Carta sobre o Celibato – Parte 2

Ora, não duvido que o teu
bom senso começará agora aos poucos a perceber que a castidade perfeita é
virtude que se possa abraçar por quem quer que o queira, suposta a graça
divina, a qual por sua vez pode ser obtida por quem quer que a peça, e suposta
a prática dos meios necessários para tanto, como é a custódia dos sentimentos,
a fuga das diversões perigosas, do ócio, etc., e que por isso mesmo trata-se de
uma virtude que pode ser aconselhada a quem quer que seja capaz de ter a boa
vontade para tanto, assim como, desde que alguém possa retribuir com benefícios
os males recebidos, a qualquer pessoa pode-se aconselhar que faça esta
retribuição.

Mas tu me dirás ainda que
talvez eu não poderei bem aquelas palavras do Evangelho:

“Não todos entendem
esta palavra”.

Se tu duvidasses ainda que
eu não as tivesse ponderado bem, eu te devolveria a acusação tirando-lhe,
porém, o talvez. Certamente é verdade que “nem todos entendem esta
palavra”, isto é, que não são todos que abraçam a vida casta. E isto é
verdade não só porque o disse Cristo, mas porque é um fato que nos é ensinado
pela contínua experiência. Resta porém que se veja se “nem todos
entendem” porque “não o podem entender”, o que é o mesmo que
perguntar se todos não abraçam a vida casta porque “não podem” ou
porque “não querem”. Tu, arbitrariamente, quiseste subentender o
“não podem”, e é por isso que aquele texto do Evangelho te pareceu um
gravíssimo argumento; eu, porém, subentendo o “não querem”,
juntamente com Cornelio a Lápide, o qual traz uma fila de referências tiradas
dos Santos Padres para mostrar que todos assim o subentenderam. E, entendido o
texto evangélico neste sentido, o teu argumento não vale mais nada. Voltando à
comparação acima citada, nem todos retribuem com benefícios os males recebidos.
Mas por que? Talvez porque não poderiam? Não, certamente, mas sim porque não o
querem.

A ti porém parece uma
imprudência aconselhar a todos a castidade perfeita, e o pareceria também a mim
se se tratasse de aconselhá-la a todos em particular, isto é, a cada indivíduo
de um ou de outro sexo indistintamente, como me parece uma imprudência
aconselhar a qualquer um a quem se fizesse uma maldade que imediatamente
devolvesse o mal recebido com um benefício. Este conselho eu o daria apenas a
quem visse bem animado por sentimentos de uma viva caridade; e exortaria a
todos os outros a afastarem-se do ódio, e a benfazer ao inimigo desde que ele
se encontrasse num estado de verdadeira necessidade de benefício e em uma
situação tal em que fazê-lo se tivesse tornado uma exigência estrita da
caridade. Da mesma maneira, eu aconselharia a castidade perfeita apenas a
aqueles que soubesse possuírem boas disposições; e a todos os outros diria
simplesmente que se abstivessem do pecado, nem oporia uma palavra contra se
visse que quisessem tomar o estado de matrimônio. Eis, portanto, a quem
gostaria de aconselhá-lo, a todos aqueles jovens de um ou de outro sexo que demonstrassem
uma índole santa, regrada, que dessem boas esperanças de conseguir conservá-la.
Além do mais, aconselhando-a, gostaria que se fizessem para tanto orações
particulares para obter a luz de Deus sobre o que seria melhor para eles, e não
gostaria nunca que fizessem voto, sequer temporário, sem a aprovação de seus
diretores espirituais. Parece-te que assim fazendo eu pecaria por imprudência?

Mas os tempos, tu dizes, os
tempos são adversos. Não vês, dizes, coisa que nunca se viu em todos os
séculos, que em diversos lugares a lei está abolindo a profissão religiosa?

Lembra-te, porém, dos
primeiros séculos da Igreja. Estavam então em vigor leis que condenavam o
celibato diretamente em si mesmo, e os costumes dos gentios não podiam ser
melhores do que aqueles dos nossos cristão degenerados. Pelo que é claro que
naquela época estava-se pior, e que os tempos deviam ser adversos ainda mais do
que hoje o são. Isto não obstante, como foi observado, primeiro os Apóstolos,
depois os seus discípulos, e finalmente os primeiros Padres promoviam com
imenso zelo a perfeita continência. Isto quer dizer, portanto, que aqueles
santos homens não ficavam com medo dos tempos adversos.

Mas esta observação aos
tempos que fizeste de passagem é justamente a oportunidade que eu esperava para
poder terminar de te deixar persuadido que também tu tens que tomar ao peito os
interesses da mais bela entre as virtudes, de te tornares um ardoroso promotor
da mesma, quase um apóstolo. Aos tempos, aos tempos, tu me dizes. Vamos dar ainda
uma olhada nos tempos.

Os tempos precisam que se
ordene um maior número de sacerdotes, dos quais em todo lugar se percebe a
deficiência, já que por culpa dos tempos é muito maior o número daqueles que
anualmente morrem do que o número dos que anualmente são ordenados. E os tempos
precisam de um número maior de sacerdotes, para que os povos sejam melhor
cultivados com a pregação e com a administração dos Sacramentos; e têm também
uma particular necessidade de que se multipliquem os missionários apostólicos
nos países infiéis, onde pelas comunicações tão facilitadas seria agora tão
mais fácil do que antes estender a luz do Santo Evangelho.

Os tempos têm necessidade de
um grande número de irmãs de caridade, do Sagrado Coração, de São José, etc.,
etc., as quais hão de cultivar inumeráveis escolas, educandários, hospitais, e
também prisões e patíbulos; e que, além do mais, devem prestar ajuda aos
missionários que se afadigam na conversão dos gentios em todas as partes do
mundo.

Os tempos necessitam de
cristãos e cristãs fervorosos, que formem e mantenham em todo lugar boas
associações, as quais se possam opor às más que em todo o lugar se
estabeleceram e mais do que nunca prosperarem; que promovam em todo lugar as
obras de religião, de caridade, onde quer que hostilizadas pelo espírito
incrédulo e subversivo do século.

Colocarias em dúvida que os
tempos tenham todas estas necessidades? Mostrarias que não conheces em nada os
tempos, merecerias de ser chamado de homem de séculos passados, e contado entre
os mortos. Ora, bem, para todas estas necessidades não se requerem homens e
mulheres todos prontos e dispostos a viverem em celibato?

Para os sacerdotes seculares
e regulares, para as freiras dos múltiplos institutos religiosos tu não terás
dificuldades; mas talvez tu as tenhas para os seculares, parecendo-te que
também os casados possam fazer todo o bem que é feito pelos que vivem no
celibato. Entretanto, se tu o perguntasses a São Paulo, ele te responderia que
não; porque os casados “têm o coração
dividido” entre o espírito e a carne.
Ademais, mesmo deixando de parte no momento a sua autoridade, observa que coisa
nos ensina a grande mestra que é a experiência. Os jovens casados, falo em
geral, não me referindo às raras exceções, procuram colher o quanto podem as
flores da idade; os casados maduros, consolidar os interesses materiais da
família; os velhos não querem depor este hábito, e depois de terem gasto a vida
a serviço das paixões e do mundo, têm agora pouca inclinação e vigor para zelar
com muita eficácia pelos interesses da religião e da verdadeira caridade
cristã. Repito que não tenho a intenção de não citar, nem portanto de não
reconhecer, as raras exceções. Tal é o que nos ensina uma experiência diária,
invariável.

Se tu, portanto, não fechas
os olhos para não ver quanto nos continua ensinando esta mestra, deves
reconhecer que, geralmente falando, são os celibatários que levam uma vida
santa aqueles que se preocupam em formar e manter aqui e ali as boas
associações, e em promover as boas obras, gastando nelas os seus estudos, tempo
e dinheiro.

Isto é também um fato. E se
quiseres fazer um pouco de filosofia sobre o “coração dividido” de
que fala São Paulo, entenderás que a coisa não poderia ser diferente.

E agora não te parece que
andarias verdadeiramente errado se quisesses permanecer nas tuas dúvidas? Mas,
e a perseguição que moveria o mundo aos promotores da continência, não deve
também ser computada no cálculo? Eu imaginaria que estas palavras te teriam
saído da pena para o papel em um momento de distração. O que terias tu a temer
do mundo? Alguns risos, censuras, desaprovações, piadas e nada mais. Ou
ficarias com medo? Julgar-te-ia mal quem te supusesse dotado de uma alma tão
pequena. E ademais, se não quiseres ter nenhuma contradição, ou perseguição,
como quiseres chamá-la, cuida-te de não realizar jamais sequer uma sombra de
bem, porque de outra forma, mesmo evitando todos os demais bens, não evitarias
aquela perseguição, porque a quem quer que faça o bem o demônio procura.

Vamos portanto colocar um
fim às dúvidas e às objeções. Ouve, em vez disso, como eu suponho que deva ser
promovida a bela virtude nos nossos dias.

Em primeiro lugar os
pregadores devem mostrá-la ao povo em seu valor e seu mérito, para que não
permaneça virtude quase inculta e ignorada pela pia juventude de ambos os
sexos. Diria-se que certos pregadores trocam a virtude pelo vício, observando
para ela as palavras de São Paulo de que “nem se nomeie entre vós”,
que o Apóstolo havia, no entanto, reservado para o outro. Nunca, de fato, nunca
uma palavra sobre a virgindade, sobre o celibato. Assim não costumavam fazer os
primeiros pregadores da Igreja, e Santo Afonso de Ligório queria que cada
missão se concluísse com um discurso às jovens sobre a virgindade. Examina, a
este respeito, a “Selva de Matérias para Pregação”.

Em segundo lugar deveria-se
promover a comunhão frequente, ou melhor, a diária. Porque, além de se saber
pela fé que ela é o “trigo dos eleitos, e o vinho do qual germinam as virgens”, é demonstrado por uma
constante experiência que os jovens de um e de outro sexo, quando se dão a
frequentar muito a Santa Comunhão, encontram,-se, sem saber eles o porquê,
alheios a toda a intenção de matrimônio. O meio mais eficaz para buscar na
Santa Igreja virgens em grande número seria certamente promover na juventude a
frequência à mesa eucarística.

A esta frequência vai
infalivelmente unida uma marcada devoção a Maria Santíssima, que como rainha
das virgens quer ordinariamente tais os melhores de seus devotos.

Em terceiro lugar deveria-se
difundir aquelas obras que dão uma justa ideia da bela virtude, encorajam a
praticá-la, e ensinam o modo de custodiá-la com cautela. Entre estas obras
deveria ter lugar o discurso que Santo Afonso de Ligório coloca como exemplo no
livro acima citado. Talvez ele parecerá um pouco rígido a alguns delicados, mas
fará um melhor efeito. Nas obras de Santo Afonso não há nada que seja
“digno de censura”, conforme declaração oficial da Igreja. Não
censuremos, pois, nem sequer esta. Obras deste teor deveriam ser impressas em
edições bem econômicas que pudessem com facilidade ser dadas de presente.

Em quarto lugar deveriam ser
promovidas as pias uniões dos filhos e filhas de S. Maria Imaculada já
instituídas em vários lugares, nas quais não se inscrevem senão os jovens e as
jovens que se propõem viver em virgindade, e têm uma regra muito apropriada
para conseguir no século a perfeição cristã, e para ajudar no bem e na
santificação do próximo.

Em quinto lugar seria coisa
muito útil juntar três ou quatro pessoas de um e de outro sexo, separadamente,
os quais se empenhassem em erigir estas pias uniões onde não existissem, de
conservá-las onde existem, e de estendê-las a outros lugares, e, além disto,
conseguir algum subsídio para a impressão e difusão das obras acima indicadas.

Finalmente, porque todo bem
há de ser esperado de Deus, deveria animar-se as almas santas para que fizessem
para este fim orações particulares, e pedissem particularmente à Santíssima
Virgem que olhe benignamente e abençoe todas as tentativas que se fizerem para
por em maior honra, e fazer que venha abraçada e conservada por parte de muitas
almas a mais bela das virtudes, que uma santa chamou em êxtase de o Paraíso na
Terra.

Confio que, dissipadas
aquelas sombras de dificuldades que havia em tua mente, queiras fazer-te tu
também promotor e como que apóstolo desta virtude.

 

*José Frassinetti foi Prior
de Santa Sabina em Gênova; Irmão e Colaborador de Santa Paula Frassinetti na
fundação do Instituto de Santa Dorotéia; e Sacerdote, segundo breve de Pio IX
de 1863, “Spectatae Doctrinae et Virtutis”.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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