Anfibologia perniciosa

Côn. José
Geraldo Vidigal de Carvalho*

Em manchete,
com  destaque, jornal de grande
circulação noticiou dia 13 de janeiro último que “Cientistas querem saber se fé
alivia a dor”, destacando ainda que ” cientistas britânicos vão “torturar”
voluntários em laboratório para descobrir como a crença religiosa se manifesta
no cérebro dos que são submetidos a sofrimento físico” (sic). Em primeiro lugar
cumpre analisar a ambigüidade do termo referente à fé. Esta, na sua essência, é
um ato da inteligência, a adesão prestada a uma verdade revelada. Não raro é
empregado o termo fé como sinônimo de confiança, de exaltação interior, de
abandono às emoções que nascem do sentimento das realidades espirituais. Não se
pode esvaziar o termo fé de seu conteúdo intelectual para acentuar-lhe a
tonalidade afetiva como  focaliza a referida
notícia. Além do mais, o domínio da fé é o campo sobrenatural que ultrapassa inteiramente
qualquer experimentação científica. Alguns astronautas ateus com uma
ingenuidade alarmante chegaram a afirmar: “Não vimos Deus no espaço!” A palavra
emoção se aplica em psicologia a uma reação afetiva de grande intensidade,
dependente de centros diencefálicos e comportando normalmente manifestações de
ordem vegetativa. Emoções fortes incluem alegria, a dor, o medo, a cólera, o
amor a repugnância e outras manifestações corpóreas. Estão na esfera
psicossomática. Não se pode, porém,  instrumentalizar a fé, transformando-a num
passo de mágica. É diferente, bem diferente, o caso de tantos que ante uma
dor  permitida por Deus a suportam
corajosamente, dando-lhe uma aplicação transcendental e a superando. O tema é
complexo não terá respostas nos laboratórios. Com efeito, o que médicos já
verificaram é que doentes em estado de graça, ou seja, portanto, com a
consciência inteiramente em paz com Deus, tendo a graça santificante na alma, estão
muito mais aptos a recuperar a cura, possibilitando uma ação mais rápida dos
medicamentos.  Agora, se pretender fazer
uma série de experiências com voluntários, para testar sua fé é uma tolice.
Diz
o jornal: “Numa das experiências será esfregado um gel à base de pimenta na
pele das pessoas que serão convidadas a buscar diferentes meios para aliviar a
sensação de ardência. Para as pessoas com forte convicção religiosa, entre
essas saídas estará a fé”! (sic). Não há dúvida de que  a medicina tem um liame profundo com a
Teologia da Graça. A ciência moderna reencontrou a alma, exulada pelas ciências
positivas. Nos anais do progresso científico rebrilha a psicopatologia e a
medicina psicossomática com um prestígio dantes desconhecido, projetando suas
conquistas beneméritas para a humanidade. Por entre as luminosas conclusões,
nas veredas da psicologia, surge um outro elemento cuja presença inefável, até
então olvidada, envolve o corpo e a alma e traz ao ser humano, na sua
irrecusável atuação e benéfico influxo, uma harmonia profunda, causando-lhe a
mais sublime eutimia. Elemento sobrenatural, a Graça, que é a participação na
vida divina, recebida no Batismo e, se perdida pelo pecado, recuperada no
Sacramento da Penitência. Grupo de sábios médicos italianos sob a presidência
do Dr. E.M. Fondi, debruçou-se sobre o estudo desta fonte de energia
obliterada. Ela opera eficazmente no homem ainda que considerada sob o ponto de
vista meramente biológico. Inquiriram os grandes médicos: “É um fato que a
Graça tem agido sobre milhões de homens, num modo ordinário e às vezes
extraordinário, com fenômenos que a ciência não sabe explicar.
Ora, é lícito
perguntar se a Graça não é, a seu modo, medicina para o corpo além de o ser
para a alma. Para procurar uma resposta é necessário remontar às causas da
doença”. É certo que os estados de espírito podem produzir verdadeiras
alterações orgânicas. Diagnosticadas úlceras gástricas como resultado de
preocupações não vencidas, a angina pectoris como fruto de ansiedades não
superadas e demonstrado que uma artrite pode ter causa psíquica, a conclusão
óbvia é esta: “Aquilo que trabalha beneficamente sobre a alma pode e deve
influir salutarmente sobre o corpo”. É então que aparece o papel relevante da
Graça, pois “a Graça de Deus coloca o indivíduo em tal situação espiritual que
o leva a vencer as dificuldades morais e a enfrentar circunstâncias e
embaraços, após os quais seria impossível haver o equilíbrio, a paz, a
tranqüilidade”. É toda uma germinação espiritual que afasta o peso das coações
materiais na vida psíquica. É a harmonia íntima que permite a plena edificação
do homem. É o retorno ao contato com o sobrenatural que leva a superar as
misérias orgânicas e fisiológicas. Como se percebe a questão é colocada em
termos bem diferentes dos propostos na referida notícia de médicos britânicos.
* Professor no Seminário de Mariana – MG

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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