Chagas na Cidadania

É grande a lista de chagas na cidadania: corrupção, dependência química, relativização de valores e de princípios, violência nas ruas e nas escolas. Uma lista quase interminável. É uma exigência cidadã prestar atenção nesta lista, e sentir-se interpelado para uma conduta que trabalhe e colabore, mais decisivamente, na reversão das dinâmicas geradoras dessa desfiguração, recuperando sensibilidades. Particularmente, revitalizar a sensibilidade social que gera reação ante os desmandos e desrespeitos à dignidade humana.

As chagas na cidadania comprovam o quanto o princípio da solidariedade está sendo atingido. É preocupante e triste constatar que o natural fenômeno da interdependência está fragilizado em razão de desigualdades muito fortes, alimentadas pela corrupção corrosiva, por diversas formas de exploração e opressão. A injustiça, hoje, tem dimensões planetárias. Incide, até mesmo, nos países mais desenvolvidos. É preciso existir um compromisso com a solidariedade, que permitirá novas posturas no processo de modificação de leis, de regras de mercado e de ordenamentos.

Nesta perspectiva, a solidariedade deve ser entendida e vivida como uma virtude moral. Não se trata de um simples sentimento de compaixão. A responsabilidade de cada um por todos é uma exigência e um princípio fundamental no processo de cicatrização e superação das chagas na cidadania. Todo cidadão, à luz deste princípio da solidariedade, é intimado a assumir sua dívida com a sociedade. É uma sensibilidade social que precisa ser reavivada e mantida. Cada um deve contribuir, decisivamente, com a solidariedade que cura o mundo de suas patologias individualistas, por meio de um exercício pessoal. A solidariedade é vetor determinante na construção de uma sociedade justa, que só será alcançada na medida em que a dignidade transcendente da pessoa humana é respeitada.

Nesse horizonte fica claro que a ordem social e o seu progresso devem buscar e garantir o bem de todas as pessoas. Esta meta, no entanto, revela a grande dívida imposta à cidadania quando, por exemplo, se considera os pobres. Cresce o número de excluídos, dos que moram nas ruas e dos que vivem em situação de risco, desprovidos de bens e direitos básicos. Esta realidade é um convite para se explicitar, avaliar as causas e, assim, impulsionar intervenções.

A sensibilidade social é uma exigência inegociável que permite ecoar na consciência cidadã os apelos dos mais pobres e sofredores. Isso significa compreender e respeitar cada pessoa humana, jamais admitir sua instrumentalização – seja econômica, social e política. Ora, toda pessoa humana é, antes de tudo, uma singularidade que requer incondicional respeito. É centro de consciência e liberdade. Esta compreensão supõe, então, o primado da pessoa. Reconhecer este primado é precondição para que programas sociais, culturais, políticos, econômicos e científicos possam ser indicados e definidos em função das necessidades básicas e transcendentes próprias da dignidade humana.

O preocupar-se com essa dignidade deve gerar uma terapêutica angústia, fruto da claridade racional e da compaixão e, ao mesmo tempo, da percepção de que milhares e milhões nas sociedades contemporâneas não são respeitados enquanto indivíduos. Diante das intoleráveis desigualdades sociais, ou do desafio da superação da miséria e da fome, na sociedade brasileira e pelo mundo afora, é preciso perceber os inúmeros desafios. Semear, em todos, o empenho rumo à construção de uma sociedade mais solidária.

É um longo caminho. Precisa ser percorrido permanentemente. E só o percorre de forma comprometida quem busca conhecer as necessidades dos pobres. É necessário trabalhar para fomentar a cultura da responsabilidade de todas as pessoas em todos os níveis, envolvendo especialmente os governos, empresas e demais instituições. Em tempos de crise, retoma-se o debate sobre a regulação da economia, das finanças e do comércio. Estas e outras medidas precisam contracenar com a vivência de valores, formando consciências que vão permitir a recomposição do fragilizado mundo da educação – particularmente da escola pública – da batalha cerrada contra o tráfico de drogas e a revitalização da cidadania.

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Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – MG

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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