Células de vida-Parte II

II – A
PROIBIÇÃO ESTATAL E O DIREITO DE LIBERDADE,

29. Já o
vimos com farta doutrina, faz parte da idéia jurídica de nascituro a sua
perspectiva de vida no seio do ventre materno. Aí sim poderíamos começar uma
discussão sobre a existência de vida a ser protegida; antes disso, contudo,
enquanto há apenas um conjunto de micro-células criadas em laboratório e nele
congeladas, menores que a ponta de um alfinete e cujo destino, não usadas, é
serem “descartadas”, estamos tratando apenas de um material biológico que
poderia ter grande valia para salvar a vida humana do flagelo de inúmeras
moléstias, hoje tidas como incuráveis.

30. É
inapropriada, portanto, a invocação do artigo 2° do código civil na abordagem
do tema. Abonando esse entendimento, na jornada de estudos promovida pelo
Superior Tribunal de Justiça, sobre o novo código civil, chegou-se à conclusão
(n° 2) de que “Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o
art. 2° do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da
reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.”

31. A
conclusão obtida por esse grupo de estudos foi o de que as novas questões
jurídicas, emergentes do BIODIREITO, não podem ser resolvidas pelo teor do
artigo 2° do Código Civil. Deu-se ainda a sugestão de que sejam objeto de uma
regulação própria, ficando aí o convite ao legislador(7).

32. Ocorre
que, hoje em dia, não há regulação própria. Em contrapartida, existe um
preceito constitucional (artigo 5°, inciso II), erigido à altura de direito
fundamental, que tutela o direito de liberdade dos cidadãos e diz que ,
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei.” , Ora, se a lei não proíbe expressamente a utilização de células
tronco embrionárias para a terapia e pesquisas, essa atividade não pode ser
obstada, sendo livre pela sociedade. Seria discutível, do ponto de vista da
compatibilidade constitucional, uma proibição legislativa expressa nesse sentido:
indiscutível é a impossibilidade de proibir a atividade se não houver proibição
legal expressa.

33. O Estado
Brasileiro não pode vetar a realização de pesquisas com células tronco
embrionárias, que poderão salvar milhões de vidas, apenas com base em qualquer
padrão moral de conduta, muito menos com base na suposta falta de
regulamentação do assunto. Ora, se o assunto não está regulamentado e se a
prática da pesquisa e da terapia com essas células não está expressamente
proibida pela lei, não cabe a menor discussão quanto à possibilidade dela ser
feita e é um grande absurdo que não venha sendo.

III – A
PESQUISA E A TERAPIA COM CÉLULAS TRONCO EMBRIONÁRIAS,

34.os países
desenvolvidos do mundo têm empreendido pesquisas com células embrionárias e
elas são promissoras no sentido de regenerar o tecido humano, já que
funcionariam como curingas, vale dizer, desempenhariam no tecido as mesmas
funções da célula doente. Isso pode ocorrer inclusive para o nobre tecido
cerebral, quando eventualmente danificado – é o que indicam pesquisas feitas no
mundo inteiro, como se verá adiante em tópico destacado.

35. Vejamos
o que o mundo vem discutindo a respeito do tema:

(…)

36. Todos
têm direito à sadia qualidade de vida, como se constata pela leitura do artigo
225, caput, da Constituição Federal.

37. A saúde
é direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196, caput, da
Constituição Federal.

38. A vida é
direito inviolável do indivíduo, conforme artigo 5°, caput, da constituição
Federal.

39. A tutela
da vida e da saúde humanas, orientada pelo valor constitucional de “sadia
qualidade de vida”, constitui precisamente a órbita de tutela da presente ação.

40. Imagine
uma criança que ficou paralítica num acidente automobilístico (não é difícil
imaginar, já que os casos são incontáveis, não só no Brasil mas mundo afora).
Imagine agora olhar nos olhos dessa criança e dizer que ela até poderia voltar
a andar, que talvez a sua dor tivesse cura, mas que isso infelizmente não será
possível já que essa não é a vontade da Constituição e nem a vontade de Deus.
Ou seja, imagine Vossa Excelência olhando nos olhos dessa criança e dizendo que
a Constituição do nosso país e Deus querem que ela permaneça paralítica até o
fim dos seus dias, já que as células invisíveis que poderiam ajudá-la, criadas
em laboratório, não poderão ser usadas na sua cura, apesar de irem para a lata
do lixo.

41. Com
todas as vênias de quem pensa o contrário, olhar no fundo dos olhos de uma
criança e dizer isso com a cara deslavada é, isto sim, uma conduta de
inacreditável imoralidade, chegando-se às raias do extremo sadismo.

42. Embora o
debate devesse ser estritamente jurídico – e o embrião laboratorial in vitro
não é nascituro, tendo a natureza jurídica de coisa, parece-nos inevitável que
o debate venha a assumir, quiçá no próprio Poder Judiciário, aspectos de índole
moral e religiosa.

43. Se Deus
fez o homem e o dotou de razão, é inconcebível que seja privado do uso de sua
razão para o seu próprio benefício.

44. Imoral é
dizer para um filho, cujo pai teve derrame, que sei pai até poderia ser curado,
mas aquelas células laboratoriais invisíveis e congeladas vão para o lixo, não
podendo ser usadas na cura.

45. Imoral é
dizer que a vontade de Deus é que as pessoas permaneçam doentes e flageladas,
sofrendo mesmo quando existem meios à sua disposição para evitar o sofrimento.

46. Será que
Deus quer que as crianças da humanidade permaneçam paralíticas?

47. Seria
imoral tentar acabar com o sofrimento de milhões de vidas humanas?

48. Com
todas as vênias a quem pensa de modo diverso, imoral e anti-cristão é lutar
pela perpetuação do sofrimento alheio.

49. Célula
invisível, criada em laboratório e congelada a uma baixíssima temperatura, sem
nenhum neurônio, não pensa, não sente e não sofre. Quem poderia dispor delas e
ter algum sentimento por elas são os seus genitores (o fornecedor do esperma e
a fornecedora do óvulo), vale dizer, os doadores do material biológico que
criou, artificialmente, a célula em questão. Por isso que, como se verá ao
final, no pedido, a única exigência que deve ser feita à realização de
pesquisas com células tronco embrionárias é o consentimento dos fornecedores do
material biológico que lhes deu a origem artificial. Não em respeito às células
em si, que são um material biológico com tanta relevância quanto um fio de
grama (ou menor, porque um fio de grama é um material muito mais complexo), mas
sim em respeito aos próprios fornecedores desse material biológico, que por
puritanismo próprio não querem que ele seja usado. É uma posição pessoal egoísta
mas o Estado deve respeito a isso, não devendo manipular o patrimônio genético
das pessoas sem que elas expressamente consintam.

50.
Excelência, tenha certeza que um boi merece muito mais respeito e consideração
da humanidade do que essas células embrionárias. Um boi, quando é abatido para
servir à nossa fome com a sua própria carne, pode eventualmente sofrer. Pode
deixar saudades em alguma vaquinha ou sabe-se lá o que mais. Uma célula
invisível de laboratório, menor que a cabeça de um alfinete, não tem qualquer
sentimento: quem pode ter alguma consideração por ela são os doadores do
material biológico que permitiu a sua criação artificial (espermas + óvulos),
daí a exigência do consentimento desses doadores e nada mais.

51. Se o
Poder Judiciário considerar que essas células microscópicas têm direito à vida
só porque vem do ser humano então tudo o que vem do ser humano deveria
igualmente ter direito à vida, devendo-se substituir as atuais estações de
tratamento de esgoto por museus de preservação e contemplação do material
orgânico humano.Retirado de UOL- Consultor Jurídico- 02/02/2005

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.