Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (Parte 4)

Esta é uma verdade válida
para todo o gênero humano. O fato narrado no Evangelho de João pode
apresentar-se em inúmeras situações análogas em todas as épocas da história.
Uma mulher é deixada só, é exposta diante da opinião pública com « o seu pecado
», enquanto por detrás deste « seu » pecado se esconde um homem como pecador,
culpado pelo « pecado do outro », antes, co-responsável do mesmo. E, no
entanto, o seu pecado escapa à atenção, passa sob silêncio: aparece como não
responsável pelo « pecado do outro »! Às vezes ele passa a ser até acusador,
como no caso descrito, esquecido do próprio pecado. Quantas vezes, de modo
semelhante, a mulher paga pelo próprio pecado (pode acontecer que seja ela, em
certos casos, a culpada pelo pecado do homem como « pecado do outro »), mas
paga ela só e paga sozinha! Quantas vezes ela fica abandonada na sua
maternidade, quando o homem, pai da criança, não quer aceitar a sua
responsabilidade? E ao lado das numerosas « mães solteiras » das nossas
sociedades, é preciso tomar em consideração também todas aquelas que, muitas
vezes, sofrendo diversas pressões, inclusive da parte do homem culpado, « se
livram » da criança antes do seu nascimento. « Livram-se »: mas a que preço? A
opinião pública de hoje tenta, de várias maneiras, « anular » o mal deste
pecado; normalmente, porém, a consciência da mulher não consegue esquecer que
tirou a vida do próprio filho, porque não consegue apagar a disponibilidade a
acolher a vida, inscrita no seu « ethos » desde o « princípio ».

É significativo o
comportamento de Jesus no fato descrito no Evangelho de João 8, 3-11. Talvez em
poucos momentos como neste se manifesta o seu poder – o poder da verdade – a
respeito das consciências humanas. Jesus está tranquilo, recolhido, pensativo. A
sua consciência, aqui como no colóquio com os Fariseus (cf. Mt 19, 3-9), não
estará talvez em contato com o mistério do « princípio », quando o homem foi
criado homem e mulher, e a mulher foi confiada ao homem com a sua diversidade
feminina, e também com a sua potencial maternidade? Também o homem foi confiado
pelo Criador à mulher. Foram reciprocamente confiados um ao outro como pessoas
feitas à imagem e semelhança do próprio Deus. Nesse ato de confiança está a
medida do amor, do amor esponsal: para tornar-se « um dom sincero » um para o
outro, é preciso que cada um dos dois se sinta responsável pelo dom. Esta
medida destina-se aos dois – homem e mulher – desde o « princípio ». Após o
pecado original, forças opostas operam no homem e na mulher, por causa da
tríplice concupiscência, « fonte do pecado ». Essas forças agem no interior do
homem. Por isso Jesus dirá no Sermão da montanha: « todo aquele que olhar para
uma mulher com mau desejo, já com ela cometeu adultério no seu coração » (Mt 5,
28). Estas palavras, dirigidas diretamente ao homem, mostram a verdade
fundamental da sua responsabilidade em relação à mulher: pela sua dignidade,
pela sua maternidade, pela sua vocação. Mas, indiretamente, elas se referem
também à mulher. Cristo fazia tudo o que estava ao seu alcance para que – no
âmbito dos costumes e das relações sociais daquele tempo – as mulheres
reconhecessem no seu ensinamento e no seu agir a subjetividade e dignidade que
lhes são próprias. Tendo por base a eterna « unidade dos dois », esta dignidade
depende diretamente da própria mulher, como sujeito responsável por si, e é ao
mesmo tempo « dada como responsabililade » ao homem. Coerentemente Cristo apela
para a responsabilidade do homem. Na presente meditação sobre a dignidade e a
vocação da mulher, hoje, é preciso referir-se necessariamente à impostação que
encontramos no Evangelho. A dignidade da mulher e a sua vocação – como, de
resto, a do homem – encontram a sua vertente eterna no coração de Deus e, nas
condições temporais da existência humana, estão estreitamente conexas com a «
unidade dos dois ». Por isso, cada homem deve olhar para dentro de si e ver se
aquela que lhe é confiada como irmã na mesma humanidade, como esposa, não se
tenha tornado objeto de adultério no seu coração; se aquela que, sob diversos
aspectos, é o co-sujeito da sua existência no mundo, não se tenha tornado para
ele « objeto »: objeto de prazer, de exploração.

Custódias da mensagem
evangélica

15. O modo de agir de
Cristo, o Evangelho de suas obras e palavras é um protesto coerente contra tudo
quanto ofende a dignidade da mulher. Por isso, as mulheres que se encontram
perto de Cristo reconhecem-se a si mesmas na verdade que ele « ensina » e que
ele « faz », também quando esta verdade versa sobre a « pecaminosidade » delas.
Sentem-se « libertadas » por esta verdade, restituídas a si mesmas: sentem-se
amadas de « amor eterno », por um amor que encontra direta expressão no próprio
Cristo. No raio da ação de Cristo, a posição social delas se transforma. Sentem
que Jesus lhes fala de questões sobre as quais, naquele tempo, não se discutia
com uma mulher. O exemplo, em certo sentido, mais significativo a este respeito
é o da Samaritana, junto ao poço de Siquém. Jesus – que sabe que é pecadora e
disto lhe fala – conversa com ela sobre os mistérios mais profundos de Deus.
Fala-lhe do dom infinito do amor de Deus, que é como uma « fonte de água que
jorra para a vida eterna » (Jo 4, 14). Fala-lhe de Deus que é Espírito e da
verdadeira adoração que o Pai tem direito de receber em espírito e verdade (cf.
Jo 4, 24). Revela-lhe, enfim, ser ele o Messias prometido a Israel (cf. Jo 4,
26).

Este é um evento sem
precedentes: essa mulher, e além do mais « mulher-pecadora », torna-se «
discípula » de Cristo; mais ainda, uma vez instruída, anuncia Cristo aos
habitantes da Samaria, de modo que também eles o acolhem com fé (cf. Jo 4,
39-42). Um evento sem precedentes, se se tem presente o modo comum de tratar as
mulheres, próprio de quantos ensinavam em Israel, enquanto no modo de agir de
Jesus de Nazaré, tal evento se faz normal. A este propósito, merecem uma
recordação particular também as irmãs de Lázaro: a Jesus amava Marta, Maria,
irmã dela e Lázaro » (cf. Jo 11, 5). Maria « escutava a palavra » de Jesus.
Quando vai visitá-los em casa, ele mesmo define o comportamento de Maria como «
a melhor parte » em relação à preocupação de Marta com os afazeres domésticos
(cf. Lc 10, 38-42). Noutra ocasião, também Marta – depois da morte de Lázaro –
se torna interlocutora de Cristo e o colóquio se refere às mais profundas
verdades da revelação e da fé. « Senhor, se estivesses aqui, não teria morrido
meu irmão » – « Teu irmão ressuscitará » – « Sei que há de ressuscitar no
último dia ». Disse-lhe Jesus: « Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê
em mim, ainda que venha a morrer, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim
não morrerá jamais. Crês nisto? » – « Sim, Senhor, creio que és o Cristo, o
Filho de Deus, que deve vir ao mundo » (Jo 11, 21-27). Depois desta profissão
de fé, Jesus ressuscita Lázaro. Também o colóquio com Marta é um dos mais
importantes do Evangelho.

Cristo fala com as mulheres
sobre as coisas de Deus, e elas compreendem-nas: uma autêntica ressonância da
mente e do coração, uma resposta de fé. E por esta resposta marcadamente «
feminina » Jesus exprime apreço e admiração, como no caso da mulher cananéia
(cf. Mt 15, 28). Por vezes, Ele propõe como exemplo essa fé viva, permeada de
amor: ensina, portanto, tomando como ponto de referência essa resposta feminina
da mente e do coração. Assim acontece no caso da mulher « pecadora », cujo modo
de agir, na casa do fariseu, é tomado por Jesus como ponto de partida para
explicar a verdade sobre a remissão dos pecados: « são perdoados os seus muitos
pecados visto que muito amou. Mas aquele a quem pouco se perdoa pouco ama » (Lc
7, 47). Por ocasião de outra unção, Jesus toma a defesa, diante dos discípulos
e particularmente diante de Judas, da mulher e da sua ação: « por que molestais
esta mulher? Foi por certo uma boa obra que ela praticou comigo (…). Ao derramar
este unguento perfumado sobre o meu corpo, fê-lo para preparar-me para a
sepultura. Em verdade vos digo que em todo o mundo, onde quer que seja pregada
esta boa-nova, também o que ela fez será dito para seu louvor » (Mt 26, 6-13).

Na realidade, os Evangelhos
não só descrevem o que fez aquela mulher em Betânia, na casa de Simão o
leproso, mas colocam também em destaque como, no momento da prova definitiva e
determinante para toda a missão messiânica de Jesus de Nazaré, aos pés da Cruz
se encontram, primeiras entre todos, as mulheres. Dos apóstolos, somente João
permaneceu fiel. As mulheres, ao invés, são muitas. Estavam presentes não só a
Mãe de Cristo e a « irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena
» (Jo 19, 25), mas « muitas mulheres que observavam de longe: isto é, aquelas
que tinham seguido a Jesus desde a Galiléia, prestando-lhe assistência » (Mt
27, 55). Como se vê, naquela que foi a mais dura prova da fé e da fidelidade,
as mulheres demonstraram-se mais fortes que os apóstolos: nesses momentos de
perigo, aquelas que « amam muito » conseguem vencer o medo. Antes, havia as
mulheres na via dolorosa, « que batiam no peito e se lamentavam por ele » (Lc
23, 27). Antes ainda, havia a mulher de Pilatos que advertira o marido: « Não te
encarregues desse justo, pois que hoje padeci muito em sonhos por causa dele »
(Mt 27, 19).

Primeiras testemunhas de
Ressurreição

16. Desde o início da missão
de Cristo, a mulher demonstra para com Ele e seu mistério uma sensibilidade
especial que corresponde a uma característica da sua feminilidade. É preciso
dizer, além do mais, que uma confirmação particular disso se verifica em
relação ao mistério pascal, não só no momento da Cruz, mas também na manhã da
Ressurreição. As mulheres são as primeiras junto à sepultura. São as primeiras
a encontrá-la vazia. São as primeiras a ouvir: « não está aqui, porque
ressuscitou, como tinha dito » (Mt 28, 6). São as primeiras a abraçar-lhe os
pés (cf. Mt 28, 9). São também as primeiras a serem chamadas a anunciar esta
verdade aos apóstolos (cf. Mt 28, 1-10; Lc 24, 8-11). O Evangelho de João (cf.
também Mc 16, 9) coloca em destaque a função particular de Maria Madalena. É a
primeira a encontrar o Cristo ressuscitado.

De início, supõe tratar-se
do jardineiro; reconhece-o só quando ele a chama pelo nome: «”Maria!”
diz-lhe Jesus. Ela, voltando-se, exclama em hebraico: «Rabbuni!”, que quer
dizer “Mestre!” Diz-lhe Jesus: “não me retenhas, porque ainda
não subi para o Pai; mas vai ter com meus irmãos e diz-lhes que vou subir para
meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. E Maria Madalena foi logo
anunciar aos discípulos: “Vi o Senhor” e também o que lhe tinhafalado
» (Jo 20, 16-18).

Por isso ela é chamada
também « a apóstola dos apóstolos » (38) Maria Madalena foi a testemunha ocular
do Cristo ressuscitado antes dos apóstolos e, por essa razão, foi também a
primeira a dar-lhe testemunho diante dos apóstolos. Este acontecimento, em
certo sentido, coroa tudo o que foi dito em precedência sobre o ato de Cristo
de confiar as verdades divinas às mulheres, de igual maneira que aos homens.
Pode-se dizer que assim se cumpriram as palavras do Profeta: « Derramarei o meu
espírito sobre todo homem, e tornar-se-ão profetas os vossos filhos e as vossas
filhas » (J1 3, 1). Cinquenta dias depois da ressurreição de Cristo, estas
palavras confirmam-se mais uma vez no cenáculo de Jerusalém, durante a vinda do
Espírito Santo, o Paráclito (cf. At 2, 17).

Tudo o que se disse até aqui
sobre o comportamento de Cristo em relação às mulheres confirma e esclarece, no
Espírito Santo, a verdade sobre a igualdade dos dois – homem e mulher. Deve-se
falar de uma « paridade » essencial: dado que os dois – a mulher e o homem –
são criados à imagem e semelhança de Deus, ambos são em igual medida
susceptíveis de receber a dádiva da verdade divina e do amor no Espírito Santo.
Um e outro acolhem as suas « visitas » salvíficas e santificantes.

O fato de ser homem ou
mulher não comporta aqui nenhuma limitação, como não limita em absoluto a ação
salvífica e santificante do Espírito no homem o fato de ser judeu ou grego,
escravo ou livre, segundo as palavras bem conhecidas do apóstolo: « todos vós
sois um só em Cristo
Jesus » (Gál 3, 28). Esta unidade não anula a diversidade. O
Espírito Santo, que opera essa unidade na ordem sobrenatural da graça
santificante, contribui em igual medida para o fato que se « tornem profetas os
vossos filhos » e que se tornem profetas « as vossas filhas ». « Profetizar »
significa exprimir com a palavra e com a vida « as grandes obras de Deus » (cf.
At 2, 11), conservando a verdade e a originalidade de cada pessoa, seja homem
ou mulher. A « igualdade » evangélica, a « paridade » da mulher e do homem no
que se refere às « grandes obras de Deus », tal como se manifestou de modo tão
límpido nas obras e nas palavras de Jesus de Nazaré, constitui a base mais
evidente da dignidade e da vocação da mulher na Igreja e no mundo. Toda vocação
tem um sentido profundamente pessoal e profético. Na vocação assim entendida, a
personalidade da mulher atinge uma nova medida: a medida das « grandes obras de
Deus », das quais a mulher se torna sujeito vivo e testemunha insubstituível.

VI. MATERNIDADE – VIRGINDADE

Duas dimensões da vocação da
mulher

17. Devemos agora dirigir a
nossa meditação para a virgindade e a maternidade, duas dimensões particulares
na realização da personalidade feminina. A luz do Evangelho, elas adquirem a
plenitude do seu sentido e valor em Maria, que como Virgem se tornou Mãe do
filho de Deus. Estas duas dimensões da vocação feminina encontraram-se nela e
conjugaram-se de modo tão excepcional que, sem se excluírem, se completaram
admiravelmente. A descrição da Anunciação no Evangelho de Lucas indica
claramente que isso parecia impossível à Virgem de Nazaré. Quando ela ouve as
palavras: « Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de
Jesus », ela logo pergunta: « Como se realizará isso, pois eu não conheço
homem? » (Lc 1, 31. 34). Na ordem comum das coisas, a maternidade é fruto do «
conhecimento » recíproco do homem e da mulher na união matrimonial. Maria,
firme no propósito da própria virgindade, pergunta ao mensageiro divino, e dele
obtém a explicação: « Virá sobre ti o Espírito Santo »; a tua maternidade não
será consequência de um « conhecimento » matrimonial, mas será obra do Espírito
Santo, e a « potência do Altíssimo » estenderá a sua « sombra » sobre o
mistério da concepção e do nascimento do Filho. Como Filho do Altíssimo, ele te
é dado exclusivamente por Deus, do modo conhecido por Deus. Maria, portanto,
manteve o seu virginal « não conheço homem » (cf. Lc 1, 34) e, ao mesmo tempo,
se tornou Mãe. A virgindade e a maternidade coexistem nela: não se excluem, nem
se limitam reciprocamente. Antes, a pessoa da Mãe de Deus ajuda todos –
especialmente todas as mulheres – a perceberem de que modo estas duas dimensões
e estes dois caminhos da vocação da mulher, como pessoa, se desdobram e se
completam reciprocamente.

Maternidade

18. Para participar deste «
perceber » é preciso mais uma vez aprofundar a verdade sobre a pessoa humana,
recordada pelo Concílio Vaticano II. O homem – tanto o homem como a mulher – é
a única criatura na terra que Deus quis por si mesma: é uma pessoa, é um
sujeito que decide por si. Ao mesmo tempo, o homem « não pode se encontrar
plenamente senão por um dom sincero de si mesmo ». (39) Já foi dito que esta
descrição, aliás, em certo sentido, esta definição da pessoa corresponde à
verdade bíblica fundamental sobre a criação do homem – homem e mulher – à
imagem e semelhança de Deus. Esta não é uma interpretação puramente teórica, ou
uma definição abstrata, pois ela indica essencialmente o sentido do ser humano,
salientando o valor do dom de si, da pessoa. Nesta visão da pessoa inclui-se
também a essência do « ethos » que, em ligação com a verdade da criação, será
desenvolvido plenamente pelos Livros da Revelação e, particularmente, pelos
Evangelhos.

Essa verdade sobre a pessoa
abre, além disso, o caminho para uma plena compreensão da maternidade da
mulher. A maternidade é fruto da união matrimonial entre um homem e uma mulher,
do « conhecimento » bíblico que corresponde à « união dos dois numa só carne »
(cf. Gên 2, 24) e, deste modo, ela realiza – por parte da mulher – um especial
« dom de si mesma » como expressão do amor conjugal, pelo qual os esposos se
unem entre si de modo tão íntimo que constituem « uma só carne ». O «
conhecimento » bíblico realiza-se segundo a verdade da pessoa só quando o dom
recíproco de si não é deformado nem pelo desejo do homem de tornar-se « senhor
» da sua esposa (« ele te dominará »), nem pelo fechar-se da mulher nos
próprios instintos (« sentir-te-ás atraída para o teu marido »: Gên 3, 16).

O dom recíproco da pessoa no
matrimônio abre-se para o dom de uma nova vida, de um novo homem, que é também
pessoa à semelhança de seus pais. A maternidade implica desde o início uma
abertura especial para a nova pessoa: e precisamente esta é a « parte » da
mulher. Nessa abertura, ao conceber e dar à luz o filho, a mulher « se encontra
por um dom sincero de si mesma ». O dom da disponibilidade interior para
aceitar e dar ao mundo o filho está ligado à união matrimonial, que – como foi
dito – deveria constituir um momento particular do dom recíproco de si por
parte tanto do homem como da mulher. A concepcão e o nascimento do novo homem, segundo
a Bíblia, são acompanhados das seguintes palavras da mulher-genetriz: « Adquiri
um homem com o favor de Deus » (Gên 4, 1). A exclamação de Eva, « mãe de todos
os viventes », repete-se toda vez que vem ao mundo um novo homem e exprime a
alegria e a consciência da mulher na participação do grande mistério do eterno
gerar. Os esposos participam do poder criador de Deus!

A maternidade da mulher, no
período entre a concepção e o nascimento da criança, passa por um processo
biofisiológico e psíquico que hoje é melhor conhecido do que no passado, e é
objeto de muitos estudos aprofundados. A análise científica confirma plenamente
o fato de que a constituição física da mulher e o seu organismo comportam em si
a disposição natural para a maternidade, para a concepção, para a gestação e
para o parto da criança, em consequência da união matrimonial com o homem. Ao
mesmo tempo, tudo isso corresponde também à estrutura psicofísica da mulher.
Tudo quanto os diversos ramos da ciência dizem sobre este assunto é importante
e útil, conquanto não se limitem a uma interpretação eclusivamente
biofisiológica da mulher e da maternidade. Uma tal imagem « reduzida » andaria
de par com a concepção materialista do homem e do mundo. Nesse caso, ficaria
infelizmente perdido o que é verdadeiramente essencial: a maternidade, como
fato e fenômeno humanos, explica-se plenamente tendo por base a verdade sobre a
pessoa. A maternidade está ligada com a estrutura pessoal do ser mulher e com a
dimensão pessoal do dom: « Adquiri um homem com o favor de Deus » (Gên 4, 1). O
Criador concede aos pais o dom do filho. Por parte da mulher, este fato está
ligado especialmente ao « dom sincero de si mesma ». As palavras de Maria na
Anunciação: « Faça-se em mim segundo a tua palavra », significam a disponibilidade
da mulher ao dom de si e ao acolhimento da nova vida.

Na maternidade da mulher,
unida à paternidade do homem, reflete-se o mistério eterno do gerar que é
próprio de Deus, de Deus uno e trino (cf. Ef 3, 14-15). O gerar humano é comum
ao homem e à mulher. E se a mulher, guiada por amor ao marido, disser: « dei-te
um filho », as suas palavras ao mesmo tempo significam: « este é nosso filho ».
Contudo, ainda que os dois juntos sejam pais do seu filho, a maternidade da
mulher constitui uma « parte » especial deste comum ser genitores, aliás a
parte mais empenhativa. O ser genitores – ainda que seja comum aos dois –
realiza-se muito mais na mulher, especialmente no período pré-natal. É sobre a
mulher que recai diretamente o « peso » deste comum gerar, que absorve
literalmente as energias do seu corpo e da sua alma. É preciso, portanto, que o
homem seja plenamente consciente de que contrai, neste seu comum ser genitores,
um débito especial para com a mulher. Nenhum programa de « paridade de direitos
» das mulheres e dos homens é válido, se não se tem presente isto de um modo
todo essencial.

A maternidade comporta uma
comunhão especial com o mistério da vida, que amadurece no seio da mulher: a
mãe admira este mistério, com intuição singular « compreende » o que se vai
formando dentro de si. A luz do « princípio », a mãe aceita e ama o filho que
traz no seio como uma pessoa. Este modo único de contato com o novo homem que
se está formando cria, por sua vez, uma atitude tal para com o homem – não só
para com o próprio filho, mas para com o homem em geral – que caracteriza
profundamente toda a personalidade da mulher. Considera-se comumente que a
mulher, mais do que o homem, seja capaz de atenção à pessoa concreta, e que a
maternidade desenvolva ainda mais esta disposição. O homem – mesmo com toda a
sua participação no ser pai – encontra-se sempre « fora » do processo da
gestação e do nascimento da criança e deve, sob tantos aspectos, aprender da
mãe a sua própria « paternidade ». Isto – pode-se dizer – faz parte do
dinamismo humano normal do ser genitores, também quando se trata das etapas
sucessivas ao nascimento da criança, especialmente no primeiro período. A
educação do filho, globalmente entendida, deveria conter em si a dúplice
contribuição dos pais: a contribuição materna e paterna. Todavia, a materna é
decisiva para as bases de uma nova personalidade humana.

A maternidade em relação à
Aliança

19. Volta às nossas
reflexões o paradigma bíblico da « mulher », tirado do Proto-Evangelho. A «
mulher », como genetriz e como primeira educadora do homem (a educação é a
dimensão espiritual do ser pais), possui uma precedência específica sobre o
homem. Se, por um lado, a sua maternidade (antes de tudo no sentido biofísico)
depende do homem, por outro, ela imprime uma « marca » essencial em todo o
processo do fazer crescer como pessoa os novos filhos e filhas da estirpe
humana. A maternidade da mulher em sentido biofísico manifesta uma aparente
passividade: o processo de formação de uma nova vida « produz-se » nela, no seu
organismo; todavia, produz-se, envolvendo-o em profundidade. Ao
mesmo tempo, a maternidade, no sentido pessoal-ético, exprime uma criatividade
muito importante da mulher, da qual depende principalmente a própria humanidade
do novo ser humano. Também neste sentido a maternidade da mulher manifesta uma
chamada e um desafio especiais, que se dirigem ao homem e à sua paternidade.

O paradigma bíblico da «
mulher » culmina na maternidade da Mãe de Deus. As palavras do Proto-Evangelho:
« Porei inimizade entre ti e a mulher », encontram aqui uma nova confirmação.
Eis que Deus, na pessoa dela, no seu « fiat » materno (« Faça-se em mim »), dá
início a uma Nova Aliança com a humanidade. Esta é a Aliança eterna e
definitiva em Cristo, no seu corpo e sangue, na sua cruz e ressurreição.
Precisamente porque esta Aliança deve realizar- se « na carne e no sangue », é
que o seu início se dá na Genetriz. O « Filho do Altíssimo », somente graças a
ela e ao seu « fiat » virginal e materno, pode dizer ao Pai: « formaste-me um
corpo. Eis-me aqui para fazer, ó Deus, a tua vontade » (cf. Hebr 10, 5. 7).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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