Anna Catharina Emmerich – EB (Parte 2)

Eis outro episódio muito vivaz:

3.  Jesus entre os dois ladrões

“Depois de crucificar os ladrões e de repartir as vestes do Senhor, juntaram os carrascos todos os instrumentos e ferramentas e insultando e, escarnecendo mais uma vez a Jesus, foram-se embora.  Também os fariseus, que ainda estavam, montavam nos cavalos e, passando diante de Jesus, dirigiram-lhe muitas palavras insultuosas e seguiram para a cidade.  Os cem soldados romanos, com os respectivos comandantes, puseram-se também em marcha, pois veio outro destacamento, de cinqüenta soldados romanos, ocupar-lhes o lugar.  Esse destacamento era comandado por Abenadar, árabe de nascimento, que mais tarde, no batismo, recebeu o nome de Ctesifon.  O oficial subalterno que estava com essa tropa, chamava-se Cassius; era também muitas vezes encarregado por Pilatos de levar mensagens; recebeu depois o nome de Longinus.  Vieram também a cavalo doze escribas e alguns anciãos do povo, entre os quais os que foram pedir mais uma vez outra inscrição para o título da cruz; Pilatos nem os tinha deixado entrar.  Cheios de raiva, andaram a cavalo em redor do lugar do suplício e expulsaram dali a Santíssima Virgem, chamando-a de mulher perdida.  João levou-a para junto das outras mulheres, que estavam mais afastadas; Madalena e Marta ampararam-na nos braços.

Quando, fazendo a volta da cruz, chegaram diante de Jesus, balançaram a cabeça, dizendo: “Arre! Impostor! Como é que destróis o Templo e o reedificais em três dias ?  Queria sempre socorrer os outros e agora não se pode salvar a si mesmo. – Se és o Filho de Deus, desce da cruz.  Se é o rei de Israel, então desça da cruz e creremos nEle.  Sempre confiava em Deus, que Ele venha salvá-Lo agora”.  Os soldados também zombavam, dizendo: “Se és o rei dos judeus, salva-te agora”.

Quando Jesus ainda pendia desmaiado, disse Gesmas, o ladrão à esquerda: “O demônio abandonou-O”.  Um soldado fincou então uma esponja embebida em vinagre sobre a ponta de uma vara e chegou-a nos lábios de Jesus, que pareceu chupar um pouco.  As zombarias continuavam.  O soldado disse: “Se é o rei dos judeus, salva-te”.  Tudo isso se deu enquanto o destacamento anterior era substituído pelo de Abenadar.

Jesus levantou um pouco a cabeça e disse: “Meu Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”, depois continuou a rezar em silêncio.  Então gritou Gesmas: “Se é o Cristo, salva-te a ti e a nós”.  Escarneciam-nO sem cessar; mas Dimas, o ladrão da direita, ficou muito comovido, ouvindo Jesus rezar pelos inimigos.  Quando Maria ouviu a voz de seu Filho, ninguém mais pôde retê-la; penetrou no círculo do suplício; João, Salomé e Maria, filha de Cléofas, seguiram-na.  O centurião não as expulsou.

Dimas, o bom ladrão, obteve pela oração de Jesus uma Iluminação Interior, no momento em que a Santíssima Virgem se aproximou.  Reconheceu em Jesus e em Maria as pessoas que o tinha curado, quando era criança e exclamou em voz forte e distinta: “O que? É possível que insulteis Àquele que reza por vós”? Ele se cala, sofre com paciência, reza por vós e vós o cobris de escárnio ? Ele é um profeta, é nosso rei, é o Filho de Deus”.  A essa inesperada repreensão da boca de um miserável assassino, suspenso na cruz, deu-se um tumulto entre os escarnecedores; apanhando pedras, quiseram apedrejá-lo ali mesmo, mas o centurião Abenadar não o permitiu; mandou dispersá-los e restabeleceu a ordem.

Durante esse tempo a Santíssima Virgem se sentia confortada pela oração de Jesus.  Dimas, porém, disse a Gesmas, que gritava a Jesus: “Se és o Cristo, salva-te a ti e a nós”.  “Também tu não temes a Deus, apesar de sofreres o mesmo suplício que Ele ? Quanto a nós, é muito justo, pois recebemos o castigo de nossos crimes; este, porém, não fez mal algum.  Pensa nisto, nesta última hora e converte-te de coração”.  Essas palavras e outras mais disse a Gesmas, pois estava todo comovido e iluminado pela graça; confessou suas faltas a Jesus e disse: “Senhor, se me condenardes, será muito justo; mas tende misericórdia de mim”.  Respondeu Jesus: “Experimentarás a minha misericórdia”.  Dimas recebeu, por um quarto de hora, a graça de um profundo arrependimento” (pp. 280s).

Como se vê, Gesmas era o nome do mau ladrão.

Continua a narração da Paixão.

4.  Jesus e sua Mãe Santíssima

“Até pelas 10 horas, quando Pilatos pronunciou a sentença, caíra várias vezes chuva de pedra; depois, até às 12 horas, o céu estava claro e havia sol; mas depois do meio dia, apareceu uma neblina vermelha, sombria, diante do sol.  Pela Sexta hora, porém, ou como vi pelo sol, mais ou menos às doze e meia, houve um eclipse milagroso do sol. Vi como isso se deu, mas infelizmente não pude guardá-lo na memória e não tenho palavras para o exprimir.  A princípio fui transportada como para fora da terra; vi muitas divisões no firmamento e os caminhos dos astros, que se cruzavam de modo maravilhoso.  Vi a lua do outro lado da terra; vi a voar rapidamente ou dar um salto, como um globo de fogo; depois me achei novamente em Jerusalém e vi a luz aparecer sobre o monte das Oliveiras, cheia e pálida, – o sol estava velado pelo nevoeiro, – e ela se moveu rapidamente o oriente, para se colocar diante do sol.  No começo vi, no lado oriental do sol, uma lista escura, que tomou em pouco tempo a forma de uma montanha, cobrindo-o depois inteiramente.  O disco do sol parecia cinzento escuro, rodeado de um círculo vermelho, como uma argola de ferro em brasa.  O céu tornou-se escuro; as estrelas tinham um brilho vermelho.  Um pavor geral apoderou-se dos homens e dos animais, o gado fugiu mugindo, as aves procuravam um esconderijo e caíam em bandos sobre as colinas em redor do Calvário; podiam ser apanhadas com as mãos.  Os zombadores começaram a calar-se; os fariseus tentavam explicar tudo como fenômeno natural, mas não conseguiram acalmar o povo e eles mesmos ficaram interiormente apavorados.  Todo o mundo olhava para o céu; muitos batiam no peito e, torcendo as mãos, exclamavam: “Que o seu sangue caia sobre os seus assassinos!”.  Muitos, de perto e de longe, caíram de joelhos, pedindo perdão a Jesus, que no meio das dores volvia os olhos para eles.

A escuridão aumentava, todos olhavam para o céu e o Calvário estava deserto; ali permaneciam apenas a Mãe de Jesus e os mais íntimos amigos; Dimas, que estivera mergulhado em profundo arrependimento, levantou com humilde esperança o rosto para o Salvador e disse: “Senhor, fazei-me entrar num lugar onde me possais salvar; lembrai-vos de mim, quando estiverdes no vosso reino”.  Jesus respondeu-lhe: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso”.

A Mãe de Jesus, Madalena, Maria de Cléofas, Maria Heli e João estavam entre as cruzes dos ladrões, em redor da cruz de Jesus, olhando para Nosso Senhor.  A Santíssima Virgem, em seu amor de mãe, suplicava interiormente a Jesus que a deixasse morrer com Ele.  Então olhou o Senhor com inefável ternura para a Mãe querida e, volvendo os olhos para João, disse a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho; será mais teu filho do que se tivesse nascido de ti”.  Elogiou ainda João, dizendo: “Ele teve sempre uma fé sincera e nunca se escandalizou, a não ser quando a mão quis que fosse elevado acima dos outros”.  A João, porém, disse: “Eis aí tua Mãe!” João abraçou com muito respeito, como um filho piedoso, a Mãe de Jesus, que se tinha tornado também sua Mãe, sob a cruz do Redentor moribundo.  A SS. Virgem ficou tão abalada de dor, após essas solenes disposições do Filho moribundo, que, caindo nos braços das santas mulheres, perdeu os sentidos exteriormente; levaram-na para o aterro em frente à cruz, onde a sentaram por algum tempo e depois a conduziram para fora do círculo, para junto das outras amigas.

Não sei se Jesus pronunciou alto todas essas palavras; percebi-as interiormente, quando, antes de morrer, entregou Maria Santíssima, como Mãe, ao Apóstolo querido e este, como filho, a sua Mãe.  Em tais contemplações se percebem muitas coisas, que não foram escritas; é pouco apenas o que pode exprimir a língua humana.  O que lá é tão claro, que se julga compreender por si mesmo,  não se sabe explicar com palavras.  Assim não é de admirar que Jesus, dirigindo-se à Santíssima Virgem, não disse: “Mãe”, mas “mulher”; pois que ela ali estava na sua dignidade de mulher que devia esmagar a cabeça da serpente, naquela hora em que aquela promessa se realizava, pelo sacrifício do Filho do Homem, seu próprio filho.  Não era de admirar lá que Jesus desse João por filho àquela a quem o Anjo saudara: “Ave Maria, cheia de graça”, porque o nome de João significa “graça”; pois todos são o que os respectivos nomes significam e João tornara-se filho de Deus e Jesus Cristo vivia nele.  Percebia-se que Jesus, naquele momento, dava com aquelas palavras uma mãe, Maria, a todos que, como João, O recebem e, crendo nEle, se tornam filhos de Deus, que não foram nascidos do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas do próprio Deus” (pp. 282s).

Eis, por fim, algo que muito pode surpreender:

5.  O nome do Calvário

“Pensando no nome do rochedo da crucifixão, Gólgota, Calvário, que significa lugar da caveira, entrei numa contemplação muito completa sobre esse lugar, desde Adão até Jesus Cristo.

Vi Adão na gruta do Monte das Oliveiras, onde Jesus suou sangue: foi depois da expulsão do Paraíso; vi que Set foi prometido a Eva na gruta de Belém, onde também nasceu; Eva viveu também, nas grutas perto de Hebron, onde depois havia o convento Masfa dos Essenos.

Após o dilúvio, vi a região de Jerusalém muito mudada.  Tornara-se rochosa, sinuosa e sinistra; sob o rochedo do Calvário, muito profundamente, mas foi mostrado o sepulcro de Adão e Eva.  Faltava uma caveira e o lado de um esqueleto.  A outra caveira jazia muito profundamente, dentro do esqueleto ao qual não pertencia.

Já tenho visto muitas vezes que as ossadas de Adão e Eva não ficaram todas no sepulcro.  Noé guardou alguns ossos na arca e esses passavam de uma geração de patriarcas a outra.  Noé e Abraão colocavam sempre alguns ossos no altar, ao oferecerem um sacrifício, recordando deste modo a Deus a promissão.  Quanto Jacó deu a José a túnica de diversas cores, vi que também lhe deu, como coisa sagrada, uns ossos de Adão.  José trazia-os sempre sobre o peito; com os seus próprios ossos, foram também colocados na Arca Santa, que os israelitas levaram consigo do Egito …

A respeito do nome de Calvário ou lugar da caveira, vi o seguinte : Vi o monte Calvário nos tempos do profeta Eliseu.  Não tinha a mesma forma que no tempo de Jesus.  Era uma colina cheia de muros e sepulcros semelhantes a grutas.  Vi o profeta Eliseu descer ao fundo, não sei se foi corporal ou espiritualmente, e tirar uma caveira de uma tina de pedra, na qual havia muitos ossos.  Vi ao lado uma pessoa, creio que era a aparição de uma Anjo, que lhe disse: “Esta é a caveira de Adão”.  O profeta quis levá-la consigo; mas a pessoa não lho permitiu.  Nessa caveira havia em diversas partes ainda cabelos finos, amarelos.  Soube também que, pela narração do profeta,  o lugar recebeu o nome de Calvário, lugar da caveira.  Vi que a Cruz de Jesus estava perpendicularmente sobre a caveira de Adão e foi-me revelado que esse ponto era o centro da terra”. (pp. 500s).

Este trecho nada diz que, a rigor, não seja possível, mas apresenta traços muito poucos fidedignos.  O historiador que deseje aquilatar a obra de Catarina à luz de quanto aqui é dito, terá dificuldade em prestar crédito ás revelações de Anna Catharina Emmerich.

***

Mir. Editora, São Paulo 1999, 140 x 210, 508 pp.  O texto do livro apresneta a redação das revelações tal como foi confeccionada por Clemente Brentano. Desse texto transcreveremos as passagens que nos interessam neste artigo.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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