Catequese sobre os Anjos (Parte 1)

No ano de 1986 o Papa João Paulo II fez uma série e oito catequeses sobre os anjos. Não pronunciamento mais claro do Magistério da Igreja sobre este assunto. Vamos conhecer estas Catequeses que esclarecem a verdade sobre os seres espirituais criados por Deus, pois, como o próprio Papa disse: ‘É preciso reconhecer que a confusão às vezes é grande, com consequente risco de fazer passar como fé da Igreja a respeito dos anjos aquilo que não pertence à fé, ou, vice versa, de omitir algum aspecto importante da verdade revelada.’

Catequese 1

1. ‘Criador das Coisas Visíveis e Invisíveis’ Audiência do dia 9 de julho de 1986 (Publicada no L’osservatore Romano, ed. port., no dia 13 de julho de 1986)

1. As nossas catequeses sobre DEUS, criador do mundo, não podem terminar sem dedicar adequada atenção a um precioso conteúdo da Revelação divina: a criação dos seres puramente espirituais, que a Sagrada Escritura chama “anjo”. Esta criação aparece claramente nos símbolos da fé, de modo particular no símbolo niceno-constantinopolitano: “Creio em um só DEUS, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas (isto é, entes ou seres) visíveis e invisíveis”. Sabemos que o homem goza, no interior da criação, de uma posição singular: graças ao seu corpo, pertence ao mundo visível, enquanto pela alma espiritual, que vivifica o corpo, se encontra quase no confim entre a criação visível e a invisível. A esta última, segundo o Credo que a Igreja professa a luz da Revelação, pertencem outros seres, puramente espirituais, portanto não próprios do mundo visível, embora estejam presentes e operem neles. Estes constituem um mundo específico.

2. Hoje, como nos tempos passados, discute-se com mais ou menos sabedoria sobre estes seres espirituais. É preciso reconhecer que a confusão às vezes é grande, com consequente risco de fazer passar como fé da Igreja a respeito dos anjos aquilo que não pertence à fé, ou, vice versa, de omitir algum aspecto importante da verdade revelada. A existência dos seres espirituais, a que de costume a Sagrada Escritura chama ‘anjos’, era já negada, nos tempos de Cristo, pelos saduceus (cf. At 23,8). Negam-na também os materialistas e os racionalistas de todos os tempos. Todavia, como perspicazmente observa um teólogo moderno, “se nos quiséssemos desembaraçar dos anjos, deveríamos rever radicalmente a Sagrada Escritura mesma, e com ela toda a história da salvação” (A. Winklhofer, Die Welt der Engel, Ettal, 1961, p. 144, nota 2; em Myster Salutís, II, 2, p. 726). Toda a Tradição é unânime sobre esta questão. O Credo da Igreja e, no fundo, um eco que Paulo escreve aos colossenses: ‘N´Ele (Cristo) foram criadas todas as coisas nos Céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, os Tronos e as Dominações, os Principados e as Potestades: tudo foi criado por Ele e para Ele’ (Cl 1,16). Ou seja, o Cristo, que como Filho-Verbo eterno e consubstancial ao Pai é ‘primogênito de toda a criatura’ (Cl 1,15), está no centro do universo, como razão e fundamento de toda a criação, como já vimos nas catequeses passadas e como veremos ainda quando falarmos mais diretamente Ele.

3. A referência ao ‘primado’ de Cristo ajuda-nos a compreender que a verdade acerca da existência e da obra dos anjos (bons e maus) não constitui o conteúdo central da palavra de Deus. Na revelação, Deus fala antes de tudo ‘aos homens… e conversa com eles, para os convidar e os receber em comunhão com Ele’, como lemos na Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II (DV 2). ‘Assim a verdade profunda, tanto a respeito de Deuscomo da salvação do homem’, é o conteúdo central da revelação que ‘resplandece’ mais plenamente na pessoa de Cristo (cf. DV 2). A verdade acerca dos anjos é em certo sentido ‘colateral’, mas inseparável da revelação central, que é a existência, a majestade e a glória do Criador que refulgem em toda a criação (‘visível e invisível’) e na ação salvífica de Deus na história do Homem. Os anjos não são, portanto, criaturas de primeiro plano na realidade da Revelação; contudo, pertence-lhe plenamente, tanto que nalguns momentos os vemos realizar tarefas fundamentais em nome de Deus mesmo.

4. Tudo o que pertence à criação reentra, segundo a Revelação, no mistério da divina Providência. Afirma-o de modo exemplarmente conciso o Vaticano I que já citamos mais de uma vez: ‘Tudo o que Deus criou, conserva-o e dirige-o com Sua providência, que estende seu vigor de uma extremidade à outra e governa todas as coisas com suavidade’ (cf. Sb 8,1). ‘Todas as coisas estão a nu e a descoberto aos seus olhos’ (cf. Hb 4,13) ‘mesmo o que se realizou por livre iniciativa das criaturas’ (DS 3003). A Providência abrange, por conseguinte, também o mundo dos puros espíritos, que ainda mais plenamente do que os homens são seres racionais e livres. Na Sagrada Escritura encontramos preciosas indicações que lhes dizem respeito. Há também a revelação de um drama misterioso, embora real, que tocou estas criaturas angélicas, sem que nada escapasse à eterna Sabedoria, a qual com força (fortiter) e ao mesmo tempo com suavidade (suaviter) tudo leva a cumprimento no reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

5. Reconheçamos antes de tudo que a Providência, como amorosa Sabedoria de DEUS, se manifestou precisamente no criar seres puramente espirituais, para que melhor se exprimisse a semelhança de Deus neles que superam de multo tudo o que foi criado no mundo visível, juntamente com o homem, também ele incancelável imagem de Deus. Deus, que é Espírito absolutamente perfeito, reflete-se sobretudo nos seres espirituais que por natureza, isto é, devido a sua espiritualidade, Lhe estão muito mais próximos do que as criaturas materiais, e que constituem quase o “ambiente” mais próximo ao Criador. A Sagrada Escritura oferece um testemunho bastante explícito desta máxima proximidade a Deus, dos anjos, dos quais fala, com linguagem figurada, como o ‘trono’ de Deus, das suas ‘legiões’ do seu ‘céu’. Ela inspirou a poesia e a arte dos séculos cristãos que nos apresentam os anjos, com a ´corte de Deus’.

2.Criador dos Anjos, Seres livres Audiência do dia 23 de julho de 1986 (Publicado no L´osservatore Romano, ed. port., no dia 27 de julho de 1986.)

1. Continuamos hoje a nossa catequese sobre os anjos, cuja existência, querida mediante um ato de amor eterno de Deus, professamos com as palavras do símbolo niceno-constantinopolitano: ‘Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis’. Na perfeição da sua natureza espiritual, os anjos são chamados desde o princípio, em virtude da sua inteligência, a conhecer a verdade e a amar o bem que conhecem na verdade de modo muito mais perfeito do que é possível ao homem. Este amor é o ato de uma vontade livre, pelo que também para os anjos a liberdade significa possibilidade de efetuar uma escolha favorável ou contra o Bem que eles conhecem, isto é, Deus mesmo. Preciso repetir aqui o que já recordamos a seu tempo a propósito do homem: criando os seres livres, Deus quis que no mundo se realizasse aquele amor verdadeiro que só é possível quando tem por base a liberdade. Ele quis, portanto, que a criatura, formada à imagem e semelhança do seu Criador, pudesse do modo mais pleno possível tornar-se semelhante a Ele, Deus, que “é amor” (Jo 4,16). Criando os espíritos puros como seres livres, Deus, na sua Providência, não podia deixar de prever também a possibilidade do pecado dos anjos. Mas, precisamente porque a Providência é eterna sabedoria que ama, Deus saberia tirar da história deste pecado, incomparavelmente mais radical enquanto pecado de um espírito puro, o definitivo bem de todo o cosmos criado.

2. Com efeito, como diz de modo claro a Revelação, o mundo dos espíritos puros apresenta-se dividido em bons e maus. Pois bem, esta divisão não se realizou por obra de Deus, mas em consequência da liberdade própria da natureza espiritual de cada um deles. Realizou-se mediante a escolha que para os seres puramente espirituais possui um caráter incomparavelmente mais radical do que a do homem, e é irreversível dado o grau do caráter intuitivo e de penetração do bem de que é dotada a sua inteligência. A este propósito deve dizer-se também que os espíritos puros foram submetidos a uma prova de caráter moral. Foi uma escolha decisiva a respeito, antes de tudo, de Deus mesmo, um Deus conhecido de modo mais essencial e direto do que é possível ao homem, um Deus que a estes seres espirituais tinha feito o dom, primeiro que ao homem, de participar da sua natureza divina.

3. No caso doscpa_os_anjos puros espíritos a escolha decisiva dizia respeito antes de tudo a Deus mesmo, primeiro e supremo Bem, aceito ou rejeitado de modo mais essencial e direto do que pode acontecer no raio de ação da vontade livre do homem. Os espíritos puros têm um conhecimento de Deus incomparavelmente mais perfeito do que o do homem, porque com o poder do seu intelecto, nem condicionado nem limitado pela mediação do conhecimento sensível, vêem inteiramente a grandeza do Ser infinito, da primeira Verdade, do sumo Bem. A esta sublime capacidade de conhecimento dos espíritos puros Deus ofereceu mistério da sua divindade, tornando-os assim partícipes, mediante a graça, da sua infinita glória. Precisamente porque são seres de natureza espiritual, havia no seu intelecto a capacidade, o desejo desta elevação sobrenatural a que Deus os tinha chamado, para fazer deles, muito antes do homem, ‘participantes da natureza divina’ (cf. 2 Pd 1,4), partícipes da vida íntima d’Aquele que é Pai, Filho e Espírito Santo, d’Aquele que na comunhão das três Pessoas Divinas  ‘é Amor’ (I Jo 4,16). Deus tinha admitido todos os espíritos puros, primeiro e mais do que o homem, na eterna comunhão do amor.

4. A escolha feita com base na verdade acerca de Deus, conhecida de forma superior devido à lucidez da inteligência deles, dividiu também o mundo dos puros espíritos em bons e maus. Os bons escolheram Deus como Bem supremo e definitivo, conhecido à luz do intelecto iluminado pela Revelação. Ter escolhido Deus significa que se dirigiram a Ele com toda a força interior da sua liberdade, força que é amor. Deus tornou-se a total e definitiva finalidade da sua existência espiritual. Os outros, pelo contrário, voltaram as costas a Deus em oposição à verdade do conhecimento que indicava n’Ele o bem total e definitivo. Escolheram em oposição à revelação do mistério de Deus, em oposição à sua graça que os tornava participantes da Trindade e da eterna amizade com Deus na comunhão com Ele mediante o amor. Tendo como base a sua liberdade criada, fizeram uma escolha radical e irreversível, tal como os anjos bons, mas diametralmente oposta: em vez de uma aceitação de Deus cheia de amor, opuseram-Lhe uma rejeição inspirada por um falso sentido de autossuficiência, de aversão e até de ódio que se transformou em rebelião.

5. Como se hão de compreender esta oposição e esta rebelião a Deus em seres dotados de tão viva inteligência e enriquecidos com tanta luz? Qual pode ser o motivo desta radical e irreversível escolha contra Deus? De um ódio tão profundo que pode parecer unicamente fruto de loucura? Os Padres da Igreja e os teólogos não hesitam em falar de ‘cegueira’ produzida pela super valorização da perfeição do próprio ser, levada até o ponto de velar a supremacia de Deus, que, pelo contrário, exigia um ato dócil e obediente submissão. Tudo isto parece estar expresso de modo conciso nas palavras: ‘Não Vos servirei’ (Jr 2,20), que manifestam a radical e irreversível recusa a tomar parte na edificação do reino de Deus no mundo criado. ‘Satanás’, o espírito rebelde, quer o próprio reino, não o de Deus, e erige-se em ‘primeiro’ adversário do Criador, em opositor da Providência, em antagonista da sabedoria amorosa de Deus. Da rebelião e do pecado do homem, devemos concluir acolhendo a sábia experiência da Escritura que afirma: ‘Na soberba está contida muita corrupção’ (Tb 4,13).

3. Criador das Coisas ‘Invisíveis’: Os Anjos Audiência do dia 30 de julho de 1986 (Publicada no L’OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 3 de agosto de 1986.)

1. Na catequese passada detivemo-nos sobre o artigo do Credo com o qual proclamamos e confessamos Deus criador não só de todo o mundo criado, mas também das ‘coisas invisíveis’, e tratamos o argumento da existência dos anjos chamados a declarar-se por Deus ou contra Deus com um ato radical e irreversível de adesão ou de rejeição da sua vontade de salvação. Ainda segundo a Sagrada Escritura, os anjos, enquanto criaturas puramente espirituais, apresentam-se à reflexão da nossa mente como uma especial realização da ‘imagem de Deus’, Espírito perfeitíssimo, como Jesus mesmo recorda à samaritana com as palavras: ‘Deus é espírito’ (Jo 4,24). Os anjos são, sob este ponto de vista, as criaturas mais próximas do modelo divino. O nome que a Sagrada Escritura lhes atribui indica que aquilo que mais conta na Revelação é a verdade acerca das tarefas dos anjos em relação aos homens: anjo (angelus) quer dizer, com efeito, ‘mensageiro’. O hebraico ‘malak’, usado no Antigo Testamento, significa mais propriamente ‘delegado’ ou ‘embaixador’, Os anjos, criaturas espirituais, têm função de mediação e de ministério nas relações mantidas entre Deus e os homens. Sob este aspecto, a Carta aos Hebreus dirá que a Cristo foi dado um ‘nome’, e por conseguinte um ministério de mediação, muito mais excelso que o dos anjos (cf. Hb 1,4).

2. O Antigo Testamento salienta sobretudo a especial participação dos anjos na celebração da glória que o Criador recebe como tributo de louvor da parte do mundo criado. São de modo especial os Salmos que se fazem intérpretes desta voz, quando, por exemplo, proclamam: “Louvai o Senhor, do alto dos céus, louvai’O nas alturas do firmamento, louvai’O, Vós todos os Seus anjos (S1148,1-2). E de modo idêntico o Salmo 102 (103): ‘Bendizei o Senhor, Vós todos os Seus anjos, que sois poderosos em força, que cumpris as Suas ordens, sempre dóceis à Sua palavra’ (SI 102/103,20). Este último versículo do Salmo 102 indica que os anjos tomam parte, do modo que lhes é próprio, no governo de Deus sobre a criação, como ‘poderosos’… que cumprem as suas ordens segundo o plano estabelecido pela Divina Providência. Em particular estão confiados aos anjos um cuidado especial e solicitude pelos homens, em nome dos quais apresentam a Deus os seus pedidos e as suas orações, como nos recorda, por exemplo, o Livro de Tobias (cf. especialmente Tb 3,17 e 12,12), enquanto o Salmo 90 proclama: ‘Mandou os Seus anjos… Eles te levarão nas suas mãos, para que não tropeces em pedra alguma’ (cf. Sl 90/91,11-12). Seguindo o Livro de Daniel pode-se afirmar que as tarefas dos anjos, como embaixadores do Deus vivo, abrangem não só os homens individualmente e aqueles que têm especiais tarefas, mas também nações inteiras (Dn 10,13-21).

3. O Novo Testamento põe em realce as tarefas dos anjos em relação à missão de Cristo como Messias, e primeiro que tudo em relação ao mistério da encarnação do Filho de Deus, como verificamos na descrição do anúncio do nascimento de João, o Batista (cf. Lc 1,11), na do próprio Cristo (cf. Lc 1,26), nas explicações e disposições dadas a Maria e a José (cf. Lc 1,30-37; Mt 1,20-21), nas indicações dadas aos pastores na noite do nascimento do Senhor (cf. Lc 2,9-15), na proteção ao recém´nascido perante o perigo da perseguição de Herodes (cf. Mt 2,13). Mais adiante os Evangelhos falam da presença dos anjos durante os 40 dias de jejum de Jesus no deserto (cf. Mt 4,11) e durante a oração no Getsêmani (Lc 22,43). Depois da ressurreição de Cristo será ainda um anjo, sob a aparência de um jovem, que dirá às mulheres que tinham ido ao sepulcro e ficaram surpreendidas por o encontrar vazio: “Não vos assusteis. Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado. Ressuscitou, não está aqui… Ide, pois, dizer aos seus discípulos…’ (Mc 16,5-7). Dois anjos foram vistos também por Maria Madalena, que é privilegiada com uma aparição pessoal de Jesus (Jo 20,12-17; cf. também Lc 24,4). Os anjos ‘apresentam-se’ aos apóstolos depois de Cristo desaparecer, para lhes dizer: ‘Homens da Galileia, por que estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus, que vos foi arrebatado para o Céu, virá da mesma maneira, como agora O vistes partir para o Céu’ (At 1,10-11). São os anjos da vida, da paixão e da glória de Cristo. Os anjos d´Aquele que, como escreve São Pedro, ‘subiu ao Céu, e está sentado à direita de Deus, depois de ter recebido a submissão dos anjos, dos principados e das potestades’ (1 Pd 3,22).

4. Se passamos à nova vinda de Cristo, isto é, à ‘Parusia’, encontramos que todos os sinóticos narram que ‘o Filho do Homem… virá na glória de Seu Pai, com os santos anjos’ (tanto Mc 8,38; como Mt 16,27; e Mt 25,31 na descrição do juízo final; e Lc 9,26; cf. também São Paulo, 2Ts 1,7). Pode-se portanto dizer que os anjos, como puros espíritos, não só participam, do modo que lhes é próprio, da santidade de Deus mesmo, mas nos momentos chaves rodeiam Cristo e acompanham-nO no cumprimento da Sua missão salvífica em relação aos homens. Igualmente ao longo dos séculos, também toda a Tradição e o magistério ordinário da Igreja atribuíram aos anjos este particular caráter e esta função de ministério messiânico.

4. A participação dos Anjos na História da Salvação Audiência do dia 6 de agosto de 1986 (Publicada no L’OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 10 de agosto de 1986.)

1. Nas recentes catequeses vimos como a Igreja, iluminada pela luz proveniente da Sagrada Escritura, professou ao longo dos séculos a
verdade sobre a existência dos anjos como seres puramente espirituais, criados por Deus. Fê-lo desde o principio com o símbolo niceno-constantinopolitano e confirmou-o no Concílio Lateranense IV (1215), cuja formulação é retomada pelo Concílio Vaticano I no contexto da doutrina sobre a criação: Deus ‘criou contemporaneamente do nada, desde o início dos tempos, uma criatura e a outra, a espiritual e a corpórea, isto é, a angélica e a terrena, e portanto criou a natureza como comum a ambas, sendo constituída de espírito e de corpo’ (Const. De fide cath. DS 3002). Ou seja: Deus criou desde o princípio ambas as realidades: a espiritual e a corporal, o mundo terreno e o mundo angélico. Tudo isto criou Ele ao mesmo tempo (simul) em ordem à criação do homem, constituído de espírito e de matéria e posto, segundo a narração bíblica, no quadro de um mundo ja estabelecido segundo as Suas leis e já medido pelo tempo (deinde).

2. A fé da Igreja reconhece a existência e ao mesmo tempo os traços distintivos da natureza dos anjos. O seu ser puramente espiritual implica antes de tudo a sua não-materialidade e a sua imortalidade. Os anjos não têm “corpo” (embora em determinadas circunstâncias se manifestem sob formas visíveis em virtude da sua missão a favor dos homens, e por conseguinte estão sujeitos à lei da corruptibilidade que é comum a todo o mundo material). O próprio Jesus, ao referir´se à condição angélica, dirá que na vida futura os ressuscitados “já não podem morrer; são semelhantes aos anjos” (Lc 20,36).

3. Enquanto criaturas de natureza espiritual, os anjos são dotados de intelecto e de vontade livre, como o homem, mas em grau superior ao dele, embora sempre finito, pelo limite que é inerente a todas as criaturas. Os anjos são pois seres pessoais e, como tais, também eles criados à “imagem e semelhança” de Deus. A Sagrada Escritura refere-se aos anjos usando também apelativos não só pessoais (como os nomes próprios de Rafael, Gabriel, Miguel), mas também ‘coletivos’ (como as classificações de: Serafins, Querubins, Tronos, Potestades, Dominações, Principados), assim como faz uma distinção entre Anjos e Arcanjos. Embora tendo em conta a linguagem analógica e representativa do texto sagrado, podemos deduzir que estes seres-pessoas, quase agrupados em sociedade, se subdividem em ordens e graus, correspondentes à medida da sua perfeição e às tarefas que lhes estão confiadas. Os autores antigos e a própria liturgia falam também dos coros angélicos (nove, segundo Dionisio, o Areopagita). A teologia, especialmente a patrística e medieval, não rejeitou estas representações, procurando, pelo contrario, dar uma explicação doutrinal e mística das mesmas, mas sem lhes atribuir um valor absoluto. São Tomas preferiu aprofundar as pesquisas sobre a condição ontológica, sobre a atividade cognoscitiva e volitiva e sobre a elevação espiritual destas criaturas puramente espirituais, pela sua dignidade na escala dos seres, porque nelas poderia aprofundar melhor as capacidades e as atividades próprias ao espírito no estado puro, haurindo não pouca luz para iluminar os problemas de fundo que desde sempre agitam e estimulam o pensamento humano: o conhecimento, o amor, a liberdade, a docilidade de Deus, a obtenção do Seu reino.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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