As aparições de Natividade (RJ)

Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 306 – Ano 1987 – p.
466

Em síntese: Em Natividade
(RJ) ocorreram nos anos de 1967 e 1968 quatro aparições atribuídas a Nossa
Senhora e recebidas pelo Dr. Sebastião Fausto Barreira de Faria. Duas Mensagens
foram ditadas ao vidente relativas a 1) uma pedra a ser cuidadosamente  guardada e todos os anos mergulhada na água
de um rego, 2) a preservação da devoção a Maria, Mãe de Deus, 3) o ecumenismo,
4) a migração da humanidade para  outros
mundos, etc. – A Virgem Maria Ter-se-á despedido “desde Éfeso”, ao encerrar a
Quarta aparição. – Ora um exame atento das Mensagens e das linhas
características dos fenômenos de Natividade leva a crer não sejam autênticas
aparições da Santa Mãe de Deus, mas, antes, a expressão do ânimo do
“vidente”.  A Igreja não se pronunciou a
respeito de Natividade nem há inquérito em curso a tal propósito, porque os
elementos em pauta não parecem justificar 
tal atenção.

A Fazenda de Coqueiro, perto
de Natividade (RJ), tornou-se em 1967
a 1968
a sede de aparições atribuídas a Nossa Senhora. O
vidente  foi o Dr. Sebastião Fausto
Barreira de Faria, médico e advogado. Até nossos dias, há ecos desses fenômenos,
que suscitam o interesse e as dúvidas dos fiéis. Eis por que as páginas
seguintes abordarão sumariamente o assunto.

Os fenômenos

Eis o resumo dos
acontecimentos baseado em relato do Dr. Fausto de Faria:

“As aparições foram em número
de quatro, testemunhadas unicamente pelo médico, cuja reação às duas primeiras
foi de espanto e de indescritível emoção e perplexidade às seguintes. A
terceira, devido ao aparecimento misterioso da pedra (Cefas), único fato visto
e confirmado por mais  cinco pessoas, foi
a mais impressionante. Todas ocorreram de tarde e num só lugar. A primeira, que
durou segundos, tendo Nossa Senhora apenas dito: “Não se assuste, volte”,
aconteceu a 9 de maio de 1967, quando ele se encontrava a sós, inspecionando a
construção de um rego na Fazenda Coqueiro, propriedade de sua família. A segunda,
de rápida duração também e na qual Nossa Senhora desapareceu sem nada dizer,
sucedeu oito dias após, a  17 de maio,
estando ele em companhia do seu administrador Jerônimo Zuza, e do fazendeiro
Anir Silva. Na terceira, a 12 de julho do mesmo ano, Nossa Senhora ditou, em
dez minutos aproximadamente, a primeira e enigmática mensagem, tendo ele, a seu
lado, a sua senhora, Maria Elisa, o médico Walter Novais, os fazendeiros Waldir
Carvalho e Bartholomeu Barra e o seu administrador, os quais, perplexos, viram,
no final, o aparecimento da pedra nas mãos do médico. A 12 de julho de 1968,
exatamente um ano depois da  terceira, e
não obstante ter ele ido ao local, nesse período, mais de cem vezes, sobreveio
a quarta e última, quando levou e mergulhou no regato a pedra misteriosa.

Nessa aparição, Nossa
Senhora, ao ditar a segunda e longa mensagem, contendo uma frase para a qual
pediu segredo, identificou-se claramente. Ao término da mesma, que se  prolongou por quase uma hora, um fato se deu:
uma nuvem escura isolada no céu claro, pairou sobre o local, deixando cair uma
neblina, seguida de uma aragem, o que causou 
grande emoção nas multidão ali comprimida.

As aparições tiveram lugar
num único ponto do regato existente no sítio Milagre, adquirido em princípio de
1967 e integrante da Fazenda Coqueiro, situada perto de Natividade, cidade do
extremo-norte do Estado do Rio de Janeiro…

Nossa Senhora apareceu
sempre em carne e osso, conforme expressão do médico, nítida e inconfundível
com qualquer criatura humana vista à curta distância. Olhava-o fixamente.
Sua  postura era ereta, com as mãos
juntas acima da cintura e os pés descalços dentro do leito  raso do regato. Um destaque impressionante:
as mãos e pés eram dourados! Usava um vestido inteiriço, de mangas largas,
de  tecido grosso e modelo primitivo,
cinza-azulado claro e um manto igual na cabeça. Era alta, magra, aparentando
aproximadamente quarenta e poucos anos. Pele alva, rosto oval e bonito, com uma
expressão acolhedora e santa. Olhos grandes, bem afastados um do outro,
castanhos claros, sendo na mesma cor os cabelos. Voz suave, num português
perfeito. Sorriu uma vez na primeira aparição e tornou-se triste na quarta, ao
ditar a seguinte frase: “Que conserve meu templo sempre aberto e inviolável!”
(extraído do livro citado no final deste artigo, pp. 7 e 8).

Quanto ao vidente, o Dr.
Fausto de  Faria, já falecido, nasceu no
Amazonas em 1915. Foi por duas vezes Deputado Estadual, abandonando a política
em 1959. Casou-se em 1938 com Maria Elisa Guimarães de Faria, da qual teve três
filhos. Confessou ele mesmo:

“A minha religiosidade
sempre fora assaltada por dúvidas e descrenças. Para os mistérios da vida e do
universo, eu sempre procurara os caminhos da 
Ciência. Jamais procurei o espiritismo ou acreditei em qualquer forma de
forças  ditas ocultas. Não fazer mal a
ninguém foi sempre uma espécie de preocupação 
filosófica e sentimento religioso dentro de mim. Contudo nunca  me julguei um homem perfeito nem puro”
(Relatório entregue ao Prof. Jurandyr Manfredini, psiquiatra).

Vejamos agora o texto das duas
Mensagens de  Natividade.

As Mensagens

Primeira Mensagem
(12/07/1967)

“Os meus símbolos têm vários
nomes, mas  eu sou uma única criatura.

Para os céticos e incrédulos,
eu sou a mensageira das verdades divinas.

Esta água passa por uma
cefas que há muitos anos caiu de onde eu venho. Quem dela beber,
penitenciando-se, conhecerá os milagres da fé e do amor.

Não deixe que o meu templo
seja incendiado – o templo do meu primeiro símbolo.

Apanhe esta cefas de ferro,
minério do qual o Brasil é muito rico, guarde-a íntegra, em Natividade, e
todos  os anos traga-a para ser colocada
nesta água.

Volte à sua vida e a seu
destino.

Ponha as mãos, assim, como
estão as minhas, dentro d’água, junto aos meus pés”.

Observação: o aparecimento
misterioso da cefas (pedra) nas mãos do vidente se deu após esta última frase,
quando ele retirou do regato as mãos e as abriu, a pedido da voz que lhe
falava.

Segunda Mensagem
(12/07/1968)

“Eu sou realmente Míriam, Mãe
Imaculada de Jesus unigênito.

Meu símbolo primordial,
porque característico, é a maternidade divina, razão da minha própria existência.

Meu  templo, que os ímpios e os apóstatas também
tentam destruir, é o culto universal à minha condição de Mãe de Deus feito
homem.

Eu sou a mensageira da fé e
do amor para a cristandade traumatizada pela discórdia, em meio à  humanidade ameaçada em seu espiritualismo.

À Igreja de meu Filho –
guardiã e intérprete primeira de sua doutrina – e da qual também sou Mãe, eu
transmito a seguinte exortação:

“Que, sem renúncia à sua essência
e aos seus valores fundamentais, sabiamente continue a ajustar sua ação à  face dos tempos, a  fim de melhor cumprir sua sagrada missão
espiritual, evangelizadora sobretudo, e participar, da maneira  mais ampla e decidida, mas  pacificamente, na solução dos problemas de
ordem social e econômica, atinentes à doença, à 
pobreza, à ignorância e à opressão, indispensável à paz dos povos e das
nações.

Que não esmoreça no longo e árduo
caminho da edificação de um só e grande 
templo que acolha a unificação do cristianismo, ampliando assim a fé e a
pregação em defesa da família e da sociedade contra as forças desagregadoras da
decadência espiritual e moral, os preconceitos, o orgulho e o ódio, a maldade e
a violência.

Que restabeleça o primado do
culto a Deus e a meu Filho, sem mácula das invocações àqueles cujas vidas
comprovadamente santas, sejam fontes perenes de virtudes.

Que conserve meu templo
sempre aberto, intransigível e inviolável.

Que mantenha a
respeitabilidade de seus templos, a hierarquia e a autoridade de seus oráculos
episcopais, principalmente do maior, de 
Cefas.

Que se acautele com os
incendiários da fé e da disciplina em seu próprio seio.

Atenção! Fica a seu critério
a conveniência e a oportunidade da divulgação da seguinte frase:

Que o homem, na sua
genialidade e grandeza – dádivas de Deus – não se ofusque com as suas
conquistas.

Em vão prenunciaram, porque
este mundo só se extinguirá com a sua luz, não antes de passarem milhões de
anos e de haver a humanidade caminhado para outros mundos.

Enquanto não for depositada
definitivamente no templo do qual sou padroeira, em Natividade, que jamais
falte alguém para guardar e aqui trazer, todos os anos, esta Cefas, penhor e símbolo
da minha presença permanente neste regato e neste recanto abençoado de fé e de
esperança, de consolo e resignação, e onde as graças por seu intermédio obtidas
sejam apenas registradas no silêncio da humildade, das orações e penitências,
em favor dos sofredores e infelizes, das almas, da união das famílias cristãs e
espirituais, dos pecadores e incrédulos.

Esta é a minha imagem, nesta
revelação. Que seja divulgada  com esta
mensagem.

Seu pedido  de Fátima e de Lourdes não pode ser atendido,
porque a fé não está condicionada às revelações de Deus. Sejamos bons e  humildes e oremos para alcançá-la  e senti-la.

Este é o meu segundo e último
adeus desde Éfeso.

Eu abençôo a todos aqui
presentes  que vieram com fé ou em busca
da fé, e desejo que minha bênção maternal 
chegue a todos quantos, homens e mulheres, em todas as partes do mundo,
com renúncia, abnegação e sacrifício, estão a serviço de Deus em seu apostolado
e ministério.

Não sinta a indiferença e o
insulto dos orgulhosos. Reze por eles.

Adeus”.

Comentários

Proporemos três considerações:

Reserva e sobriedade

Antes do mais, é sadia
atitude de fé manter  reserva diante de “todo
fenômeno extraordinário, até que haja plenamente evidência de que vem da  parte de 
Deus. Os caminhos pelos quais o Senhor quer atrair o homem, são os da fé,
que ilumina modesta e suficientemente os passos da criatura, sem estrondos nem
alardes. A criatura, sim, é propensa a ver ou proclamar milagres.

A experiência ensina que muitas
ilusões têm ocorrido nesse interesse por milagres. Especialmente nos últimos
decênios os conhecimentos mais apurados de Psicologia  e Parapsicologia têm contribuído para
explicar fenômeno que até então eram tidos necessariamente como intervenções  extraordinárias de  Deus.

Por conseguinte, no caso de
Natividade (RJ) é oportuno que um sadio espírito crítico (não demolidor, mas
construtivo) se exerça, a fim de que a 
verdade seja reconhecida sem mescla de erros.

O texto das Mensagens

A análise do texto das duas Mensagens
de natividade dá a ver  que o seu âmago é
um tanto vago e nem sempre  muito lógico;
usa locuções inadequadas – o que é pouco condizente com a Sabedoria de Nossa
Senhora. Vejamos:

Mensagem I

“Uma cefas que há muitos
anos caiu de onde eu venho…”. – Não deixa de ser estranho  o uso de 
um vocábulo aramaico dentro de uma frase brasileira, que  não necessitava de tal hibridismo (de resto a
transliteração autêntica seria kefa”). Quis Nossa Senhora dizer que a rocha ou
a pedra caiu do céu (ou de Éfeso) há muitos anos? – Ver, de resto, a segunda Mensagem,
onde a Virgem Maria se despede a partir de Éfeso…

A entrega de  uma pedra que devia ser cuidadosamente
guardada e todos os anos mergulhada de novo no rio, causa  espécie.

Mensagem II

Miriam… Outro vocábulo
aramaico, cujo emprego é descabido  no
contexto.

A entrega de uma pedra que
devia ser cuidadosamente guardada e toção do Cristianismo, ampliando assim a fé…
“Trata-se de um Templo espiritual que acolha 
todos os cristãos (impropriamente “a unificação do Cristianismo”)? “Ampliar
a fé” é inadequado; mais exato seria “difundir a fé”. Que significariam
ainda  as palavras “sem mácula das
invocações àqueles…” e “invocações maculadas”?

Aqueles cujas vidas
comprovadamente santas sejam fontes perenes de virtudes…”. No caso, melhor do
que “fontes” dir-se-ia “estímulos”.

O artifício de uma frase
deixada em segredo, cuja revelação estaria a critério do vidente, também é algo
de fantasioso.

A profecia “escatológica”
prevê milhões de anos para este mundo (que ainda é relativamente  jovem). A humanidade passará para outros
mundos. – Estas  predições contradizem à
praxe do  Senhor Jesus, que recusou
fazer  qualquer profecia  sobre a data do fim do mundo. A migração da
humanidade para outros planetas é tema de romances de ficção científica,
mas  não é tema teológico.

O  Dr. Fausto se impressionou pelo fato de que a
Mensagem aludiu ao “seu pedido de Fátima e Lourdes” (pedido de sinais para
incrédulos). Ora não há razão para crer que a Virgem Maria tenha feito menção
desse anseio; o próprio vidente pode ter tirado do seu íntimo ou da sua experiência
a resposta que ele atribuiu a Nossa Senhora.

A Virgem SS. deu o segundo e
último Adeus desde Éfeso… Segundo em relação a qual primeiro? Seria em relação
à aparição anterior? – Desde Éfeso? Maria está em Éfeso? As descobertas arqueológicas
mostram com evidência que Maria morreu em Jerusalém, onde hoje se aponta o seu
túmulo; a tradição referente à morte de Maria em Éfeso é recente, ou seja, data
do tempo de Ana Catarina Emmerich, 1774-1824; esta Religiosa recebeu graças
singulares, mas as revelações que se lhe atribuem não são fidedignas, pois
foram redigidas por outrem, isto é, por Clemente Brentano. Somente em 1890
começou a ser cultuada memória da Santa Mãe de Deus em Éfeso, no monte
Coressos, num Santuário chamado Meryemana (Turquia).

Em suma, quem procura
depreender o significado das duas Mensagens de Natividade, depara-se com muitas
palavras e pouco conteúdo; as  frases estão
mal redigidas tanto do ponto de vista lógico como do ponto de vista teológico.
Dir-se-ia que exprimem, sim, aquilo que o Dr. Fausto podia trazer em seu
inconsciente, como  resultado de
leituras, conversas e contato com fontes religiosas¹. É difícil, porém,
justapor tais mensagens àquelas que emanaram de Lourdes e Fátima, nas quais a
precisão teológica, a concisão e a simplicidade do estilo se impõem ao leitor.

Comprovação?

A autoridade da Igreja não
se pronunciou sobre o  tema “Natividade”,
nem há inquérito eclesiástico sobre o caso, talvez por não se encontrarem aí
elementos que mereçam atenção mais detida… De outro lado, verifica-se que a
própria Providência Divina não parece estimular o recurso às Mensagens de
Natividade, pois o fenômeno tem passado despercebido à grande maioria  dos fiéis do Brasil, e tende a cair cada vez
mais no esquecimento.

As  informações 
utilizadas neste artigo foram extraídas do livro do Pe. Celso Caucig: “A
Revelação de Nossa Senhora “Mãe de  Deus”
a um médico de Natividade (RJ)”, São Paulo 1971. Este livro toma posição  eloqüentemente favorável às aparições de
Natividade e tem o Imprimatur do Bispo de Assis (SP) e da Cúria Metropolitana
de São Paulo; todavia em ambas as 
concessões os signatários observam explicitamente que a  licença para imprimir o livro não significa
pronunciamento sobre a autenticidade dos fatos alegados; mas apenas implica que
em tal obra nada se encontra que seja contrário aos ensinamentos da Igreja.

Estes elementos parecem
suficientes para que o leitor  possa  avaliar as “aparições” de Natividade.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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