“A vida inteira é desejo santo” – EB

Revista:
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão
Bettencourt, osb

Nº 501 –
Ano 2004 – p. 97

“A VIDA
INTEIRA É DESEJO SANTO” (S. Agostinho)

Num de seus
sermões, S. Agostinho toca numa fibra muito delicada do coração humano: o
desejo inato de algo maior e melhor do que os bens visíveis que cercam o homem,
passageiros e fugazes como são. A criatura humana foi feita pelo Infinito e
traz em si o seio do Infinito. – Eis as palavras do S. Doutor:

“O que nos
foi prometido? Seremos semelhantes a ele porque nós o veremos como é. A língua
o disse como pôde. O coração imagine o restante. Já que não podeis ver agora,
prenda-vos o desejo. A vida inteira do bom cristão é desejo santo. Aquilo que
desejas, ainda não o  vês Mas desejando,
adquires a capacidade de ser saciado ao chegar a visão.

Se queres,
por exemplo, encher um recipiente e sabes ser muito o que tens a derramar,
alargas o bojo seja da bolsa, seja do odre, ou de outra coisa qualquer. Sabes a
quantidade que ali porás e vês ser apertado o bojo. Se o alargares, ele ficará
com maior capacidade. Deste mesmo modo Deus, com o adiar, amplia desejo. Por
desejar, alarga-se o espírito. Alargando-se, torna-se capaz.

Desejemos
pois, irmãos, porque havemos de ser saciados.

É esta a
nossa vida: exercitamo-nos pelo desejo. O santo desejo nos exercita, na medida
em que cortamos nosso desejo do amor do mundo. Já falamos algumas vezes do
vazio que deve ser preenchido. Vais ficar repleto de bem, esvazia-te do mal.

Imagina que
Deus te quer encher de mel. Se estás cheio de vinagre onde pôr o mel? É preciso
jogar fora o conteúdo do jarro e limpá-lo, ainda que com esforço esfregando-o,
para servir a outro fim.

Digamos
mel, digamos ouro, digamos vinho, digamos tudo quanto dissermos e quanto
quisermos dizer, há uma realidade indizível: chama-se Deus. Dizendo Deus, o que
dissemos? Esta única sílaba é toda a nossa expectativa. Tudo o que conseguimos
dizer fica sempre aquém da realidade. Dilatemo-nos para ele, e ele, quando
vier, encher-nos-á; seremos semelhantes a ele, porque o veremos como é”
(Tratado sobre a 1ª João 4, 6).

Este texto
se resume em três proposições:

1) Em todo
ser humano existe o anseio ora mais, ora menos explícito de algo que responda
às suas aspirações mais espontâneas. Tudo 
que se vê é pouco demais para a capacidade do coração humano.

2) Quanto
mais intenso for o desejo, tanto mais será saciado. Em linguagem popular
dir-se-á: quem apresentar a capacidade de um dedal, tê-la-á preenchida, como
preenchida será a capacidade de um copo, a de um jarro, a de um balde, a de um
tonel…

3) Para que
tal anseio se dilate, o Senhor Deus nem sempre atende na hora marcada pela
criatura, mas protela a sua resposta ou adia a sua vinda, a fim de encontrar a
criatura ainda mais desejosa.

Ora a
Quaresma é precisamente o tempo oportuno para que se dilate mais e mais o
anseio  do coração em demanda não de mel nem de ouro mas de DEUS, do Infinito e Absoluto (…)

“A vida
inteira do bom cristão é santo desejo”.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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