Antropologia e Generalidades – EB – Parte 6

Gn
28,5s: Abraão morreu e foi reunido à sua parentela. 

Gn 35,29: Isaque
morreu a reuniu-se a sua parentela.

Gn 49,33: Jacó
expirou a foi reunido aos seus.

Si 73,23s:
“Estou sempre contigo… Tu me conduzes corn teu conselho a com tua glória
me atrais”.

SI 16,8:
“Minha carne repousa em segurança, pois não abandonais minha nephesh (alma) no cheol, nem
deixais qua teu fiel veja a corrupção do sepulcro”.

Mt
6,19s: “Não acumuleis tesouros sobre a terra (…) onde os ladrões
arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus… onde os ladrões não
arrombam nem roubam”.

Lc 23,43:
“Jesus respondeu (ao ladrão arrependido): ‘Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no paraíso’.”

Da parte das
Testemunhas e de outros crentes, cita-se ainda o texto de Ecl 9,5s:

‘Os vivos sabem
ao menos que morrerão; os mortos, porém, não sabem, nem tem recompensa, porque
sua memória caiu no esquecimento… Eles nunca mais participarão de tudo o que
se faz debaixo do sol.

Estes dizeres
datam do século IV a.C. (muito provavelmente), época am que a revelação da
sorte póstuma ainda era muito polida. 
Ela se efetuou lentamente entre os judeus por causa do perigo de culto
aos mortos, que era usual entre os pagãos vizinhos de Israel. O autor do Eclesiastes
compartilhava a crença no cheol, lugar subterrâneo no qual os mortos estariam
sempre adormecidos e inconscientes.  Daí
as afirmações de Ecl 9,5s.

Tal fase da
história cedeu a plena revelação da sorte póstuma.  Assim, por exemplo, no Antigo Testamento
mesmo o livro da Sabedoria professa consciência lúcida naqueles qua passaram
para o além:

‘Os justos vivem
para sempre. Recebem do Senhor sua recompensa; cuida deles o Altíssimo.  Receberão a magnífica coroa real, das mãos do
Senhor, o diadema de beleza’ (Sb 5,15s).

Além disto,
tornou-se clara a ideia de ressurreição dos mortos nos útimos livros do Antigo
Testamento.  Ver Dn 12,2s:

‘Muitos dos que
dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida etema e outros para o opróbrio,
para o horror eterno.  Os qua são
esclarecidos resplandecerão como o resplendor do
firmamento; e os que ensinam a muitos a justiça, hão de ser como as estralas por toda a eternidade’.  Ver também 2 Mc 7,9.11,14-36.

O Novo Testamento
é muito explícito ao prometer a visão de Deus face-a-face como recompensa dos justos.  Ver 1 Jo 3,2:

 

‘Caríssimos,
desde já somos filhos de Deus, mas e que nós seremos ainda não se
manifestou.  Sabemos que, por ocasião
desta manifestação, seremos semalhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele É”.

Ver também I Cor
13,12; Mt 5,8.

Estes dados evidenciam
bem que não se deve isolar um texto bíblico do seu contexto, não levando em
conta os antecedentes e paralelos que contribuem para elucidar o sentido de tal
passagem. A alma
humana, sendo espiritual, é, por sua natureza mesma, imortal, independente da
sua conduta santa ou pecadora.

MÓDULO 6: A MORTE (V) – GREGOS, JUDEUS E CRISTAOS

Para melhor compreender o que há de belo a inédito na
mensagem do Evangelho, importa ao cristão colocá-la sobre a seu pano de fundo,
ou seja, sobre os antecedentes do Cristianismo. 
Desta maneira salta mais as olhos o que há de novo, e também o que há de
perene, na Boa-Nova de Jesus Cristo.

O que faremos neste Módulo, comparando entre si o
pensamento grego pré-cristão, o pensamento hebraico e o pensamento cristão no
tocante a morte.

Lição 1: O Pensamento Grego

0 século V antes de Cristo foi em Atenas (Grécia) o século
de P6ricies (495-429 a.C.),
a maior estadista ateniense, qua favoreceu enormemente a cultura a a
democracia.  Sob a seu governor am 441 a.C., a teatrólogo grego
Sófocles escreveu a drama Antigona, representado pela primeira vez no teatro de
Dionisio, ao pé da Aerópole de Atenas; o cenário natural dessa pega era
estupendo, pois compreendia a mar com suas baias, suas ilhas, e as montanhas do
Pireu no fundo.  Nessa representação
teatral, Sófocles quis cantar o hino do homem-rei-das-criaturas-visíveis.  Tal texto é otimista ao descrever
profusamente a atividade do homem na terra e no mar, mas esbarra, no final,
corn a perspectiva da morte inexorável, diante da qual a homem tem de
capitular.  Eis o hino de Sófocles:

‘O CORO – Numerosas são as
maravilhas da natureza, mas de todas a maior maravilha é a do homem.  Através do mar que começa a clarear, impálido
palo vento do sul, ele (o homem) avança e passa sob as vagas volumosas que
rugem em torno dele.  A divindade
superior a todas as outras, a ‘imortal’, inesgotável, consegue caçá-la com seus
arados que, ano após ano, vão e voltam por cima dela, revolvendo-a com animais
de raça e etnia.

E a tribo dos pássaros ligeiros, ele a apreende e
captura; as hordas de animais selvagens e as seres marinhos do oceano, o homem apanha-os
nas dobras das Fades tecidas.  Ele domina
também, par mt?io de armadilhas, a animal agreste, montanhas; e, o cavalo de
pescoço felpudo, o homem há de conduzí-lo sob o jugo que a mantém preso dos
dois lados, fazendo a mesmo com o incansável touro das montanhas.

E a língua, e o pensamento alado e os costumes controlados,
ele as aprendeu da mesma forma como soube fugir das investidas, em pleno ar,
das penosas geadas e das chuvas importunas, pois que ele é fecundo em recursos;
nada Ihe falta absolutamente para qualquer instante do futuro que dele se
aproxima; somente diante do Hades não encontra meios de fugir (…) mas, apesar
disto, ele imaginou um modo de curar as doenças contra as quais nada podia
fazer para defender-se delas.

Dotado, em sua habilidade, de uma engenhosidade
inesperada, ele pende ora para a mal, ora para a bem, confundindo as leis da
terra e o direito que jurou pelos deuses observar, quando se acha a frente de
uma cidade; ele se torna indigno de tal cargo quando pratica o mal em sua audácia.  Não se assente em meu lar, não tenha nenhum
pensamento comum comigo, aquele que age dessa maneira’ (Antífona, / vv.
333-375).

Em síntese, o canto quer dizer qua muita coisa grande
e bela existe, mas nada é maior do que o homem. 
Se há muita coisa misteriosa a surpreendente no mundo, nada 6 mais
surpreendente a misterioso do qua a homem, merecedor de toda revergncia.  Ele rasga a Terra (Gu6) com arados a cavalos (…), a Terra, que é a
maior das deusas, sempre fecunda (…) Também pássaros, feras, peixes Ihe estão
submissos (…) Só não Ihe toca uma habilidade: a de escapar do Hades ou da
Morte.

A morte era, sim, para as gregos, a diferencial entre
os deuses e os homens, pois a mitologia atribuia aos deuses orgias, bacanais,
guerras e crimes, mas isentava-os da morte, conferindo-lhes a athanasia
(imortalidade); as homens tinham também suas orgias

1. Go (gud), em grego, é a terra, tida com deusa-mãe
sempre fecunda, pois todos os anos ela dá seus frutos.

2. Hades, em grego, era a região subterrânea dos
mortos ou a própria morte (.), e guerras, mas eram implacavelmente sujeitos a
morte.  Isto entristecia profundamente os
gregos.

Com outras palavras: os mestres gregos ensinavam as
crianças de boa família as virtudes que perfaziam o ideal da felicidade (eudalmonia):
a virilidade, o autodomínio, a paciência heroica, a justiça, a sensatez (…) O
retrato esboçado era atraente.  Apesar de
tudo, porém, o homem grego não se dava por plenamente satisfeito corn tal
proposta.  Através da literatura helênica
encontra-se uma nota triste.  Com efeito,
o oráculo de Delphos preceituava: Gnothi seauten, “conhece-te a ti
mesmo”.  Esse conhecer-se implicava
tomar conhecimento de que o homem é mortal; e mortal,  não é deus; somente os deuses são
imortais.  Um abismo separa dos deuses os
homens; eles não são da mesma estirpe. 
Diz Pindaro (t 438 a.C.)
explicitamente:

‘Nós outros, mortais, só desejamos da parte dos
deuses bens que nos estejam proporcionados. 
Conhecemos bem a nossa estrada, a porção que nos foi assinalada.  Não queiras, ó alma minha, desejar uma vida sem fim”
(Pitesinas 3,59).

A felicidade dos homens era finita, a dos deuses sem
fim.  A tristeza podia levar à resignação
e ao desfinimo.  Foi o que se deu, por
exemplo, na escola de Epícuro (341-320 a.C.); este era um homem doente que,
sentado num jardim, ensinava corn voz comedida, semblante suave e tranquilo.  Não aspirava a imortalidade e, por isto,
apregoava o gozo desta vida mortal.  E como? – A felicidade está na ataraxia, imperturbabilidade,
que decorre da fuga (…), é preciso fugir de todas as atividades de ordem técnica
ou profissional, retrair-se de todos os empreendimentos e viver as ocultas;
quem se envolve em tarefas, cria para si aborrecimentos e perturbações; daí a
necessidade de as evitar. 0 sábio não deseja coisa alguma; ele basta a si
mesmo; sob este aspecto, ele é como
os deuses; aí está, conforme Epicuro, a nova forma de imitar os deuses. São
palavras do mestre ao discípulo Meneceu:

‘Medita todos estes ensinamentos (…) Medita-os dia
e noite, tu a sós e também com um companheiro de virtude.  Se o fizeres, não experimentarás a mínima
perturbação, nem dormindo nem acordado, e viverás como um deus entre os homens’ (66,5-10).

Assim vemos como o pensamento grego podia, de um lado, valorizar o
homem e seus empreendimentos (como
faz Sófocles), mas, de outro lado, era sujeito a capitular diante da frustração
que a inexorável Morte lhe podia suscitar. 
A morte era a grande bofetada infligida ao homem pelo curso natural das
coisas, irônico e enganador.

Passemos agora ao
pensamento hebraico, que era inspirado não pela mitologia, mas pela crença num
só Deus, que se revelou a Abraão e aos Patriarcas.

Lição 2: O Pensamento Hebraico

Encontra-se na
literatura hebraica um texto paralelo ao de Sófocles, se bem que caracterizado
por matizes diferentes. O salmo 8 atribuido ao rei Davi (século X a.C.), cujo
texto é o seguinte:

Javé, Senhor nosso,

Como
é magnífico o teu nome por toda a terra! 
Teu esplendor sobre os céus é proclamado pela boca das crianças e dos
pequeninos. Estabeleceste, contra os teus inimigos, uma fortaleza contra o
adversário e o rebelde para reprimir,

Quando vejo o céu, obra dos
teus dedos,

a lua e as estrelas que Tu
fizeste (…)

Que é o homem para que te
lembres dele,

e o filho de Adão, para que
venhas visitá-lo?

Tu o fizeste um pouco
inferior a um Deus,

Coroando-o de glória e
beleza.

Tu o estabeleceste sobre as
obras de tuas mãos, Tudo colocaste debaixo de seus pés:

Ovelhas e bois, todos eles

e até as feras dos campos;

As aves do céu e os peixes
do oceano,

que percorrem as sendas dos
mares.

Ó Javé, Senhor nosso,

como
é magnífico o teu nome por toda a terral”

Em poucas palavras: o salmista eleva um canto de
louvor a Deus, ao contemplar a noite o céu do Oriente. Ao perceber a grandeza e
a sabedoria do Criador no conjunto das criaturas, das quais o homem é o rei, o
cantor sagrado se expande em admiração e gratidão digna de nota a estrutura do
Salmo:

vv. 2-5: o Grande Deus, o Grande Cosmos, o pequeno
homem;

vv. 6-10: o Grande Homem, o pequeno cosmos, o Grande
Deus.

ou ainda:

Deus Grande -Homem Grande

vv. 2-5 Mundo pequeno

vv. 6-1 0 Homem pequeno – Deus Grande

Deus é sempre grande. O homem, pequeno no grande
conjunto das criaturas, é aprofundado e reconhecido como grande no conjunto das criaturas
pequenas.

Comparando o texto do Salmo com o de Sófocles, -verificamos
que o salmista começa não com o louvor do homem ou da criatura, mas corn o
louvor de Deus. É também louvando a Deus que o salmo termina.  Deus é o Alfa e o Õmega.  Tudo é envolvido por Ele.

Após verificar a pequenez corpórea do homem no conjunto
das demais criaturas visíveis, o autor sagrado afirma que o homem foi posto um
pouco abaixo de Deus (Elohim); eis uma ousadia não arrogante, mas santa,
baseada na revelação biblical segundo a qual Deus fez o homem ‘a sua imagem e
semelhanga (cf.  Gn 1,26-28).

A seguir, o salmista, como Sófocles, enumera as
criaturas sujeitas ao homem (pássaros, feras, peixes (.), há, porém, uma
diferença: segundo Sófocles, é o homem quem tudo submete a si, ao passo que,
segundo o autor biblico é Deus quem tudo submete ao homem.

Como se vê, o homem ora é pequeno, ora é
grande. O mundo ora é grande, ora é pequeno. 
Nessa troca de grandeza e pequenez, somente Deus é estável, o
referencial permanente de todas as criaturas.

A grandeza do homem, feito ‘a imagem e semelhança de
Deus, é bem explanada pelo filósofo francês Blaise Pascal (+ 1662):

“Os corpos todos, o firmamento, as estrelas, a
terra e seus reinos não têm o valor do mínimo dos espíritos, pois o espírito
conhece isso tudo e conhece a si mesmo, ao passo que os corpos nada conhecem.  Todos os corpos juntos, todos os espíritos
juntos a tudo o que eles produzem, não valem o mínimo ato de caridade.  Pois este se situa num plano infinitamente mais elevado.  Não hei de avaliar a minha dignidade a partir
do espaço que ocupo, mas a partir do mau exercício de pensar.  Pelo seu espaço, o universo me compreende a
me traga como
se fosse um mero ponto; mas pelo pensamento eu compreendo o espaço’ (Pensamentos,
ed.  Brunschvicg p. 739 e 348).

Ou ainda:

‘O homem é um caniço apenas, o mais fraco da natureza
(…), mas é um caniço pensante.  Um
vapor, uma gota d´água bastam para matá-lo. 
Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do
quo aquilo que o malaria, pois ele sabe que morre; ao contrário, a vantagem que
o universo tem sobre o homem, o universo o ignora.  Por conseguinte, toda a nossa dignidade
consiste no pensar’ (Pensamentos, n9 347).

Voltando ao texto do salmo 8, devemos acrescentar
que, embora diferisse de Sófocles em alguns pontos, o salmista concordaria com
ele ao reconhecer o caráter inexorável da morte; o autor sagrado a tinha também
como uma bofetada, que reduzia o homem a condição de sombras (refaim)
inconscientes, relegadas para o cheol subterrâneo e incapazes de receber
qualquer sanção.

Passemos agora ao Novo Testamento.

 

Lição 3: O Pensamento
Cristão

O salmo 8 é considerado um salmo eminentemente
messiânico, o que quer dizer qua as suas afirmações só são plenamente verídicas
se aplicadas ao Messias.

Na verdade, os escritos do Novo Testamento se
comprazem em aplicar o salmo 8 a
Jesus Cristo, verdadeiro homem (além de verdadeiro Deus), que exerceu o domínio
sobre as criaturas visíveis.  Veja-se Hb
2,5-9:

‘Não foi a anjos que Deus sujeitou o mundo futuro (…).
A esse respeito houve quam afirmasse: Que é o homem, para que dele te
lembres?  Ou o filho do homem, para que o
visites?  Fizeste-o, por um pouco, menor
que os anjos; de glória e de honra o coroaste, e todas as coisas colocaste
debaixo dos seus pés. Se Deus Ihe submeteu todas as coisas, nada deixou qua Ihe
ficasse insubmisso.  Agora, porém, ainda
não vemos que tudo lhe esteja submisso. 
Vemos todavia a Jesus, que foi feito, por um pouco, menor que os anjos,
por causa dos sofrimentos da morte coroado de honra a de glória. É que pela
graça de Deus ele provou a morte em favor de todos os homens’.

O Novo Testamento acrescenta algo de novo ao Antigo e
ao pensamento de Sófocles: a própria morte, o homem Jesus Cristo a venceu:

‘Épreciso que Ele (Cristo) reine até que tenha posto
todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruido
será a morte, pois a tudo colocou debaixo dos pés dele (Cristo) (…). E,
quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se
submaterá àquele que tudo Ihe submeteu, para que Deus seja tudo em todos’ (I
Cor 15,25-28). Cf.  Ef 1,22.

Em 1Cor 15,26 está dito qua a vitória sobre a morte
ainda nao está consumada.  Só estará
plena, quando o último cristão ressuscitar. – Por conseguinte, a vitória de
Cristo sobre a morte é dada ao cristão.  Assim se dissipa a tristeza que obscurecia o
quadro otimista de Sófocles e do salmo 8.  A ressurreição de Cristo é o penhor da
ressurreição de todos os homens.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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