As orações pelos mortos

O Papa João Paulo II, no dia de finados de 1997, na Alocução mariana, disse:

“A tradição da Igreja exortou sempre a rezar pelos mortos. O fundamento da oração de sufrágio encontra-se na comunhão do Corpo Místico… Por conseguinte, recomenda a visita aos cemitérios, o adorno dos sepulcros e o sufrágio, como testemunho de esperança confiante, apesar dos sofrimentos pela separação dos entes queridos” (LR, n. 45, de 10/11/91).

O Catecismo ensina que:

“Reconhecendo cabalmente esta comunhão de todo o corpo místico de Jesus Cristo, a Igreja terrestre, desde os tempos primeiros da religião cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos…” (CIC, § 958)

São João Crisóstomo (349-407), que foi patriarca de Constantinopla, doutor da Igreja, ensina a necessidade de rezar pelos mortos:

“Levemos-lhes socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai (Jó 1,5), porque duvidar que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva alguma consolação? Não hesitemos em socorrer aos que partiram e em oferecer as nossas orações por eles” (CIC, §1032; In I Cor 41,5 PG 61,361).

O mesmo São João Crisóstomo afirma que “os Apóstolos instituíram a oração pelos mortos e que esta lhes presta grande auxílio e real utilidade” (In Philipp. III 4, PG 62, 204, citado na Revista Pergunte e Responderemos n. 264, 1982, pp. 50-51).

É interessante notar que S. Paulo pede “que o Senhor conceda a Onesíforo encontrar misericórdia da parte do Senhor naquele dia!” (2Tm 1, 18). É uma oração por um defunto.

No início do século III, encontramos as Atas de Santa Perpétua de Cartago, na África, onde a mártir aparece orando por seu irmão Dinócrate, o qual morrera jovem: pedia que ele fosse transferido do lugar de padecimento em que se achava, para um “lugar de refrigério, de saciedade e de alegria”. Finalmente, viu Dinócrate, de coração puro, revestido de bela túnica, a gozar de refrigério, saciedade e alegria, como uma criancinha que sai da água e se dispõe a brincar. (Passio, S. Perpétua VIIs; PR, idem)

Nesta mesma época, Tertuliano (?202), de Cartago, atesta o uso de sufrágios na liturgia oficial de Cartago, que era um dos principais centros do cristianismo no século III. Diz, por exemplo, que “durante a morte e o sepultamento de um fiel, fora beneficiado com a oração do sacerdote da Igreja” (De anima 51; PR, ibidem).

São Cipriano (?258), bispo de Cartago, refere-se à oferta do sacrifício eucarístico em sufrágio dos defuntos como costume recebido da herança dos bispos seus antecessores (cf. epist. 1,2). Nas suas epístolas é comum encontrar a expressão: “oferecer o sacrifício por alguém ou por ocasião dos funerais de alguém” (Revista PR, 264, 1982, pag. 50 e 51; PR ibidem).

Leia também: Sobre a oração pelos mortos

Que significa rezar pelos mortos?

Será que os mortos estão dormindo?

Falando da vida de Cartago, no século III, afirma Vacandart:

“Podemos de certo modo conceber o que terá sido a vida religiosa de Cartago em meados do século III. Aí vemos o clero e os fiéis a cercar o altar… ouvimos os nomes dos defuntos lidos pelo diácono e o pedido de que o bispo ore por esses fiéis falecidos; vemos os cristãos… voltar para casa reconfortados pela mensagem de que o irmão falecido repousa na unidade da Igreja e na paz do Cristo” (Revue de Clergé Français 1907 t. Lil 151; PR, ibidem).

Acreditando na Comunhão dos Santos, a Igreja desde sempre rezou pelos mortos.

A Didascalia, ou “doutrina” atribuída aos Doze Apóstolos, do início do século III, usado pelos cristãos da Síria, dizia:

“Ao fazerdes as vossas comemorações, reuni-vos, lede as Sagradas Escrituras… tanto em vossas assembléias quanto nos cemitérios. O pão duro que o pão tiver purificado e que a invocação tiver santificado, oferecei-o orando pelos mortos” (idem) Os chamados “Cânones de Hipólito”, que se referem à Liturgia do século III, contém uma rubrica sobre os mortos… “caso se faça memória em favor daqueles que faleceram…” (Canones Hippoliti, em Monumenta Ecclesiae Liturgica; PR, 264,1982)

Na primeira metade do século IV, o bispo Serapião de Thmuis, no Egito, compôs uma coletânea litúrgica, onde se pode ver a intercessão pelos irmãos falecidos:

“Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoração, assim oramos: ‘Santifica essas almas, pois Tu as conheces todas; santifica todas aquelas que dormem no Senhor; coloca-as em meio às santas Potestades (anjos); dá-lhes lugar e permanência em teu reino'” (Journal of Theological Studies t. 1, p. 106; PR, 264,1982)

“Nós te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de tua serva) N. ; dá paz a seu espírito em lugar verdejante e aprazível, e ressuscita o seu corpo no dia que determinaste” (PR, 264,1982).

Ainda podemos encontrar nas Constituições Apostólicas, do fim do século IV, redigidas com base em documentos bem mais antigos, no livro VIII da coleção, o seguinte:

“Oremos pelo repouso de N., afim de que o Deus bom, recebendo a sua alma, lhe perdoe todas as faltas voluntárias e, por sua misericórdia, lhe dê o consórcio das almas santas”.

No século III, Tertuliano (?220), já dava este testemunho: “A esposa roga pela alma do seu esposo e pede para ele refrigério, e que volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágios todos os dias aniversários de sua morte” (De Monogamia, 10).

Em todas as missas, em qualquer das formas da Oração Eucarística, a Igreja ora pelas almas:

“Lembrai-vos também dos que morreram na paz do vosso Cristo e de todos os mortos dos quais só vós conheceis a fé” (Oração Euc. IV) “Lembrai-vos também dos nossos irmãos e irmãs que morreram na esperança da ressurreição e de todos os que partiram desta vida: acolhei-os junto a vós na luz da vossa face” (Or. Euc. II).

“Lembrai-vos dos nossos irmãos e irmãs… que adormeceram na paz do vosso Cristo, e de todos os falecidos, cuja fé só vos conhecestes: acolhei-os na luz da vossa face e concedei-lhes, no dia da ressurreição, a plenitude da vida” (Or. Euc. VI-A). “Ó Pai, sabemos que sempre vos lembrais de todos. Por isso, pedimos por aqueles que nós amamos… e por todos os que morreram em vossa paz” (Or. Euc. IX- crianças 1).

“A todos os que chamastes para a outra vida na vossa amizade, e aos marcados com o sinal da fé, abrindo os vossos braços, acolhei-os. Que vivam para sempre bem felizes no reino que para todos preparastes” (Or. Euc. V).

Nas Catequeses Mistagógicas, de S. Cirilo de Jerusalém (?386), assim ele diz:

“Enfim, também rezamos pelos santos padres e bispos e defuntos e por todos em geral que entre nós viveram; crendo que este será o maior auxílio para aquelas almas, por quem se reza, enquanto jaz diante de nós a santa e tremenda vítima” (Cat. Mist. 5, 9, 10, Ed. Vozes, 1977, p. 38).

“Da mesma forma, rezando nós a Deus pelos defuntos, ainda que pecadores, não lhe tecemos uma coroa, mas apresentamos Cristo morto pelos nossos pecados, procurando merecer e alcançar propiação junto a Deus clemente, tanto por eles como por nós mesmos” (idem).

Desde os seus primórdios a Igreja acredita e ensina a eficácia da oração de uns pelos outros, membros do mesmo corpo de Cristo.

Assista também: Devemos rezar pelos mortos?

Santo Ambrósio (340-397), bispo e doutor da Igreja de Milão, que batizou S.Agostinho, no século IV já dava este testemunho:

“…assim como é redimido do pecado e purificado no homem interior, por algumas obras de todo o povo, aquele que é lavado pelas lágrimas do povo. Pois concedeu Cristo à sua Igreja, que por todos resgatasse um, ela que mereceu o advento do Senhor, para que por um só, todos fossem remidos” (DI, ref. 29). Não só a Igreja ora pelos mortos, como também ensina que eles intercedem por nós. O nosso Catecismo afirma que:

“A nossa oração por eles [no Purgatório] pode não somente ajudá-los, mas também torna eficaz a sua intercessão por nós” (CIC, § 958).

Os santos, especialmente os místicos, invocavam as almas do purgatório. Que elas “nos obtenham a graça de voltar à amizade do Coração de Jesus…”, escreve Santa Margarida Maria Alacoque (Carta 480); e ainda: “E a estas [almas] rogareis… que empreguem seu poder para nos conseguir a graça de viver e morrer no amor e fidelidade ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo…” (desafio, 58).

Muitos teólogos, como o próprio São Roberto Belarmino (lib. 2 de Purgat. c. 4), de renome na Igreja, afirmam que a invocação das almas do purgatório é utilíssima. Em 1700, o Papa Clemente XI erigiu uma Confraria “Sub invocatione animarum purgatorii” (Sob a invocação das almas do purgatório)

Também o Papa João Paulo II confirma com o seu ensinamento esta verdade:

“…Igreja do Céu, Igreja da Terra e Igreja do Purgatório estão misteriosamente unidas nesta cooperação com Cristo para reconciliar o mundo com Deus” (Reconciliatio et poenitentia, 12).

Falando da Confissão o Papa diz:

“…é inegável a dimensão social deste sacramento, no qual é toda a Igreja – militante (na terra), a padecente (no Purgatório), e a triunfante (no Céu) – que intervém em auxílio do penitente e o acolhe de novo em seu seio, tanto mais que toda a Igreja fora ofendida e ferida pelo seu pecado” (RP, 31, IV).

Em outra ocasião o Papa ensinou que:

“Numa misteriosa troca de dons, eles [no purgatório] intercedem por nós e nós oferecemos por eles a nossa oração de sufrágio” (LR de 08/11/92, p. 11).

E reafirmou em 02/11/94, que:

“…os vínculos de amor que unem pais e filhos, esposas e esposos, irmãos e irmãs, assim como os ligames de verdadeira amizade entre as pessoas, não se perdem nem terminam com o indiscutível evento da morte. Os nossos defuntos continuam a viver entre nós, não só porque os seus restos mortais repousam no cemitério e a sua recordação faz parte da nossa existência, mas sobretudo porque as suas almas intercedem por nós junto de Deus”.

Retirado do livro: “O que são as Indulgências”. Prof. Felipe Aquino. Editora Cléofas.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.