Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (Parte 3)

Essas mesmas palavras se
referem diretamente ao matrimônio, mas indiretamente abrangem os diversos
campos da convivência social: as situações em que a mulher permanece em
desvantagem ou é discriminada pelo fato de ser mulher. A verdade revelada sobre
a criação do homem como homem e mulher constitui o principal argumento contra
todas as situações que, sendo objetivamente prejudiciais, isto é injustas,
contêm e exprimem a herança do pecado que todos os seres humanos trazem em si. Os Livros da
Sagrada Escritura confirmam em vários pontos a existência efetiva de tais
situações e juntamente proclamam a necessidade de converter-se, isto é, de
purificar-se do mal e de libertar-se do pecado: de tudo aquilo que ofende o
outro, que « diminui » o homem, não só aquele a quem se ofende, mas também aquele
que comete a ofensa. Essa é a mensagem imutável da Palavra revelada de Deus.
Nisso se exprime o « ethos » bíblico até o fim. (33)

Nos nossos dias a questão
dos « direitos da mulher » tem adquirido um novo significado no amplo contexto
dos direitos da pessoa humana. Iluminando este programa, constantemente
declarado e de várias maneiras recordado, a mensagem bíblica e evangélica
guarda a verdade sobre a « unidade » dos « dois », isto é, sobre a dignidade e
a vocação que resultam da diversidade específica e originalidade pessoal do
homem e da mulher. Por isso, também a justa oposição da mulher face àquilo que
exprimem as palavras bíblicas: « ele te dominará » (Gên 3, 16) não pode sob
pretexto algum conduzir à « masculinização » das mulheres. A mulher-em nome da
libertação do « domínio » do homem-não pode tender à apropriação das
características masculinas, contra a sua própria « originalidade » feminina.
Existe o temor fundado de que por este caminho a mulher não se « realizará »,
mas poderia, ao invés, deformar e perder aquilo que constitui a sua riqueza
essencial. Trata-se de uma riqueza imensa. Na descrição bíblica, a exclamação
do primeiro homem à vista da mulher criada é uma exclamação de admiração e de
encanto, que atravessa toda a história do homem sobre a terra.

Os recursos pessoais da
feminilidade certamente não são menores que os recursos da masculinidade, mas
são diversos. A mulher, portanto, – como, de resto, também o homem – deve
entender a sua « realização » como pessoa, a sua dignidade e vocação, em função
destes recursos, segundo a riqueza da feminilidade, que ela recebeu no dia da
criação e que herda como expressão, que lhe é peculiar, da « imagem e
semelhança de Deus ». Somente por este caminho pode ser superada também aquela
herança do pecado que é sugerida nas palavras da Bíblia: « sentir-te-ás atraída
para o teu marido, e ele te dominará ». A superação desta má herança é, de
geração em geração, dever de todo homem, seja homem, seja mulher. Efetivamente,
em todos os casos em que o homem é responsável de quanto ofende a dignidade
pessoal e a vocação da mulher, ele age contra a própria dignidade pessoal e a
própria vocação.

Proto-Evangelho

11. O Livro do Gênesis
atesta o pecado, que é o mal do « princípio » do homem, as suas consequências
que desde então pesam sobre todo o gênero humano, e juntamente contém o
primeiro anúncio da vitória sobre o mal, sobre o pecado. Provam-no as palavras
que lemos em Gênesis 3, 15, habitualmente ditas « Proto-Evangelho »: « Porei
inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a dela; esta te
esmagará a cabeça enquanto tu te lanças contra o seu calcanhar ». É
significativo que o anúncio do redentor, do salvador do mundo, contido nestas
palavras, se refira à « mulher ». Esta é nomeada em primeiro lugar no
Proto-Evangelho como progenitora daquele que será o redentor do homem. (34) E
se a redenção deve realizar-se mediante a luta contra o mal, por meio da «
inimizade » entre a estirpe da mulher e a estirpe daquele que, como « pai da
mentira » (Jo 8, 44), é o primeiro autor do pecado na história do homem, esta
será também a inimizade entre ele e a mulher.

Nessas palavras desvela-se a
perspectiva de toda a Revelação, primeiro como preparação ao Evangelho e depois
como próprio Evangelho. Nesta perspectiva convergem, sob o nome da mulher, as
duas figuras femininas: Eva e Maria.

As palavras do
Proto-Evangelho, relidas à luz do Novo Testamento, exprimem adequadamente a
missão da mulher na luta salvífica do redentor contra o autor do mal na
história do homem.

O confronto Eva-Maria
retorna constantemente no curso da reflexão sobre o depósito da fé recebida da
Revelação divina, e é um dos temas retomados frequentemente pelos Padres, pelos
escritores eclesiásticos e pelos teólogos. (35) Habitualmente, nesta comparação
surge à primeira vista uma diferença, uma contraposição. Eva, como « mãe de
todos os viventes » (Gên 3, 20), é testemunha do « princípio » bíblico, no qual
estão contidas a verdade sobre a criação do homem à imagem e semelhança de Deus
e a verdade sobre o pecado original. Maria é testemunha do novo « princípio » e
da « nova criatura » (cf. 2 Cor 5, 17). Melhor, ela mesma, como a primeira
redimida na história da salvação, é « nova criatura »: é a « cheia de graça ».
É difícil compreender porque as palavras do Proto-Evangelho realcem tão
fortemente a « mulher », se não se admite que com ela se inicia a nova e
definitiva Aliança de Deus com a humanidade, a Aliança no sangue redentor de
Cristo. Essa Aliança inicia-se com uma mulher, a « mulher », na Anunciação em Nazaré. Esta é a
novidade absoluta do Evangelho: outras vezes no Antigo Testamento, Deus, para
intervir na história do seu Povo, se tinha dirigido a mulheres, como a mãe de
Samuel e de Sansão; mas para estipular a sua Aliança com a humanidade se tinha dirigido
somente a homens: Noé, Abraão, Moisés. No início da Nova Aliança, que deve ser
eterna e irrevogável, está a mulher: a Virgem de Nazaré. Trata-se de um sinal
indicativo de que « em
Jesus Cristo » « não há homem nem mulher » (Gál 3, 28). Nele
a contraposição recíproca entre homem e mulher – como herança do pecado
original – é essencialmente superada. « Todos vós sois um só em Cristo Jesus »,
escreverá o Apóstolo (Gál 3, 28).

Estas palavras tratam da
originária « unidade dos dois », que está ligada à criação do homem, como homem
e mulher, à imagem e semelhança de Deus, segundo o modelo da comunhão
perfeitíssima de Pessoas que é o próprio Deus. As palavras paulinas constatam
que o mistério da redenção do homem em Jesus Cristo, filho de Maria, retoma e renova
aquilo que no mistério da criação correspondia ao desígnio eterno de Deus
Criador. Precisamente por isso, no dia da criação do homem como homem e mulher,
« Deus contemplou tudo o que tinha feito, e eis que estava tudo muito bem »
(Gen 1, 31). A redenção restitui, em certo sentido, à sua própria raiz o bem
que foi essencialmente « diminuído » pelo pecado e pela sua herança na história
do homem.

A « mulher » do
Proto-Evangelho é inserida na perspectiva da redenção. O confronto Eva-Maria
pode ser entendido também no sentido de que Maria assume em si mesma e abraça o
mistério da « mulher », cujo início é Eva, « a mãe de todos os viventes » (Gên
3, 20): antes de tudo o assume e abraça no interior do mistério de Cristo – «
novo e último Adão » (cf. 1 Cor 15, 45) – o qual assumiu na sua pessoa a
natureza do primeiro Adão. A essência da Nova Aliança consiste no fato de que o
Filho de Deus, consubstancial ao Pai eterno, se torna homem: acolhe a
humanidade na unidade da Pessoa divina do Verbo. Aquele que opera a Redenção é,
ao mesmo tempo, verdadeiro homem. O mistério da Redenção do mundo pressupõe que
Deus-Filho tenha assumido a humanidade como herança de Adão, tornando-se
semelhante a ele e a todo homem em tudo, « com exceção do pecado » (Hebr 4,
15). Deste modo, ele « manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe
descobre a sua altíssima vocação », como ensina o Concílio Vaticano II. (36) Em
certo sentido, ajudou-o a redescobrir « quem é o homem » (cf. Sl 8, 5).

Em todas as gerações, na
tradição da fé e da reflexão cristã sobre a mesma, a aproximação Adão-Cristo é
frequentemente acompanhada da de Eva-Maria. Se Maria é descrita também como «
nova Eva », quais podem ser os significados desta analogia? Certamente são
múltiplos. É preciso deter-se particularmente no significado que vê em Maria a
revelação plena de tudo o que é compreendido na palavra bíblica « mulher »: uma
revelação proporcional ao mistério da Redenção. Maria significa, em certo
sentido, ultrapassar o limite de que fala o Livro do Gênesis (3, 16) e retornar
ao « princípio » no qual se encontra a « mulher » tal como foi querida na
criação, portanto no pensamento eterno de Deus, no seio da Santíssima Trindade.
Maria é o « novo princípio » da dignidade e da vocação da mulher, de todas e de
cada uma das mulheres. (37)

Para compreender isto podem
servir de chave, de modo particular, as palavras postas pelo evangelista nos
lábios de Maria depois da Anunciação, durante a sua visita a Isabel: « grandes
coisas fez em mim o Todo-poderoso » (Lc 1, 49). Estas se referem certamente à
concepção do Filho, que é « Filho do Altíssimo » (Lc 1, 32), o « santo » de
Deus; conjuntamente, porém, elas podem significar também a descoberta da
própria humanidade feminina. « Grandes coisas fez em mim »: esta é a descoberta
de toda a riqueza, de todos os recursos pessoais da feminilidade, de toda a
eterna originalidade da « mulher », assim como Deus a quis, pessoa por si
mesma, e que se encontra contemporaneamente « por um dom sincero de Si mesma ».

Esta descoberta relaciona-se
com a clara consciência do dom, da dádiva oferecida por Deus. O pecado já no «
princípio » tinha ofuscado esta consciência, em certo sentido a tinha sufocado,
como indicam as palavras da primeira tentação por obra do « pai da mentira »
(cf. Gen 3, 1-5). Com a chegada da « plenitude dos tempos » (cf. Gál 4, 4), ao
começar a cumprir-se na história da humanidade o mistério da redenção, esta
consciência irrompe com toda a sua força nas palavras da « mulher » bíblica de
Nazaré. Em Maria, Eva redescobre qual é a verdadeira dignidade da mulher, da
humanidade feminina. Esta descoberta deve chegar continuamente ao coração de
cada mulher e plasmar a sua vocação e a sua vida.

V. JESUS CRISTO

« Ficaram admirados por
estar ele a conversar com uma mulher »

12. As palavras do
Proto-Evangelho, no Livro de Gênesis, permitem que passemos ao âmbito do
Evangelho. A redenção do homem, ali anunciada, aqui se torna realidade na
pessoa e na missão de Jesus Cristo, nas quais reconhecemos também aquilo que a
realidade da redenção significa para a dignidade e a vocação da mulher. Este
significado é-nos esclarecido em grau maior pelas palavras de Cristo e por todo
o seu comportamento, em relação às mulheres, que é extremamente simples e,
exatamente por isso, extraordinário, se visto no horizonte do seu tempo: é um
comportamento que se caracteriza por uma grande transparência e profundidade.
Diversas mulheres aparecem no itinerário da missão de Jesus de Nazaré, e o
encontro com cada uma delas é uma confirmação da « novidade de vida » evangélica,
de que já se falou.

Admite-se universalmente – e
até por parte de quem se posiciona criticamente diante da mensagem cristã – que
Cristo se constituiu, perante os seus contemporâneos, promotor da verdadeira
dignidade da mulher e da vocação correspondente a tal dignidade. Às vezes, isso
provocava estupor, surpresa, muitas vezes raiando o escândalo: « ficaram
admirados por estar ele a conversar com uma mulher » (Jo 4, 27), porque este
comportamento se distinguia daquele dos seus contemporâneos. « Ficaram
admirados » até os próprios discípulos de Cristo. O fariseu, a cuja casa se
dirigiu a mulher pecadora para ungir os pés de Jesus com óleo perfumado, «
disse consigo: “Se este homem fosse um profeta, saberia quem é e de que
espécie é a mulher que o toca: é uma pecadora” » (Lc 7, 39). Estranheza
ainda maior ou até « santa in dignação » deviam provocar nos ouvintes
satisfeitos de si as palavras de Cristo: « Os publicanos e as meretrizes entram
adiante de vós no reino de Deus » (Mt 21, 31).

Aquele que falava e agia
assim fazia compreender que os « mistérios do Reino » lhe eram conhecidos até o
fundo. Ele também « sabia o que há em cada homem » (Jo 2, 25), no seu íntimo,
no seu « coração ». Era testemunha do desígnio eterno de Deus a respeito do
homem por ele criado à sua imagem e semelhança, como homem e mulher. Era também
profundamente consciente das consequências do pecado, do « mistério de
iniquidade » que opera nos corações humanos come fruto amargo do ofuscamento da
imagem divina. Como é signiíicativo o fato de que, no colóquio fundamental
sobre o matrimônio e sobre a sua indissolubilidade, Jesus, diante de seus
interlocutores, « os escribas », que eram por ofício os conhecedores da Lei,
faça referência ao « princípio ». A questão colocada é a do direito « masculino
» de « repudiar a própria mulher por qualquer motivo » (Mt 19, 3); e, portanto,
também do direito da mulher, da sua justa posição no matrimônio, da sua
dignidade. Os interlocutores consideram ter a seu favor a legislação mosaica
vigente em Israel « Moisés mandou dar-lhe libelo de repúdio e despedi-la » (Mt
19, 7). Responde Jesus: « por causa da dureza do vosso coração permitiu-vos
Moisés repudiar as vossas mulheres; mas no princípio não era assim » (Mt 19,
8). Jesus apela para o « princípio », para a criação do homem como homem e
mulher e para o ordenamento de Deus que se fundamenta no fato de que os dois
foram criados « à sua imagem e semelhança ». Por isso, quando o homem « deixa
seu pai e sua mãe » unindo-se à sua esposa, de modo a formarem os dois « uma só
carne », permanece em vigor a lei que provém de Deus mesmo: « Não separe, pois,
o homem o que Deus uniu » (Mt 19, 6).

O princípio desse « ethos »,
que desde o início foi inscrito na realidade da criação, é agora confirmado por
Cristo contra a tradição, que comportava a discriminação da mulher. Nesta
tradição, o homem « dominava », não considerando adequadamente a mulher e a
dignidade que o « ethos » da criação colocou como base das relações recíprocas
das duas pessoas unidas em
matrimônio. Este « ethos » é recordado e confirmado pelas
palavras de Cristo: é o « ethos » do Evangelho e da redenção.

As mulheres do Evangelho

13. Folheando as páginas do
Evangelho, passa diante de nossos olhos um grande número de mulheres, de idade
e condições diversas. Encontramos mulheres atingidas pela doença ou por
sofrimentos físicos, como a mulher que tinha « um espírito que a mantinha
enferma, andava recurvada e não podia de forma alguma endireitar-se » (cf. Lc
13, 11); ou como a sogra de Simão que estava « de cama com febre » (Mc 1, 30);
ou como a mulher que « sofria de um fluxo de sangue » (cf. Mc 5, 25-34), que
não podia tocar ninguém, porque se pensava que o seu toque tornasse o homem «
impuro ». Cada uma delas foi curada e a última, a hemorroíssa, que tocou o
manto de Jesus « no meio da multidão » (Mc 5, 27), foi por ele louvada pela sua
grande fé: « a tua fé te salvou » (Mc 5, 34). Há, depois, a filha de Jairo, que
Jesus faz voltar à vida, dirigindo-se a ela com ternura: « Menina, eu te mando,
levanta-te! » (Mc 5, 41). E há ainda a viúva de Naim, para quem Jesus faz
voltar à vida o filho único, fazendo acompanhar o seu gesto de uma expressão de
terna piedade: « compadeceu-se dela e disse-lhe: “Não chores” » (Lc
7, 13). E há, enfim, a Cananéia, uma mulher que merece da parte de Cristo
palavras de especial estima pela sua fé, sua humildade e pela grandeza de
espírito, de que só um coração de mãe é capaz: « Ó Mulher, é grande a tua fé!
Faça-se como desejas » (Mt 15, 28). A mulher cananéia pedia a cura de sua filha.

Às vezes as mulheres, que
Jesus encontrava e que dele recebiam tantas graças, o acompanhavam, enquanto
com os apóstolos peregrinava pelas cidades e aldeias, anunciando o Evangelho do
Reino de Deus; e elas « os assistiam com os seus bens ». O Evangelho cita entre
elas Joana, esposa do administrador de Herodes, Susana e « muitas outras» (Lc
8, 1-3).

Às vezes, figuras de
mulheres aparecem nas parábolas, com que Jesus de Nazaré ilustrava aos seus
ouvintes a verdade sobre o Reino de Deus. Assim é nas parábolas da dracma
perdida (cf. Lc 15, 8-10), do fermento (cf. Mt 13, 33), das virgens prudentes e
das virgens estultas (cf. Mt 25, 1-13). É particularmente eloquente o relato do
óbulo da viúva. Enquanto « os ricos … colocavam as suas ofertas na caixa do templo
… uma viúva … deitou lá duas moedinhas ». Então Jesus disse: « essa viúva
pobre deitou mais do que todos… foi da sua penúria que tirou tudo quanto
possuía » (cf. Lc 21, 1-4). Deste modo Jesus a apresenta como modelo para todos
e a defende, pois no sistema sócio-jurídico da época, as viúvas eram seres
totalmente indefesos (cf. também Lc 18, 1-7).

Em todo o ensinamento de
Jesus, como também no seu comportamento, não se encontra nada que denote a
discriminação, própria do seu tempo, da mulher. Ao contrário, as suas palavras
e as suas obras exprimem sempre o respeito e a honra devidos à mulher. A mulher
recurvada é chamada « filha de Abraão » (Lc 13,16), enquanto em toda a Bíblia o
título « filho de Abraão » é atribuído só aos homens. Percorrendo a via
dolorosa rumo ao Gólgota, Jesus dirá às mulheres: « Filhas de Jerusalém, não
choreis por mim » (Lc 23, 28). Este modo de falar às mulheres e sobre elas,
assim como o modo de tratá-las, constitui uma clara « novidade » em relação aos
costumes dominantes do tempo.

Isso se torna ainda mais
explícito no tocante àquelas mulheres que a opinião comum apontava com desprezo
como pecadoras, pecadoras públicas e adúlteras. Por exemplo, a Samaritana, a
quem Jesus mesmo diz: « tiveste cinco maridos e aquele que agora tens não é teu
marido ». E ela, percebendo que ele conhecia os segredos da sua vida, reconhece
nele o Messias e corre a anunciá-lo aos seus conterrâneos. O diálogo que
precede este reconhecimento é um dos mais belos do Evangelho (cf. Jo 4, 7-27).

Eis, depois, uma pecadora
pública que, não obstante a condenação por parte da opinião comum, entra na
casa do fariseu para ungir com óleo perfumado os pés de Jesus. Ao anfitrião que
se escandalizava deste fato, Jesus dirá dela: « São perdoados os seus muitos
pecados, visto que muito amou » (cf. Lc 7, 37-47).

Eis, enfim, uma situação que
é talvez a mais eloquente: uma mulher surpreendida em adultério é conduzida a
Jesus. A pergunta provocatória: « Ora Moisés, na Lei, mandou-nos apedrejar tais
mulheres. Tu que dizes? », Jesus responde: « Aquele de vós que estiver sem
pecado, lance-lhe por primeiro uma pedra ». A força de verdade, contida nesta
resposta, é tão grande que « se foram embora um após o outro, a começar pelos
mais velhos ». Permanecem só Jesus e a mulher. « Onde estão? Ninguém te
condenou? » – « Ninguém, Senhor ». – « Nem eu te condenarei: – vai e doravante
não tornes a pecar » (cf. Jo 8, 3-11).

Estes episódios constituem
um quadro de conjunto muito transparente. Cristo é aquele que « sabe o que há
no homem » (cf.Jo 2, 25), no homem e na mulher. Conhece a dignidade do homem, o
seu valor aos olhos de Deus. Ele mesmo, Cristo, é a confirmação definitiva
deste valor. Tudo o que diz e faz tem o seu cumprimento definitivo no mistério
pascal da redenção. O comportamento de Jesus a respeito das mulheres, que
encontra ao longo do caminho do seu serviço messianico, é o reflexo do desígnio
eterno de Deus, o qual, criando cada uma delas, a escolhe e ama em Cristo (cf.
Ef 1, 1-5). Por isso, cada mulher é aquela « única criatura na terra que Deus
quis por si mesma ». Cada mulher herda do « princípio » a dignidade de pessoa
precisamente como mulher. Jesus de Nazaré confirma esta dignidade, recorda-a,
renova-a e faz dela um conteúdo do Evangelho e da redenção, para a qual é enviado
ao mundo. É preciso, pois, introduzir na dimensão do mistério pascal toda
palavra e todo gesto de Cristo que se referem à mulher. Desta maneira tudo se
explica completamente.

A mulher surpreendida em
adultério

14. Jesus entra na situação
concreta e hístórica da mulher, situação sobre a qual pesa a herança do pecado.
Esta herança exprime-se, entre outras coisas, no costume que discrimina a
mulher em favor do homem, e está enraizada também dentro dela. Deste ponto de
vista, o episódio da mulher « surpreendida em adultério » (cf. Jo 8, 3-11)
parece ser particularmente eloquente. No fim Jesus lhe diz: « não tornes a
pecar »; mas, primeiro ele desperta a consciência do pecado nos homens que a
acusam para apedrejá-la, manifestando assim a sua profunda capacidade de ver as
consciências e as obras humanas segundo a verdade. Jesus parece dizer aos
acusadores: esta mulher, com todo o seu pecado, não é talvez também, e antes de
tudo, uma confirmação das vossas transgressões, da vossa injustiça « masculina
», dos vossos abusos?

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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