Carta do Santo Padre João Paulo II aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 1998 – Parte 2

« Deus enviou aos nossos
corações o Espírito que clama: Abbá! Pai » (Gal 4,6). « Todos aqueles que são movidos pelo
Espírito de Deus, são filhos de Deus (…). O próprio Espírito atesta em união com o nosso espírito que
somos filhos de Deus » (Rm 8,14.16). As palavras do apóstolo Paulo lembram-nos que o dom
fundamental do Espírito é a graça santificante (gratia gratum faciens), juntamente com a qual se
recebem as virtudes teologais – fé, esperança e caridade -, e todas as virtudes infusas (virtutes
infusae) que habilitam a agir sob o influxo do mesmo Espírito. Na alma iluminada pela graça
celestial, esta bagagem sobrenatural é completada pelos dons do Espírito Santo.

Ao contrário dos carismas,
que são concedidos a alguns para utilidade dos outros, os dons são oferecidos a todos, porque
se ordenam à santificação e ao aperfeiçoamento da pessoa.

Os seus nomes são
conhecidos. O profeta Isaías menciona-os, ao delinear a figura do futuro Messias: « Sobre ele
repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de
fortaleza, espírito de ciência e de temor do Senhor. Ele se inspirará no temor do Senhor » (11,2-3).
O número dos dons será, depois, elevado a sete na versão dos Setenta e da Vulgata, que
acrescentam a piedade, em vez da repetição no texto citado, do temor do Senhor.

Já S. Ireneu lembra o
Septenário e acrescenta: « O Senhor deu o mesmo Espírito à Igreja, […] enviando o Consolador sobre
a terra » (Adv. haereses III, 17, 3). S. Gregório Magno, por sua vez, ilustra a dinámica
sobrenatural suscitada na alma pelo Espírito, descrevendo os dons pela ordem inversa: « De facto, pelo
temor elevamo-nos à piedade, pela piedade à ciência, pela ciência alcançamos a fortaleza, pela
fortaleza o conselho, pelo conselho avançamos para o entendimento até à sabedoria; e, assim, pela
graça septiforme do Espírito, é-nos aberta, no fim da ascensão, a entrada na vida celestial »
(Homilias sobre Ezequiel, II, 7, 7).

Os dons do Espírito Santo –
comenta o Catecismo da Igreja Católica -, que são uma particular sensibilização da alma
humana e das suas faculdades à acção do Paráclito, « completam e levam à perfeição as virtudes de
quem os recebe. Tornam dóceis os fiéis na obediência às inspirações divinas» (n. 1831). Isto quer dizer
que a vida moral dos cristãos é sustentada por tais « disposições permanentes que tornam o
homem dócil aos impulsos do Espírito Santo » (ibid., n. 1830). Por eles, é levado à sua maturidade o
organismo sobrenatural que, pela graça, é constituído em cada homem.

De facto, os dons adaptam-se
admiravelmente às nossas disposições espirituais, aperfeiçoando-as e abrindo-as de modo
particular à acção do próprio Deus.

4. Influência dos dons do
Espírito no homem

Accende lumen sensibus

Infunde amorem cordibus

Infirma nostri corporis

Virtute firmans perpeti.

Acendei vossa luz em nossas
almas, infundi vosso amor em nossos
peitos; e a fraqueza da nossa carne, fortalecei-a com redobrada
força.

Por meio do Espírito, Deus
faz-Se mais íntimo à pessoa e penetra sempre mais no mundo humano: «Deus uno e trino, que «
existe » em Si mesmo como realidade transcendente de dom interpessoal, ao comunicar-Se no Espírito
Santo como dom ao homem, transforma o mundo humano a partir de dentro, a partir do interior
dos corações e das consciências » (Dominum et vivificantem, 59).

Na grande tradição
escolástica, esta verdade leva a privilegiar a acção do Espírito na vida humana
e a pôr em evidência a
iniciativa salvífica de Deus na vida moral: sem anular a nossa personalidade, nem privar-nos da liberdade,
Ele salva-nos para além de todos os nossos anseios e projectos. Os dons do Espírito Santo
entram nesta lógica, sendo « perfeições do homem que o dispõem a seguircom prontidão a moção divina
» (S. Tomás, Summa Theologiae I-II, q. 68, a. 2).

Com os sete dons, é dada ao
crente a possibilidade duma relação pessoal e íntima com o Pai, na liberdade própria dos filhos
de Deus. É o que sublinha S. Tomás, salientando como o Espírito Santo nos incite a agir, não com a
força, mas com o amor: « Os filhos de Deus – ele afirma – são movidos livremente pelo
Espírito Santo, por amor, não servilmente pelo temor » (Contra gentiles,

IV, 22). O Espírito torna os
actos do cristão deiformes, isto é, em sintonia com o modo de pensar, amar e agir divino, de forma
que o crente torna-se sinal onde se pode reconhecer a Santíssima Trindade no mundo.
Sustentado pela assistência do Paráclito, pela luz do Verbo, pelo amor do Pai, ele pode corajosamente
decidir-se a imitar a perfeição divina (cf. Mt 5,48).

 O Espírito intervém num
duplo âmbito de acção, como recordava o meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI: « O
primeiro campo é o da cada alma […], é o nosso eu: nesta cela profunda, a nós misteriosa,
da nossa existência, entra o sopro do Espírito Santo; difunde-se na alma por aquele primeiro e imenso
carisma que chamamos graça, que é como uma vida nova, habilitando-a, em seguida, a
realizar actos que superam a sua eficiência natural ». O segundo campo, « em que se propaga a
virtude do Pentecostes », é o « corpo visível da Igreja […]. Sem dúvida, « Spiritus ubi vult spirat »
(Jo 3,8); mas, na economia estabelecida por Cristo, o Espírito passa através do canal do
ministério apostólico ». É graças a este ministério que é dada aos sacerdotes a potestade de transmitir o
Espírito aos fiéis, « no anúncio autorizado e fidedigno da Palavra de Deus, na guia do Povo cristão e na
distribuição dos sacramentos (cf. 1 Cor 4,1), que são fontes da graça, ou seja, da acção
santificadora do Paráclito » (Homilia de Pentecostes, 25 de maio de 1969).

 5. Os dons do Espírito na
vida do sacerdote

 Hostem repellas longius

Pacemque dones protinus:

Ductore sic te praevio

Vitemos omne noxium.

O inimigo, afugentai-o bem
para longe; dai-nos a paz quanto antes; abrindo-nos caminho como
guia, venceremos todos os perigos.

O Espírito Santo restabelece
no coração humano a plena harmonia com Deus e, garantindo-lhe a vitória sobre o Maligno,
abre-o às dimensões universais do amor divino. Assim, faz passar o homem do amor de si próprio ao
amor da Trindade, introduzindo-o na experiência da liberdade interior e da paz e ajudando-o a fazer da
própria vida um dom. Deste modo, com o sacro Septenário, o Espírito guia o baptizado em direcção
à plena configuração com Cristo e à sintonia total com as perspectivas do Reino de Deus.

Se este é o caminho por onde
o Espírito impele suavemente cada baptizado, Ele não deixa de reservar uma especial
atenção aos que receberam a sagrada Ordem, para uma adequada realização do seu exigente ministério.
Assim, pelo dom da sabedoria, o Espírito leva o sacerdote a avaliar todas as coisas à luz do
Evangelho, ajudando-o a ler nos acontecimentos da sua vida e da Igreja o desígnio secreto e amoroso
do Pai; com o entendimento, dá-lhe uma penetração mais profunda da verdade revelada, levando-o
a proclamar convicta e vigorosamente o feliz anúncio da salvação; com o conselho, o Espírito
ilumina o ministro de Cristo, a fim de que saiba orientar a própria acção segundo a perspectiva da
Providência, sem deixar-se condicionar pelos juízos do mundo; com o dom da fortaleza, sustenta-o
no meio das dificuldades do ministério, infundindo-lhe a coragem (parresia) que necessita
para o anúncio do Evangelho (cf. Act 4,29.31); com o dom da ciência, prepara-o para compreender e
aceitar o encontro, por vezes misterioso, das causas segundas com a Causa primeira, nos
acontecimentos do mundo; com o dom da piedade, reanima a sua relação de comunhão íntima com Deus e
de abandono confiante na sua providência; enfim, com o temor de Deus, último na hierarquia
dos dons, o Espírito consolida no sacerdote a consciência da própria fragilidade humana e do
papel indispensável da graça divina, pois « nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus,
que dá o crescimento » (1 Cor 3,7).

6. O Espírito introduz na
vida trinitária

Per te sciamus da Patrem,

Noscamus atque Filium,

Teque utriusque Spiritum

Credamus omni tempore.

Que por Vós conheçamos o
Pai, conheçamos igualmente o
Filho, e em Vós, Espírito de ambos, creiamos todo o tempo.

Como é sugestivo imaginar
estas palavras na boca do sacerdote que, unido com os fiéis que estão confiados aos seus cuidados
pastorais, caminha ao encontro do seu Senhor! Anseia chegar com eles ao verdadeiro conhecimento
do Pai e do Filho, e passar assim da experiência « per speculum in aenigmate » (1 Cor 13,12) da
obra do Paráclito na história, à contemplação « facie ad faciem »

(ibid.) da Realidade
Trinitária viva e palpitante. Ele bem sabe que tem de enfrentar « uma longa travessia em pequenas barcas
», e elevar-se para o céu « servindo-se de pequenas asas » (Gregório de Nazianzeno, Poemas
teológicos, 1); mas sabe também que pode contar com Aquele que tem a missão de ensinar aos
discípulos todas as coisas (cf. Jo 14,26).

Tendo aprendido a decifrar
os sinais do amor de Deus na sua história pessoal, o sacerdote, à medida que se aproxima da hora do
encontro supremo com o Senhor, torna mais instante e ardente a sua oração, no desejo de se
conformar com fé amadurecida à vontade do Pai, do Filho e do Espírito.

O Paráclito, « escada da
nossa subida para Deus » (S. Ireneu, Adv. haereses, III, 24, 1), atrai-o ao Pai, pondo-lhe no coração o
ardente desejo de ver a sua face. Faz-lhe conhecer tudo o que diz respeito ao Filho,
atraindo-o para Ele com crescente ansiedade. Ilumina-o acerca do mistério da
sua mesma Pessoa, levando-o a
perceber a sua presença no próprio coração e na história.

Assim, por entre as alegrias
e as canseiras, os sofrimentos e as esperanças do ministério, o sacerdote

aprende a confiar na vitória
final do amor graças à perene acção do Paráclito que, apesar das limitações dos homens e das
instituições, leva a Igreja a viver em plenitude o mistério da unidade e da verdade. Por isso, ele sabe
que pode confiar no poder da Palavra de Deus, que supera toda a palavra humana, e na força
da graça, que vence os pecados e as falhas dos homens. Isto torna-o forte, apesar da fragilidade
humana, no momento da provação, e pronto a voltar de boa vontade ao Cenáculo, onde, perseverando
na oração com Maria e com os irmãos, pode reencontrar o entusiasmo necessário para
retomar o peso do serviço apostólico.

7. Prostrados na presença do
Espírito

Deo Patri sit gloria,

Et Filio, qui a mortuis

Surrexit, ac Paraclito,

In saeculorum saecula.

Amen.

A Deus Pai a glória, ao Filho que, depois de
morto, ressuscitou e ao Espírito Santo, pelos séculos eternos. Amen.

Ao meditarmos hoje,
Quinta-Feira Santa, o nascimento do nosso Sacerdócio, volta à memória de cada um o momento litúrgico
altamente sugestivo da prostração no chão, no dia da Ordenação presbiteral. Aquele gesto de
profunda humildade e submissa disponibilidade foi, certamente, oportuno para dispor o nosso
espírito para a imposição sacramental das mãos, mediante a qual o Espírito Santo entrou em nós
para realizar sua obra. Depois de nos levantarmos do chão, fomos ajoelhar aos pés do Bispo a
fim de sermos ordenados presbíteros e dele recebermos a unção das mãos para a celebração do
Santo Sacrifício, enquanto a assembleia cantava: « fonte viva, fogo, caridade e unção espiritual
».

Estes gestos simbólicos, que
indicam a presença e a acção do Espírito Santo, convidam-nos a retornar cada dia a esta
experiência, para se consolidar em nós os seus dons. De facto, é importante que Ele continue a agir em
nós, e que nós caminhemos sob a sua influência, mas, ainda mais, que seja Ele mesmo a agir por meio de
nós. Quando a tentação for insidiosa e as forças humanas vierem a faltar, é então que se deve
invocar o Espírito com mais ardor, para que corra em ajuda da nossa fraqueza e nos faça
prudentes e fortes como Deus quer. É preciso manter o coração constantemente aberto a esta acção, que
eleva e enobrece as forças do homem e lhe confere aquela profundidade espiritual, que introduz no
conhecimento e no amor do mistério inefável de Deus.

Caríssimos Irmãos no
sacerdócio! A solene invocação do Espírito Santo e o sugestivo gesto de humildade realizado durante
a Ordenação sacerdotal fizeram também ressoar na nossa vida o fiat da Anunciação. No silêncio de
Nazaré, Maria torna-se para sempre disponível à vontade do Senhor e, pela acção do Espírito
Santo, concebe Jesus Cristo, salvação do mundo. Esta obediência inicial percorre toda a sua
existência terrena e atinge o ápice aos pés da Cruz.

O sacerdote é chamado a
confrontar constantemente o seu fiat com o de Maria, deixando-se conduzir, como Ela, pelo Espírito.
A Virgem ampará-lo-á nas suas opções de pobreza evangélica, e fazê-lo-á disponível para
escutar humilde e sinceramente os seus irmãos, para individuar, nos seus dramas e aspirações, os «
gemidos do Espírito » (cf. Rm 8,26), torná-lo-á capaz de servir os irmãos com luminoso discernimento,
para os educar nos valores evangélicos; induzi-lo-á a buscar com solicitude « as coisas do
alto » (Col 3,1), para ser válida testemunha do primado de Deus.

A Virgem ajudá-lo-á a
acolher o dom da castidade como expressão dum amor maior, que o Espírito suscita a fim de gerar para
a vida divina uma multidão de irmãos. Ela conduzi-lo-á pelos caminhos da obediência evangélica, para
que se deixe guiar pelo Paráclito, sem olhar aos próprios projectos, na total adesão aos desígnios
de Deus.

Acompanhado por Maria, o
sacerdote saberá renovar todos os dias a sua consagração até quando, sob a guia do mesmo Espírito
invocado com confiança no itinerário humano e sacerdotal, entrar no oceano de luz da Trindade.

Pela intercessão de Maria,
Mãe dos sacerdotes, invoco sobre todos vós uma especial efusão do Espírito de amor.

Vinde, Espírito Santo! Vinde
tornar fecundo o nosso serviço a Deus e aos irmãos!

 Com renovado afecto e votos
de ampla consolação divina para o vosso ministério, de coração concedo a todos vós uma
especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 25 de Março,
Solenidade da Anunciação do Senhor de 1998, vigésimo ano de Pontificado.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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