Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 492 – Ano 2003 – p.
257
Em síntese: A tese segundo a qual Jesus terá nascido em
Nazaré e não em Belém, carece de fundamentação, ao passo que a sentença
pro-Belém está nitidamente baseada na tradição oral e escrita assim como na
arqueologia.
Tem-se propagado a tese
segundo a qual Jesus não terá nascido em Belém, mas em Nazaré. A nova sentença
sugere ponderação.
1) A questão não afeta a
identidade de Jesus, Deus feito homem. Por conseguinte, o debate é livre.
2) A nova tese carece de
fundamentação; não encontra respaldo nem na Tradição oral nem na escrita
(bíblica). – É fruto da tendência a ver nos Evangelhos construções teológicas
mais do que dados históricos (…). Os evangelistas terão apresentado Jesus a
nascer em Belém para que com mais razão seja tido como Filho de Davi, cuja
cidade de origem era Belém. Em conseqüência Nazaré seria o lugar geográfico e
histórico do nascimento de Jesus, ao passo que Belém seria o lugar teológico.
3) A tese clássica tem em
seu favor
– o testemunho da tradição
oral, unânime ao apontar Belém. Essa
tradição é professada no século II por São Justino (+ 165), no Diálogo com
Trifão 78, como também pelo Protoevangelho de Tiago 10, 1; no século III por
Orígenes (+ 253) em Contra
Celso I 51 e em Comentário de Mateus 10, 17;
– o testemunho da
arqueologia: a basílica da Natividade em
Belém, recobre o presumido local do nascimento identificado pela inscrição: “Hic
Verbum caro factum est. – Aqui o Verbo se fez carne”;
– o testemunho da tradição
escrita ou bíblica. Mateus e Lucas, os
dois únicos evangelistas que tratam da infância de Jesus, apresentam-no como
nativo de Belém; cf. Mt 2 e Lc 2. Ora entre os critérios para se reconhecer a
autenticidade histórica de uma passagem do Evangelho está o da múltipla
atestação, que René Latourelle assim explana:
“Esse critério é
especialmente proposto por Manson, Burkitt, Walker, Dodd, Downing, McArthur,
Calvert, Perrin, Delorme, De la
Potterie, Léon Dufour, Zedda, Caba, Lambiasi, McEleney,
Schillebeeckx. Enuncia-se assim: “Pode-se considerar como autêntico um dado
evangélico solidamente atestado em todas as fontes (ou na maioria) dos
Evangelhos (Marcos, fonte de Mt e de Lc e a Quelle, fonte de Lc e de Mt; as
fontes especiais de Mt e de Lc e,
eventualmente, de Mc), e nos outros escritos do Novo Testamento
(particularmente Atos, Evangelho de João, cartas de Paulo, de Pedro e de João,
carta aos Hebreus)”. Terá mais peso o critério se o fato encontra-se em
diferentes formas literárias, que por sua vez, sejam atestadas em múltiplas
fontes. Assim, o tema da simpatia e misericórdia de Jesus para com os pecadores
aparece em todas as fontes dos Evangelhos e nas mais variadas formas literárias
(parábolas: Lc 15, 11-32; controvérsias: Mt 21, 28-32; relatos de milagres: Mc
2, 1-12; relato de vocação: Mc 2, 13-17).
Tal critério é de uso
corrente em história. Um
testemunho concordantes, provenientes de fontes diversas e não suspeitas de
estarem intencionalmente ligadas entre si, merece ser reconhecido como
autêntico. Em caso limite, a crítica histórica dirá: testis unus, testis
nullus. A certeza obtida repousa, portanto, na convergência e independência das
fontes (Jesus existiu?, pp. 187s).
É de notar especialmente a
autoridade do Evangelho de Mateus, que o Prof. Carsten Peter Thiede considera
ser “testemunha ocular de Jesus”. Com efeito; em 1994 este pesquisador
descobriu na biblioteca do Magdelen College (Oxford) um fragmento de papiro que
data de meados do século I e lhe parece, com boas razões, apresentar segmentos
do capítulo 26 de Mateus. Este Evangelho terá sido escrito a pouca distância
dos acontecimentos narrados. O Prof. Thiede tece seus comentários a respeito:
“Toda crença que depende de
descobertas arqueológicas, é, por certo, muito fraca. Consideramos Sócrates
como um dos maiores filósofos; mas os manuscritos que lhe dizem respeito e que
temos atualmente, foram escritos 1500 anos após a morte dele (o nosso mais
antigo manuscrito referente a Sócrates, cópia do código de Platão; data do
século XII). Ao contrário, os fragmentos do Evangelho datam de menos de
quarenta anos após a crucifixão de Jesus. Estes fragmentos eximem os evangelhos
da moderna hipótese de que os Evangelhos são lendários e foram redigidos em
época tardia. As descobertas de papiros aproximam os Evangelhos dos
acontecimentos que eles narram e das testemunhas oculares de tais eventos”. Ver
PR 415/1996, pp. 398/1995, pp. 290-294.
Pode-se, pois, concluir que
a tese do nascimento em Nazaré é um postulado gratuito, que contra si tem
significativos argumentos.