Entrevista com o
professor Arturo Cattaneo
Por Jesús
Colina
ROMA, quinta-feira, 16 de
dezembro de 2010 (ZENIT.org)
– O filósofo suíço Martin Rhonheimer havia desenvolvido, em 2004, uma tese que
agora foi retomada por Bento XVI, em seu livro-entrevista com Peter Seewald, ao
tratar do tema da sexualidade. Quem explica é o Pe. Arturo Cattaneo, professor
da Faculdade de Direito Canônico de Veneza e da Faculdade de Teologia de Lugano
(Suíça), nesta entrevista concedida a ZENIT.
Entre os temas abordados pelo Papa em “Luz do
Mundo” (Herder), o foco dos meios de comunicação tem se centrado no
trecho definido por muitos como a “abertura ao preservativo”. É sabido
que a Igreja sempre condenou os métodos contraceptivos, de modo que uma
“abertura” ou “giro” deste calibre no seu ensinamento não
poderia passar despercebido. Isso gerou entusiasmo e perplexidade,
especialmente entre aqueles que o consideraram como uma reformulação, ou até
mesmo uma revogação dessa convicção que até agora parecia definitiva.
ZENIT: A afirmação de
Bento XVI sobre o preservativo é uma mudança na doutrina da Igreja?
Pe. Cattaneo: Eu não
falaria de mudança, mas de desenvolvimento, de uma contribuição corajosa, no
sentido de que se expressa em uma matéria sobre a qual a Igreja até agora
preferiu manter silêncio. Neste sentido, parece fundamental distinguir entre a
condenação da contracepção (que o Papa não quis alterar) e o uso de preservativos,
que em “alguns casos” pode significar “um primeiro ato de
moralização”. O próprio Papa confirmou em seu livro-entrevista que
“as perspectivas da Humanae Vitae continuam sendo corretas”.
ZENIT: Em um recente
artigo publicado no jornal suíço Il Giornale del Popolo (11 de dezembro
de 2010), você afirma que, neste desenvolvimento, o Papa foi inspirado por uma
tese avançada há vários anos pelo filósofo suíço Martin Rhonheimer, professor
na Universidade da Santa Cruz, em Roma. Poderia nos explicar como?
Pe. Cattaneo: O próprio Pe.
Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, afirmou em nota
(cf. ZENIT,
21 de novembro de 2010), publicada imediatamente após a antecipação de
alguns trechos do livro no L’Osservatore Romano, que “muitos
teólogos moralistas e autorizadas personalidades eclesiásticas afirmaram e
afirmam posições análogas; no entanto, é verdade que não as havíamos escutado
ainda com tanta clareza da boca de um papa”. Segundo alguns especialistas,
incluindo o jornalista do Vaticano Sandro Magister e um artigo do Neue
Zürcher Zeitung, Rhonheimer é quem iniciou de maneira mais decisiva o
caminho para a abertura que o Papa fez hoje.
ZENIT: Mas de que
caminho se trata?
Pe. Cattaneo: Na nota
citada, o Pe. Lombardi disse que o Papa ofereceu “uma importante
contribuição para esclarecer e aprofundar em uma questão debatida há muito
tempo”. Para entender o que queremos dizer, acho que precisamos recordar
as palavras de Rhonheimer, por exemplo, no The Tablet, em 10 de julho de
2004: “O que eu vou dizer, como um sacerdote católico, a pessoas
promíscuas, a homossexuais infectados pela AIDS, que utilizam o preservativo?
Procurarei ajudá-los a viver uma vida sexual moral e bem ordenada. Mas não lhes
direi que não usem preservativos. Simplesmente não falarei sobre isso e darei
por entendido que, se decidirem ter relações sexuais, pelo menos, manterão
certo senso de responsabilidade. Com uma atitude como esta, respeito totalmente
a doutrina da Igreja Católica sobre a contracepção. Este não é um apelo a favor
de “exceções” à norma que proíbe a contracepção. Esta norma tem valor
sem exceções: a contracepção é intrinsecamente má. Mas, obviamente, a regra só
se aplica aos atos de contracepção, tal como definido na Humanae Vitae“.
ZENIT: E como se definem
estes atos?
Pe. Cattaneo: De acordo com
a Humanae Vitae, o ato contraceptivo é definido como
“qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer durante a sua
realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha,
como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”; isso foi retomado
pelo Catecismo da Igreja Católica no número 2370. Assim, podemos
compreender a razão pela qual, em alguns casos, como o mencionado pelo Papa, o
uso do preservativo não é um ato de contracepção, mas, como o Papa disse, pode
ser “um primeiro ato de moralização, um primeiro passo de
responsabilidade”. Nesse sentido, devemos levar em consideração a
contribuição de Rhonheimer no esclarecimento do objeto moral de toda ação
humana, uma contribuição que encontrou aceitação plena na encíclica Veritatis splendor .
ZENIT: Que importância
pode ter a declaração do Papa sobre o uso de preservativos na luta contra a
AIDS?
Pe. Cattaneo: Eu acredito
que o esclarecimento do Papa é oportuno, uma vez que estava se espalhando a
falsa impressão de que a Igreja condena qualquer tipo de uso do preservativo,
contrariando todas as campanhas que estão lutando para conter a propagação da
AIDS. A questão tinha explodido após algumas palavras proferidas pelo Papa na
sua viagem à África, em 2009. Neste contexto, o Papa interveio agora com seu
esclarecimento, confirmando que os preservativos não podem ser “a”
solução; é necessário, de fato, fazer muito mais: prevenir, educar, ajudar,
aconselhar, estar perto das pessoas, tanto para que não contraiam o vírus, como
no caso dos que o contraíram. O preservativo em si, continua o Papa, “não
resolve o problema”, pois tenderia a uma “banalização da
sexualidade”, enquanto, por outro lado, é necessário promover a sua
“humanização”.