Decreto “Ad Gentes” Sobre a atividade missionária da Igreja – Parte 4

Nas novas Igrejas devem
cultivar-se as várias formas religiosas para que manifestem os diversos
aspectos da missão de Cristo e da vida da Igreja, Consagrem-se as diversas
obras pastorais e preparem bem a seus membros para exercê-las. Contudo os
Bispos na Conferência cuidem que não se multipliquem as Congregações de
idêntico fim apostólico, o que traria prejuízo a vida religiosa e ao
apostolado.Especial menção merecem as
várias iniciativas visando estabelecer a vida contemplativa. Por elas, retendo
os elementos essenciais da instituição monástica, alguns se esforçam por
implantar a riquíssima tradição de sua ordem, outros voltam as formas mais
simples do antigo monacato. Procurem todos no entanto uma genuína adaptação as
condições locais. Uma vez que a vida contemplativa pertence a plenitude da
presença da Igreja, é necessário que se instaure em toda parte entre as novas
Igrejas.

CAPÍTULO III: AS IGREJAS
PARTICULARES

[Progresso das Jovens
Igrejas]

19. A tarefa de fundação da Igreja numa sociedade atinge o
alvo certo, quando a comunidade dos fiéis, já enraizada na vida social e até
certo ponto conformada com a cultura local, goza de alguma estabilidade e
segurança. Dotada dum contigente próprio ainda que insuficiente, de sacerdotes
locais, de religiosos e de leigos, possui os meios e instituições necessárias
para viver e expandir a vida do povo de Deus, sob a guia do próprio bispo.

Nestas jovens Igrejas a vida
cristã do Povo de Deus deve amadurecer em todos os setores. Deve ela ser
renovada segundo as normas deste Concílio. As assembléias de fiéis sempre
conscientemente se tornam comunidades de fé viva, de liturgia e caridade. Os
leigos, através da ação cívica e apostólica, envidam esforços por instaurar a
ordem da caridade e da justiça no estado. Oportuna e prudentemente usam dos
meios de comunicação social. Por uma vida verdadeiramente cristã as famílias
vem a ser as sementeiras do apostolado leigo como também das vocações
sacerdotais e religiosas. Enfim a fé é transmitida mediante catequese
apropriada, celebrada na liturgia em consonância com o gênio do povo, e através
de conveniente legislação canônica regulamentada em usos recomendáveis e
costumes locais.

Cada bispo com seu
presbitério, sempre mais compenetrados do sentir de Cristo e da Igreja, pensem
e vivam em sintonia com a Igreja universal. Permaneça intima a comunhão das
novéis Igrejas com a Igreja toda. Unam os elementos tradicionais desta última
aos da sua cultura própria, para aumentar a vida do Corpo Místico, num como
intercâmbio de forças.¹ Por isso hão de se cultivar os elementos teológicos,
psicológicos e humanos capazes de favorecer esse sentimento de comunhão com a
Igreja universal.

¹ Cf. João XXIII, Princeps
Pastorum, 28-11-1959: AAS 51 (1959), p. 838.

Essas Igrejas, muita vez
situadas nas regiões mais pobres do mundo, em geral ainda sofrem da mais
premente falta de sacerdotes e de recursos materiais. Razão por que muito
necessitam que a ininterrupta ação missionária da Igreja inteira forneça
aqueles auxílios   indispensáveis
sobretudo ao crescimento da Igreja local e ao amadurecimento da vida cristã.
Também se estenda essa atividade missionária aquelas Igrejas antigas que agora
se acham em regressão ou debilidade.

Organizem essas Igrejas um
esforço pastoral e trabalhos eficazes a fim de aumentar o número das vocações
para o clero diocesano e para os institutos religiosos, para selecioná-las com
mais segurança e cultivá-las mais eficazmente ², de modo que aos poucos se
tornem autosuficientes e até possam prestar auxílio a outras.

² Cf. Conc. Vat. II, Decreto
sobre o Ministério e a Vida dos Presbíteros Prebyteororum Ordinis, n. 11;
Decreto sobre a Formação Sacerdotal Optatam Totius, n. 2.

[Atividade Missionária das
Igrejas Particulares]

20. Deve a Igreja particular
representar do modo mais perfeito possível a Igreja universal. Em vista disso
considere seriamente que também foi enviada aos que não creem em Cristo e com
ela moram no mesmo território, a fim de ser um sinal a lhes mostrar Cristo,
através do testemunho da vida de cada fiel e de toda a comunidade.

Exige-se ademais o
ministério da palavra, para que o Evangelho atinja a todos. Importa seja o
bispo antes de tudo um arauto da fé que leve novos discípulos a Cristo. ³ Para
poder convenientemente cumprir tão excelsa missão, procure compreender
profundamente tanto a situação de seu rebanho como as convicções de seus
concidadãos a respeito de Deus, nunca esquecendo as transformações introduzidas
pela assim chamada urbanização, pelas migrações e pelo indiferentismo
religioso.

³ Cf. Conc. Vat. II, Const.
Dogm. Sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 25: AAS 57 (1965), p. 29.

Nestas Igrejas novas os
sacerdotes locais empreendam corajosamente o trabalho de evangelização,
cooperando com os missionários estrangeiros. Formem com os mesmos um só presbitério,
reunido sob a autoridade do bispo, não só para o pastoreio dos fiéis e para a
celebração do culto divino, mas também para a pregação do Evangelho aos de
fora. Estejam disponíveis e, dada a ocasião, alegres se ofereçam ao seu bispo
para encetar o trabalho missionário em regiões distantes e abandonadas da
própria diocese ou em outras dioceses.

Os religiosos, as religiosas
e os leigos fervam no mesmo zelo para com os seus concidadãos, principalmente
para com os mais pobres.

Providenciem as Conferências
Episcopais que, em datas certas, se realizem cursos de renovação bíblica,
teológica, espiritual e pastoral, no intuito de fazer o clero adquirir um
conhecimento mais completo da ciência teológica e dos métodos pastorais, nesta
época de tantas variações e mudanças.

Quanto ao mais, observe-se
cuidadosamente tudo aquilo que este Concílio promulgou, principalmente no
decreto sobre o Ministério e a Vida dos Sacerdotes.

Para essa obra missionária
da Igreja particular chegar a cabo, exigem-se ministros capazes, oportunamente
preparados de modo condizente a situação de cada Igreja. Aumentando sempre mais
o número de associações humanas, é de suma conveniência que as Conferências
Episcopais façam reuniões para combinar como encetar o diálogo com elas. Mas de
suceder encontrarem-se em certas regiões sociedades que não podem abraçar a fé
católica, acomodando-se-lhe, e isto por causa da forma particular que a Igreja
aí assumiu, é de desejar que se tomem providências especiais para tal
situação4, até que todos os cristãos se possam congregar numa só comunidade.
Caso a Sé Apostólica disponha de missionários para tal fim, chamem- nos os
Bispos as duas dioceses ou os recebam de bom grado, favorecendo eficazmente as
suas iniciativas.

4 Cf. Decr. Sobre o
Ministério e a Vida dos Sacerdotes Presbyterorum Ordinis, n. 10, onde, para
facilitar os trabalhos de pastoral especiais aos diversos grupos da sociedade,
se prevê a constituição de prelaturas pessoais enquanto o exigir o melhor modo
de exercer o apostolado com eficiência.

Para que esse zelo
missionário floresça entre os compatriotas, muito convém que essas Igrejas
novas, mesmo que sofram escassez de clero, o mais cedo possível cooperem com a
missão universal da Igreja, enviando elas mesmas missionárias que anunciem o
Evangelho por toda a terra. Pois a comunhão com a Igreja universal de certo
modo se completara quando elas próprias participarem ativamente do zelo
missionário para com todos os povos.

[Promoção do Apostolado dos
Leigos]

21. A Igreja não se acha deveras consolidada, não vive
plenamente, não é um perfeito sinal de Cristo entre os homens, se aí não existe
um laicato de verdadeira expressão que trabalhe com a hierarquia. Porque o
Evangelho não pode ser fixado na índole, na vida e no trabalho dum povo, sem a
ativa presença dos leigos. Por isso desde a fundação da Igreja, tenha-se o
máximo cuidado em constituir um laicato cristão maduro.

Os fiéis leigos pertencem
plenamente tanto ao Povo de Deus como a sociedade civil. Fazem parte do povo
que os viu nascer. Pela educação começaram a participar de seus tesouros
culturais. Ligam-se a sua vida por multiformes laços sociais. Cooperam para o
seu progresso, no exercício da profissão. Sentem como próprios os seus
problemas e se esforçam por solucioná-los. São também de Cristo porque foram
regenerados na Igreja pela fé e pelo batismo para, em novidade de vida e obras,
serem de Cristo.5 Assim em Cristo tudo será sujeito a Deus e afinal Deus será
tudo em todas as coisas.6

5 Cf. 1 Cor 15,23.

6 Cf. 1 Cor 15,28.

O principal dever dos homens
e das mulheres é dar testemunho de Cristo pelo exemplo e pela palavra, na
família, no seu ambiente social e no âmbito da profissão. Importa que neles
transpareça o novo homem, criado segundo Deus na justiça e na santidade da verdade.7
Devem manifestar essa vida nova no âmbito da sociedade e da cultura pátrias,
segundo as suas tradições nacionais. Devem conhecer essa cultura, purificá-la e
conservá-la, desenvolvê-la segundo as recentes situações, e finalmente
aperfeiçoá-la em
Cristo. Destarte a fé em Cristo e a vida da Igreja já não
serão estranhas a sociedade em que vivem, mas começarão a penetrá-la e a
transformá-la. Unam-se a seus concidadãos numa caridade sincera, para que em
sua vida manifeste a novo vínculo de unidade e solidariedade universal, haurido
do mistério de Cristo. Propaguem também a fé de Cristo entre aqueles a que os
ligam as relações de vida e a profissão. Essa obrigação tanto mais se impõe
quando muitos homens não podem a não ser pelos leigos mais próximos ouvir o Evangelho
e conhecer a Cristo. E até se prontifiquem os leigos, se possível, para em mais
estreita cooperação com a hierarquia executar uma missão especial de anunciar o
Evangelho e transmitir a doutrina cristã, para aumentar o vigor da Igreja
nascente.

7 Cf. Ef 4,24.

Os ministros da Igreja
valorizem o operoso apostolado dos leigos. Formem leigos que, como membros de
Cristo, estejam conscientes de sua responsabilidade por todos os homens.
Instruam-nos solidamente no mistério de Cristo. Introduzam-nos nos métodos
práticos e assistam-nos nas dificuldades, segundo a mente da Constituição sobre
a Igreja e o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos.

Respeitadas as atribuições e
responsabilidades próprias dos pastores e dos leigos, toda a Igreja nova preste
um só testemunho vivo e firme de Cristo, a fim de que ela se torne lúcido sinal
da salvação que em Cristo nos chegou.

[Diversidade na Unidade]

22. A semente que é a palavra de Deus, germinando em terra
boa, irrigada pelo orvalho divino, extrai a seiva, transforma-a e a assimila a
si para então dar fruto abundante. De um modo semelhante a economia da
Encarnação, as Igrejas novas radicadas em Cristo, e superedificadas sobre o
fundamento dos Apóstolos, assumem em admirável intercâmbio todas as riquezas
das nações, herança de Cristo.8 Tomam emprestado dos costumes e tradições, do
saber e doutrina, das artes e sistemas dos seus povos tudo o que pode
contribuir para glorificar o Criador, para ilustrar a graça do Salvador e para
ordenar convenientemente a vida cristã.9

8 Cf. Sl 2,8.

9 Cf. Conc. Vat. II, Const.
Dogm, sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 13: AAS 57 (1965), pp. 17-18.

Para conseguir tal objetivo
é necessário que se estimule em cada grande território sócio-cultural a
pesquisa teológica. Na esteira da tradição da Igreja universal, submetam-se a
nova investigação os fatos e as palavras revelados por Deus, consignados nas
Sagradas Escrituras e explicados pelos Padres e pelo Magistério da Igreja.
Assim mais claramente se perceberá por que caminhos a fé procurar a
inteligência. Fé que leva em conta a filosofia adaptar os costumes, os modos de
vida e a ordem social aos procedimentos indicados pela revelação divina. Daí se
abrirão caminhos para uma mais profunda adaptação em todo o âmbito da vida
cristã. Esse modo de agir afastará toda espécie de sincretismo e falso
particularismo, acomodará a vida cristã ao modo e índole de qualquer cultura.10
As tradições particulares de cada geração, aclaradas pela luz do Evangelho,
virão acrescentar-se a unidade católica. Enfim as recentes Igrejas
particulares, ornadas de suas tradições, terão sua posição na comunhão
eclesiástica, continuando íntegro o primado da Cátedra de Pedro, que preside a
união universal da caridade.¹¹

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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