Antigo Testamento: lendas ou história real?

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Com base no artigo de Alan Millard: “La arqueologia y la fiabilidad de la Bíblia”, na revista ECCLESIA 2004-2, pp. 147-156, Dom Estevão Bettencourt nos apresenta sérias provas de existência dos personagens bíblicos do Antigo Testamento.

É discutida a historicidade de personagens e episódios do Antigo Testamento, visto que as escavações arqueológicas nem sempre confirmam os escritos.

Moisés: Embora tenha desempenhado papel importante no Egito do século XIII a. C., Moisés é totalmente desconhecido fora do mundo bíblico; donde a pergunta: por que nada se encontra a respeito dele nas inscrições e nos documentos do Egito? Terá realmente existido? – Para entender este silêncio, levem-se em conta dois fatores:

a) os faraós mandavam gravar as suas façanhas heroicas nas pedras de seus tempos: os administradores confeccionavam listas de receitas e despesas…, mas nos templos do Egito nunca se registravam desastres ou a tragédia das tropas impedidas de atravessar o Mar Vermelho…

b) para escrever, os egípcios usavam papiro, matéria que se deteriorava na umidade do país; eram bem conservados os rolos de papiros enterrados ou guardados em túmulos. Por conseguinte não causa surpresa o silêncio relativo a Moisés no documentário do Egito.

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Davi: O rei Davi (1010-970) foi muito importante em sua época não somente por sua atuação em Israel, mas também por sua projeção fora do país. Não obstante, as fontes literárias dos povos vizinhos não o mencionam; daí a questão: terá existido mesmo?

Em resposta note-se que naquela época (por volta do ano 1.000 a. C.) os egípcios não se interessavam por assuntos de fora das suas fronteiras. Quanto à Assíria, estava ocupada em debelar as tribos aramaicas que se agitavam e tinham invadido a Babilônia, além de terem fundado o reino de Damasco. No tocante a Tiro, sabe-se que os seus reis foram amigos de Israel, mas também nos documentos de Tiro não há referência a Davi. Nem este fato causa estranheza, pois Tiro é cidade, ainda hoje existente, de cujo passado quase nada se sabe; não apresenta inscrição alguma de seus próprios reis. Por isto não causa espécie o silêncio sobre o rei Davi.

Recentemente foi descoberto em Tel Dan (fronteira setentrional de Israel) um fragmento de tábua de pedra portadora de inscrições em caracteres fenícios: registra a vitória de um rei cujo nome se perdeu pela fragmentação da pedra; poderia ser Razael de Damasco: venceu “um rei da Casa de Davi”. Estes dizeres dão testemunho de que, por volta de 849 a. C., havia uma dinastia fundada por um rei chamado Davi. Tem-se assim uma referência extra-bíblica ao rei Davi e à sua descendência.

É importante considerar ainda a armadura com que Davi se muniu para enfrentar o gigante Golias (1 Sm 17, 5-7). “Cobria a cabeça com um capacete de bronze; vestia uma couraça de escamas que pesava cinco mil siclos de bronze e trazia as pernas protegidas por peneiras de bronze e um escudo de bronze entre os ombros. A haste de sua lança era como uma travessa de tear e a ponta de sua lança pesava seiscentos siclos de ferro”.

No trecho acima aparece quatro vezes a palavra “bronze” e uma vez o vocábulo “ferro”. Este pormenor oferece valiosa pista para se definir a data do relato. Com efeito, se este tivesse sido redigido em época tardia, ou seja no século VII a. C., ou depois, a proporção dos metais seria estranha, pois então a armadura de um guerreiro seria de ferro; o bronze seria antiquado, ao passo que no século XI a. C, (época de Davi), o bronze era habitual e o ferro ainda era uma novidade reservada a casos especiais, como seria o da ponta de lança. Um escritor que redigisse um relato fictício sobre Davi 400 anos após a morte deste, não teria conhecimento de tais minúcias. Pergunta-se então: se o episódio da luta de Davi contra Golias é digno de crédito, por que não o seria a narrativa de outras façanhas do rei Davi?

Do livro do Gênesis até os livros dos Reis não há referência a moedas: está só ocorre nos livros posteriores ao exílio (587-538 a. C.); usava-se a palavra “siclo”, que significava anéis ou barras de ouro e prata, com os quais se fazia o comércio. Assim Abraão comprou o campo de Efron por 400 siclos de prata, a fim de lá enterrar sua esposa Sara; cf. Gn 23, 16; o ciclo era posto na balança ou pesado. Verdade é que em 1 Cr 29, 7 se diz que Davi pagou com moedas; isto se explica pelo fato de terem sido os livros das Crônicas escritos após o exílio. As primeiras moedas foram cunhadas e postas em circulação pelos persas no ano de 600 a. C., aproximadamente. Será lícito então concluir que o uso da palavra “siclo” é sinal de que os mencionados livros foram escritos em época remota, como relatos históricos e não como produtos de ficção literária.

O conjunto dos indícios catalogados fundamenta satisfatoriamente a tese de que a historiografia do Antigo Testamento é digna de crédito.

Fonte: Revista: “Pergunte e Responderemos”, Nº 510 – Ano 2004 – Pág. 545; Em PR 485/2002, pp. 445ss.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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