Cresce o número de americanas grávidas de gêmeos que decidem – dentro da lei – abortar um dos fetos. O que pensar disso?

Algumas coisas são tão radicais e definitivas que jamais ocorrem pela metade. Não existe meia morte, assim como não existe meio nascimento. Na natureza, é assim. Quando o homem intervém sobre ela, a história muda. Sempre é possível complicar. É o que demonstra a mais nova polêmica suscitada pelas técnicas de reprodução assistida: o meio aborto. Mulheres que se submetem a tratamentos de reprodução assistida e engravidam de gêmeos decidem eliminar um dos embriões.

O fenômeno detectado nos Estados Unidos vem provocando desconforto até mesmo entre os mais ferrenhos defensores do direito à interrupção da gravidez. A prática existe desde os anos 1980, conforme reportagem publicada no início de agosto pela revista do jornal The New York Times. Nos últimos anos, porém, ela se tornou mais difundida. Nenhuma instituição coleta estatísticas gerais sobre o fenômeno, mas a experiência do Centro Médico Mount Sinai, de Nova York, serve de amostra. Nos Estados Unidos, ele é um dos que mais realizam reduções embrionárias (o nome técnico e politicamente correto para designar o ato de eliminar um ou mais embriões). Em 1997, 15% dos procedimentos desse tipo foram realizados em grávidas de gêmeos que pretendiam ter apenas um filho. No ano passado, o índice subiu para 38%.

Como o aborto é permitido na maioria dos Estados americanos, mulheres que o praticam não veem problema em falar com a imprensa abertamente. Isso não acontece nos casos de meio aborto. Por julgar que a situação é embaraçosa e eticamente complicada, as mulheres entrevistadas pelo The New York Times escolheram o anonimato.

Umas delas engravidou de gêmeos aos 45 anos, depois de seis anos de tentativas e gastos com a clínica de fertilização. Depois de tantos insucessos, não esperava que os dois embriões colocados no útero sobreviveriam. O plano era ter apenas um. Ela e o marido já tinham filhos adolescentes e disseram ao jornal que não teriam condições de criar dois bebês. Optaram por eliminar um deles. “Se eu tivesse concebido os gêmeos naturalmente, não faria a redução embrionária”, disse ela. “Sentiria que existe uma ordem natural que não pode ser desrespeitada. Mas geramos esses embriões de uma forma tão artificial que decidir quantos deles gestar me parece apenas mais uma escolha.”

Um dos primeiros especialistas a oferecer a redução embrionária foi Mark I. Evans, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Colúmbia. Ele cita argumentos sociais em defesa da prática – não apenas em gestações de quatro ou mais embriões, em que esse tipo de procedimento é comum, mas também no caso de gêmeos. Como muitas mulheres recorrem à reprodução assistida depois dos 45 anos, Evans acha justo que elas tenham a chance de eliminar um dos embriões. Afinal, uma mulher com mais de 60 anos nem sempre tem saúde e dinheiro para lidar com adolescentes tempestuosos ou com as pesadas mensalidades universitárias. “A ética evolui com a tecnologia”, diz.

A questão pode ser mais complicada. Se a técnica de redução embrionária não existisse, talvez as mulheres não se preocupassem com problemas financeiros causados pelo nascimento de gêmeos. “De certa forma, ter mais escolhas causa mais sofrimento às mulheres porque nos tornamos criadoras de nossas circunstâncias”, afirma Josephine Johnston, bioeticista do Centro de Pesquisa Hastings, em Garrison. “Não estou dizendo que devemos ter menos oportunidades de escolha. Estou dizendo que escolhas não são sempre libertadoras e fortalecedoras como esperamos.” Em outras palavras, as possibilidades técnicas da medicina podem produzir dilemas morais dilacerantes, como o de ter de escolher qual de seus fetos vai ter a chance de viver – e qual deles vai morrer.

Além de razões sociais, as mães que optam pelo procedimento citam motivos de saúde. A gravidez de gêmeos (gerados naturalmente ou por reprodução assistida) pode ser mais complicada do que a gestação de um único bebê. O risco de prematuridade aumenta três vezes. O de paralisia cerebral, dez vezes. O de morrer logo após o nascimento, duas vezes e meia. A saúde da mãe também pode sofrer. O risco de hipertensão aumenta quatro vezes.

A melhor forma de evitar a redução é colocar menos embriões no útero nos processos de inseminação artificial. Em países como Dinamarca e Suécia, em 75% das tentativas de fertilização, usa-se apenas um embrião. No restante da Europa, o índice cai para 25%. Nos Estados Unidos e no Brasil, onde o tratamento é caro e raramente oferecido em serviços públicos, apenas 5% dos procedimentos são feitos com um único embrião. Os casais preferem receber mais embriões para aumentar as chances de gravidez.

Uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina, publicada em janeiro, estabeleceu o número de embriões a ser usado. Quando a mulher tem até 35 anos, deve receber no máximo dois embriões. Dos 36 aos 39 anos, até três. Dos 40 em diante, no máximo quatro. A redução embrionária não é permitida em hipótese alguma. Ainda assim, sempre é possível que alguns descumpram a norma. Entre as acusações que pesam sobre o médico Roger Abdelmassih, foragido da Justiça, está a de praticar redução embrionária. “Esse negócio de eliminar um dos gêmeos é uma coisa muito americana. Sou totalmente contra isso”, diz Edson Borges Júnior, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. “Não conheço uma única grávida de gêmeos que tenha pedido isso. Se o médico fizer, estará cometendo crime de aborto.”

A redução embrionária é feita na 12ª semana de gestação. Quando os dois embriões parecem saudáveis, a escolha é aleatória. Com a ajuda do ultrassom, o médico localiza o embrião de mais fácil acesso e injeta cloreto de potássio na região que parece pulsar. O objetivo é atingir o coração. A morte é instantânea.

O meio aborto é pior que o aborto? Parece ser essa a sensação geral. Blogs e sites que defendem a liberdade de escolha nos Estados Unidos expressaram preocupação. “Não poderia dormir se soubesse que eliminei o irmão perfeitamente saudável da minha filha”, escreveu uma leitora. Talvez o que mais incomode seja o fato de a criança que resta obrigar a mãe a se lembrar da que foi descartada. A melhor forma de evitar o sofrimento é não adiar demais a gravidez. É preciso lembrar que a intervenção humana sobre a natureza tem limites. Ou deveria ter.

Fonte:
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/08/destruicao-assistida.html

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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