para os fiéis
em Hipona, exclamava S. Agostinho: “Não digais que os tempos são maus! Este é
um chavão muito antigo. Quem faz os tempos são os homens. Quais formos nós, tais serão os tempos. Sede bons e os tempos serão bons. Não espereis que os outros comecem a ser
bons. Sede bons desde já e vereis que o
bem aparecerá em torno de vós!” Estas
palavras conservam seu pleno vigor até hoje.
Ao vermos os males do mundo de hoje, pensemos na responsabilidade que
nos toca. E sejamos ainda melhores do
que somos. Em consequência o nosso
ambiente se transformará. Com a graça de
Deus.