«Crise da fé», a principal preocupação do Papa

Bento XVI contrapõe «ceticismo» do Velho Continente com «paixão pela fé» que testemunhou em África

(22/12/2011) “É bom que eu exista: é bom existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis. A fé faz-nos felizes a partir de dentro”. Reflexões de Bento XVI, dirigindo-se aos cardeais e bispos da Cúria Romana, no costumado encontro de troca de boas-festas natalícias. Aludindo à crise económica e financeira com que se debate a Europa, que em última análise assenta na crise ética, o Papa referiu a crise da Igreja na Europa, considerando que o seu verdadeiro cerne é a crise da fé.

Da crise em curso, reflectiu Bento XVI, surgem interrogações fundamentais: Onde está a luz para verificar os imperativos concretos a adotar? E onde está a força que sublime a nossa vontade? Questões às quais deve dar resposta o anúncio do Evangelho, a nova evangelização. A questão fundamental – insistiu o Papa – é: Como anunciar hoje o Evangelho, Como pode a fé, enquanto força viva e vital, tornar-se realidade hoje?
E foi a esta luz que o pontífice evocou alguns acontecimentos eclesiais deste ano 2011: as suas viagens à Croácia, à Espanha (para a JMJ de Madrid, à Alemanha e, finalmente, à África – ao Benim, sem esquecer as deslocações dentro da Itália – a Veneza, a São Marino, a Ancona (para o Congresso Eucarístico) e à Calábria. Bento XVI recordou também a recente instituição do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização (com a preparação do Sínodo sobre o mesmo tema) e a decisão de celebrar o Ano da Fé, na comemoração dos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II.
Lembrando que assumiu naturalmente especial importância na sua visita à Alemanha “a questão ecuménica, com todas as suas fadigas e esperanças”, Bento XVI considerou que a questão central que se põe é esta: O que é uma reforma da Igreja? Como se realiza? Quais os seus caminhos e objetivos? O Papa reconheceu, neste contexto, a existência de uma série de sinais de crise na Igreja da Europa: crescente redução e envelhecimento dos praticantes, a estagnação das vocações ao sacerdócio, um clima de cepticismo e de descrença. Que fazer? Há coisas a fazer, porém (advertiu Bento XVI), não é o fazer, por si só, que resolve o problema. E aqui Bento XVI reafirmou o que já declarara em Friburgo, na Alemanha:

“O cerne da crise da Igreja na Europa. é a crise da fé. Se não encontrarmos uma resposta para esta crise, ou seja, se a fé não ganhar de novo vitalidade, tornando-se – graças ao encontro com Jesus Cristo – uma convicção profunda e uma força real, permanecerão ineficazes todas as outras reformas”.

Em contraste com o cepticismo e a descrença que se advertem na Europa, Bento XVI considerou um grande encorajamento “a jubilosa paixão pela fé” sentida em África, no Benim. Ali não se sentia qualquer sinal da lassidão da fé e do tédio de ser cristão tão difusos na Europa – considerou.
“Apesar de todos os problemas, de todos os sofrimentos e penas que existem, sem dúvida, na África, sempre se palpava a alegria de ser cristão, o ser sustentado pela felicidade interior de conhecer Cristo e pertencer à sua Igreja. E desta alegria nascem também as energias para servir Cristo nas situações opressivas de sofrimento humano, para se colocar à sua disposição em vez de acomodar-se no próprio bem-estar”.

“Esta fé disposta ao sacrifício” sentida na África, que constitui “um grande remédio contra a lassidão de ser cristão que experimentamos na Europa” – foi também a experiência vivida em Madrid, na Jornada Mundial da Juventude. E foi a partir daí, da JMJ de Madrid, que o Santo Padre elencou cinco etapas fundamentais no processo que configura um “modo novo e rejuvenescido de ser cristão”: antes de mais “uma nova experiência da catolicidade, da universalidade da Igreja”;

“o facto de todos os seres humanos serem irmãos e irmãs não é apenas uma ideia mas torna-se uma experiência comum real, que gera alegria. E assim compreendemos também de maneira muito concreta que, apesar de todas as fadigas e obscuridades, é bom pertencer à Igreja universal que o Senhor nos deu.”

Há depois a experiência de “um novo modo de ser homem, o ser cristão”, bem patente na pessoa de 20 mil jovens voluntários, que ofereceram uma parte importante do seu tempo para servir os outros, com alegria, não pensando só em si mesmos.

“Estes jovens fizeram o bem – sem olhar ao peso e aos sacrifícios que o mesmo exigia – simplesmente porque é bom fazer o bem, é bom servir os outros. É preciso apenas ousar o salto. Tudo isto é antecedido pelo encontro com Jesus Cristo, um encontro que acende em nós o amor a Deus e aos outros e nos liberta da busca do nosso próprio «eu».”

Bento XVI referiu depois, como terceiro e quarto elementos de um caminho de nova evangelização, intensamente vividos em Madrid, na JMJ, “a adoração” (ato da fé como tal, que reconhece Deus como realidade presente) e “o sacramento da Penitência, que tem vindo, com naturalidade cada vez maior, a fazer parte da Jornada Mundial. Reconhecemos assim que precisamos sempre de perdão, e que “perdão significa responsabilidade”, também aqui contrastando a tendência ao egoísmo, ao fechar-se sobre si mesmo, ou – pior ainda – no mal. Finalmente, como quinto elemento experimentado e testemunhado pelos jovens em Madrid, em Agosto passado, Bento XVI referiu a alegria. Uma alegria profunda e muito especial, cuja origem há que indagar, perguntando-nos como é que se explica. O fator decisivo desta alegria – considerou o Papa – é uma certeza derivada da fé: “Eu sou desejado; tenho uma tarefa; sou aceite, sou amado”.O homem só se pode aceitar a si mesmo, se for aceite por outra pessoa qualquer. Precisa que haja outra pessoa que lhe diga, e não só por palavras: É bom que tu existas.

“Quem não é amado, também não se pode amar a si mesmo. Este saber-se acolhido provém, antes de tudo, doutra pessoa. Entretanto todo o acolhimento humano é frágil; no fim de contas, precisamos de um acolhimento incondicional; somente se Deus me acolher e eu estiver seguro disso mesmo é que sei definitivamente: É bom que eu exista; é bom ser uma pessoa humana.”

Quando falta ao homem a percepção de ser acolhido por Deus, de ser amado por Ele. torna-se cada vez mais insuperável a dúvida acerca da existência humana.

“Onde se torna predominante a dúvida sobre Deus, acaba inevitavelmente por seguir-se a dúvida acerca do meu ser homem. Hoje vemos quão difusa é esta dúvida! Vemo-lo na falta de alegria, na tristeza interior que se pode ler em muitos rostos humanos. Só a fé me dá esta certeza: É bom que eu exista; é bom existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis.”

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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