Brincando de Deus manipulando o homem- Parte I

I. INTRODUÇÃO: MANIPULANDO OS DEBATES SOBRE CLONAGEM.

Essas poderosas palavras da EV abrangem o que vou apresentar aqui
hoje: a poderosa e maciça manipulação da linguagem, da ciência, da ética, da
legislação e dos políticos de modo a desviar-nos da verdade e da realidade.
Estamos sendo levados à “crença” de que o que está sendo manipulado e
dissecado em laboratórios pelo mundo afora nos experimentos de clonagem humana não são, na 
realidade, seres humanos vivos e inocentes que morrem no processo.
São apenas, e exatamente, um “conjunto de células-tronco”.  De fato a clonagem e a matança de seres
humanos estão ocorrendo aqui, neste momento, no honorável Estado do Missouri
[2]. Não se quer dizer, obviamente, que a ciência e os cientistas sejam sempre
enganadores; nem negar o enorme bem que a ciência fez à humanidade. Mas é hora
de observar, sob orientação do “amor fraterno”, que muitos dos
envolvidos no esforço da clonagem humana perseguem esse objetivo enganados.

 

A propensão do homem para a manipulação, o poder e o abuso não é
uma característica dos dias atuais.  A
tentação de “ser como os deuses” tem existido desde o início dos
tempos e, nestes dias, está inundando nossa cultura, por exemplo, por meio de
múltiplas cosmologias e intrigas da Nova Era [3]. Como no Jardim do Eden, a
indústria da clonagem tenta-nos, hoje, afirmando-nos: “Você, seguramente,
não morrerá… você será como os deuses”, a exortação gnóstica clássica.  Mais ainda, quando nos promete poderes
divinos para “criar”, “recriar”, ou para projetar nossa
nova humanidade e imortalidade por meio de tecnologias como a clonagem humana e
a engenharia genética humana que nos cerca [4]. Somente o objetivo é o que
conta para eles, os seus objetivos. Os meios usados para alcançar estes
objetivos, como diria Nietzche, não se revestem de qualquer importância. Mas
será isto mesmo assim?

 Joseph Pieper, filósofo e teólogo católico contemporâneo,
escreveu, recentemente, um pequeno e surpreendente livro sobre as comunicações
e a propaganda, “The Abuse of Language: Abuse of  Power” [5], espantosamente aplicável à
retórica dos debates atuais sobre a pesquisa da clonagem humana  das células-tronco.  Ele observa que a retórica não é nova.  Platão a atribuiu aos sofistas, que descreveu
como “muito  bem pagos e
popularmente aplaudidos, especialistas na arte de torcer as palavras; capazes
de adocicar as palavras e fazer algo ruim parecer uma coisa boa e transformar o
branco em preto” [6]. A verdade, observa ele, não pode ser uma preocupação
decisiva para os que buscam  a
manipulação verbal. Antes, como Platão força Gorgias a admitir, “a
linguagem sofisticada, desligada das raízes da verdade, de fato persegue
objetivos não explicitados”. A linguagem é, invariavelmente, usada como um
instrumento de poder [7].

E é isso que estamos experimentando nos debates da clonagem, um
uso abusivo da linguagem, particularmente da linguagem científica, na busca do
poder. Não podemos mais aceitar que a questão da clonagem humana seja empurrada
de volta ao recesso mais profundo de nossa consciência, numa gaveta em que se
cole uma etiqueta “não é problema meu”. Também não nos podemos deixar
enganar e confundir pela retórica da clonagem. Há muito em jogo.

 

Meu desafio aqui é o de tentar fazer algo sobre esta retórica
sofista contemporânea muito sofisticada, identificando usos abusivos da
linguagem que eles perpetraram com o propósito de vender seus produtos. E tudo
o que será necessário é apresentar a verdade científica, simples e objetiva, a
verdade de que um ser humano vivo único,
inocente e vulnerável, começa a existir, imediatamente, na fecundação e na
clonagem.  Por conseguinte, matar
intencionalmente esses seres humanos é moralmente ilícito e deve ser proibido
por lei. Sem a verdade, inclusive a verdade científica, não haverá
eventualmente fé ou liberdade, inclusive liberdade científica.

II. MANIPULANDO FATOS CIENTÍFICOS DA EMBRIOLOGIA HUMANA NAREPRODUÇÃO SEXUAL HUMANA.

Os seres humanos podem ser reproduzidos tanto sexualmente, (fertilização natural ou artificial, como por exemplo,
na fecundação in vitro), quanto assexualmente
(como, por exemplo, na gemelação que ocorre com a divisão monozigótica humana.
São muitos os modos como os termos científicos têm sido falsificados e
manipulados ao longo dos anos para nos levar a pensar, erroneamente, que o
produto imediato da reprodução  humana,
sexual ou assexual, é algo diferente do que realmente é,  um novo ser humano inocente de uma única
célula.

 

Muitos dos engodos usados no debate da clonagem humana são, em
realidade, nada mais do que o reacondicionamento dos mesmos engodos que vêm
sendo perpretados nos últimos trinta anos nos debates sobre o aborto, muitos
dos quais, provavelmente, já serão familiares. Assim, começo com um sumário dos
fatos científicos, há muito conhecidos e estabelecidos, sobre a reprodução
sexual humana, assinalando, particularmente, os termos  que têm sido manipulados no debate sobre o
aborto e agora no debate sobre a clonagem humana. Prosseguirei com um sumário
semelhante dos fatos científicos estabelecidos sobre a reprodução humana
assexuada (clonagem humana), sublinhando, mais particularmente, os termos que
estão sendo manipulados nos  debates da
clonagem humana.  Assim, estaremos numa
posição melhor para avaliar tentativas de elaboração de leis para banir a
clonagem humana e para podermos fazer algo a respeito.

 Uma nota antes que possa
começar. Parece que muitas pessoas não sabem, diversamente do que ocorre em
outras áreas do conhecimento, que no campo da embriologia humana, estes fatos
científicos objetivos são, em última instância, determinados pelo “International Nomina Embryologica Committee”
[8], que é constituído de mais de vinte dos melhores e mais brilhantes
embriologistas humanos de todo o mundo. 
Depois de rever as últimas pesquisas de embriologia humana, suas
deliberações são publicadas na Nomina
Embryologica, que é parte da Nomina
Anatomica, e são requisitadas para uso profissional, juntamente com o Carnegie Stages of Early Human Development,
por todos os embriologistas humanos no desenvolvimento de seu próprio trabalho.
A embriologia humana que apresento aqui é retirada, diretamente, dos livros de
embriologia baseados em fatos científicos cuja correção e atualidade são
respaldadas pelo International Nomina
Embryologica Committee. Não se trata de minha “opinião” e nem da opinião
dos autores dos livros.

 A. QUANDO UM SER HUMANO
COMEÇA A EXISTIR? [9]

 O mito científico mais devastador, tanto no debate do aborto como
no da clonagem humana, diz respeito à pergunta: “Quando o ser humano
começa a existir?” Proponentes do aborto e da clonagem humana defendem o
pensamento de que o  ser humano não
começa imediatamente, tanto na fecundação como na clonagem.  De fato, pretendem que a alegação de que o
ser humano começa a existir imediatamente na fecundação e na clonagem é uma
“crença” religiosa ou uma opinião pessoal e, afinal, numa sociedade
democrática, pluralista e multicultural, as “crenças” ou
“opiniões” de uma pessoa ou de um grupo de pessoas não podem ser
impostas ao resto da sociedade.

 Por conseguinte, se alguém quiser “acreditar” que o
produto imediato da fecundação ou da clonagem é um ser humano, então sinta-se à
vontade para fazê-lo. Mas é também um
fato científico objetivo que o produto imediato da fecundação e da clonagem
é um ser humano vivo e inocente. E parece-me que esses fatos científicos
objetivos devem ser o ponto de partida
para quaisquer discussões, debates ou legislações sobre estes temas. De outro
modo, como um sábio e antigo Doutor da Igreja freqüentemente advertia, “um
pequeno erro no começo leva a uma multiplicidade de erros no final” [10].
De fato, como veremos, este é o ponto inicial para os ensinamentos da Igreja
sobre clonagem humana.

B. REPRODUÇÃO SEXUAL
HUMANA – FECUNDAÇÃO (“ZIPPING UP “FECHAMENTO”).

 1. Gametogenese

 Há duas categorias básicas de células no organismo humano: células
somáticas (do corpo) e células germinais (gametas) [11]. No início do
desenvolvimento embrionário humano, a células germinais primárias são
inicialmente totipotentes e, por conseguinte, podem ser clonadas por divisão
gemelar em células idênticas (“twinning”) [12]. Estas células são
diplóides [13], isto é, cada uma delas tem 46 cromossomos e, deste modo, podem
ser clonadas por transferência do núcleo. Por conseguinte, antes que a
fecundação ocorra, o número de cromossomos em cada célula germinal deve ser
dividido ao meio pelo processo conhecido como gametogênese, que pode  requerer décadas para  ser concluído. O resultado final da
gametogênese é a produção de “gametas sexuais” haplóides, que são o
espermatozóide e o oócito ou óvulo, os quais têm  apenas 23 cromossomos em cada célula. Uma vez
que a gametogênese  ocorra, a fecundação,
pelo menos cientificamente, torna-se possível. Durante o processo de
fecundação, o espermatozóide e o óvulo fundem-se e cada um deles deixa de
existir como tal. Um novo ser humano, de uma única célula, é produzido.

SUMÁRIO DAS FALSAS ALEGAÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE CÉLULAS GERMINAIS
USADAS NOS DEBATES SOBRE CLONAGEM:

1. Células somáticas versus células de linhagem germinativa:
“Existem somente células somáticas diplóides” (assim abre-se a
possibilidade para que produzir-se clonagem células germinais diplóides por
transferência de núcleo, para propósitos terapêuticos ou para finalidade de
reprodução);

2. Totipotente versus pluripotente: “Células germinais
primárias são pluripotentes” (considerando que elas são de fato
totipotentes, isso abre a possibilidade através de  “duplicação” (“twinning”) ou por
transferência nuclear. (Nota de tradução: a palavra “twinning” (verbo de
twin-gêmeo) quer dizer duplicação, criação de gêmeos.

 3. Haplóide versus diplóide: “Óvulos (oócitos) usados em
clonagem ou partenogênese são haplóides” (porque eles são realmente
diplóides, isso abre a possibilidade para que sejam clonados por transferência nuclear.

 2. Fecundação.

 Agora que já examinamos a formação dos gametas sexuais haplóides
maduros, o próximo processo importante a ser considerado é o da fecundação.
Sabemos, empiricamente, há mais de cem anos [14], que a fecundação é o começo
de muitas coisas: o embrião humano,
o  ser humano, o organismo humano, o indivíduo
humano, o sexo genético do embrião, o “período embrionário” e a gravidez
normal, a qual começa com a fertilização na
trompa de Falópio ou trompa uterina, o ovoduto da mãe, e não na implantação em seu útero. Todos
esses fatos e expressões são manipulados nos debates sobre aborto e clonagem
humana. Leia, cada um por si mesmo, os fatos científicos objetivos de acordo
com a nomenclatura internacional da embriologia humana.

 O’Rahilly and  Muller
(2001): … a seqüência de eventos que começa quando um espermatozóide entra em
contato com um óvulo secundário e termina com o entrelaçamento dos cromossomos
maternos e paternos na metáfase da primeira divisão mitótica do  zigoto.
O zigoto é característico da última fase da fecundação e é identificado pela
primeira clivagem. É um embrião
unicelular (p.  19).

 Moore and Persaud (1998): Zigoto: esta célula resulta da união de
um óvulo e um espermatozóide. Um zigoto é o começo de um novo ser humano (isto é, um embrião). A expressão “ovo fertilizado” refere-se a
um  óvulo secundário fecundado por um
espermatozóide; quando a fecundação se completa, o óvulo torna-se um zigoto (p. 2).

Larsen (1997): … Começamos nossa descrição do desenvolvimento
humano com a formação e a diferenciação das células sexuais ou gametas
masculinos e femininos, que se unirão na fecundação para iniciar o
desenvolvimento embrionário de um novo
indivíduo (p. 1).

 O’Rahilly and Muller (2001): Embora a vida seja um processo
contínuo a fertilização … é um
marco crítico porque, em circunstâncias normais, um organismo humano novo e geneticamente  distinto se forma quando os cromossomos
dos pronúcleos do macho e da fêmea se
fundem no interior do óvulo fecundado (p. 31).

Moore and Persaud (1998): … Os
cromossomos do sexo do embrião são determinados, na fecundação, pelo tipo
de espermatozóide (X ou Y) que fertiliza o óvulo; assim é o gameta do pai mais
do que o da mãe que determina o sexo do embrião (p. 37).

 

Carlson (1999): O sexo do
futuro embrião é determinado pelo complemento cromossômico do espermatozóide.
(Se o espermatozóide contém 22 autossomos e o cromossomo X, o embrião será uma
fêmea, e se ele contém 22 autossomos e um cromossomo Y, o embrião será um
macho.  … Com o entrelaçamento dos
cromossomos paternos e maternos, o
zigoto torna-se um produto geneticamente único, resultante da reordenação dos
cromossomos, o que é importante para a viabilidade de qualquer espécie (p.
32).

 O’Rahilly Muller (1994): O próprio período embrionário … estende-se
pelas oito primeiras semanas pós-ovulatórias, isto é, contadas a partir da
última ovulação … O período fetal
estende-se desde a oitava semana até o nascimento (p. 55).

 Carlson (1994): Após a
oitava semana de gravidez, o período de organogênese (período embrionário) completa-se em sua maior parte e o inicia-se o período fetal (p. 407).

 O’Rahilly e Muller (2001): … A fecundação dá-se, normalmente, na ampola (extremidade lateral) da
trompa uterina (p. 31).

Moore e Persaud (1998): O
local usual da fecundação é a ampola da trompa uterina (trompa de Falópio),
a sua parte mais larga e comprida. Se o óvulo não é fertilizado ali, ele se
desloca, vagarosamente, pela trompa até o útero, onde se degenera e é reabsorvido.

Embora a fecundação possa ocorrer em outras partes da trompa, ela não ocorre no útero … O desenvolvimento humano inicia-se quando um
óvulo é fertilizado (p. 34).

 Carlson (1999): “A
gravidez humana inicia-se com a fusão de um óvulo e um espermatozóide, além
de uma grande preparação que precede este evento. Primeiro, ambas as células
masculina e feminina devem passar por uma longa série de mudanças
(gametogênese) que as convertem genética e fenotipicamente em gametas maduros,
aptos a participar do processo de fecundação. Depois, os gametas devem ser
liberados das gônadas e fazer seu caminho até
a parte superior da trompa uterina, onde a fertilização normalmente ocorre
… Finalmente, o óvulo fertilizado
(ovo), agora propriamente chamado de
embrião, deve fazer seu caminho
dentro do útero … .” (p. 2); … Época da fecundação: marca o tempo do embrião a partir da fertilização
(p.23) … Na mulher, o transporte de esperma inicia-se na parte superior da
vagina e termina na ampola da trompa
uterina (trompa de Falópio), onde o
espermatozóide faz contato com o óvulo (p. 27);

Larsen (1997): Neste texto, começamos a nossa descrição do
desenvolvimento humano com a formação e a diferenciação das células ou gametas
femininos e masculinos, que se unirão na fecundação
para iniciar o desenvolvimento embrionário de um novo indivíduo … A
fecundação ocorre no oviduto (não no útero) … resultando na formação de
um zigoto contendo um núcleo
diplóide simples (p. 1); estes pronúcleos
fundem-se um com o outro para
produzir o único núcleo diplóide, 2N, do zigoto fertilizado. Este momento da formação do zigoto pode ser considerado como o
início ou estaca zero do desenvolvimento embrionário (p. 17).

 Este novo ser humano de uma só célula imediatamente produz
proteínas  e enzimas especificamente humanas [15] (e não proteínas de
cenoura ou sapo), e direciona geneticamente seu próprio crescimento e
desenvolvimento. (De fato, foi demonstrado que este crescimento e
desenvolvimento genético não é comandado pela mãe, mas pelo próprio embrião) [16]). O embrião humano começa
a dividir-se e a crescer cada vez mais,
desenvolvendo-se através de vários estágios como embrião durante um período de
8 semanas. Várias dessas etapas de desenvolvimento do embrião em crescimento
têm um nome especial. Chama-se, por exemplo, mórula (até aproximadamente 4 dias),
blastocisto livre (do quarto ao quinto dia), blastocisto em processo de
implantação (do quinto ao sétimo dia), embrião bilaminar (durante a segunda
semana), e embrião trilaminar (durante a terceira semana). Mas é o mesmo
embrião humano que está progredindo através destes vários estágios de
crescimento e desenvolvimento [17].

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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