A Verdadeira finalidade da Teologia da Libertação

“É Jesus este pão de igualdade!

Viemos pra comungar

com a luta sofrida do povo

que quer ter voz, ter vez, lugar.

Comungar é tornar-se um perigo;

viemos pra incomodar.

Com a fé e união nossos passos um dia vão chegar.

(Ir. Vaz Castilho)

O trecho acima se refere ao refrão de uma música bastante conhecida, principalmente nos meios ligados à Teologia da Libertação. Ela é cantada em encontros e celebrações litúrgicas Brasil afora. Já se passaram alguns anos desde que ouvi esta música pela primeira vez. Desde então, me perpassa um sentimento deestranheza sempre que a escuto. O que quer dizer exatamente “comungar é tornar-se um perigo”? Perigo para quem? “Viemos para incomodar” quem? Sabe-se que a Eucaristia tem vários efeitos sacramentais, então qual o motivo da canção ressaltar apenas o (suposto) efeito da Eucaristia fazer com que nos tornemos um “perigo”?

Na verdade a letra desta canção exemplifica muito bem a verdadeira finalidade da Teologia da Libertação: utilizar-se do discurso e da Teologia da Igreja para que ela se torne um instrumento para a “luta de classes” e para a consequente revolução que resultará afinal no estabelecimento da utópica “sociedade socialista-comunista”. Para aprofundar estas questões e refletir sobre a letra desta música, convido agora o leitor a percorrer um caminho que – não se pode fugir disto – passa por questões políticas, sócio-econômicas e (atrevo-me a dizer) filosóficas, caminho que percorreremos sem pretender esgotar o assunto.

Gramsci e Lukács

Antônio Gramsci1, político, filósofo, cientista político e comunista italiano, durante os anos de sua prisão (1926 a 1934) escreveu um conjunto de trabalhos de análise histórica e filosófica que ficaram posteriormente conhecidos como “Cadernos do Cárcere”. Nele, Gramsci traça a ideia da hegemonia cultural como meio de manipulação do estado capitalista e implantação da sociedade socialista. Ao invés da revolução “rápida”, feita nos moldes da Revolução Russa de 1917, em que ocorreu a tomada do poder com métodos violentos e revoltas armadas, Gramsci propunha uma revolução “lenta”, paulatina, sorrateira, calcada na transformação da cultura. Julgava que o socialismo não avançava em alguns países capitalistas devido à hegemonia de uma certa cultura tradicionalista. O socialismo não poderia se estabelecer enquanto a cultura lhe fosse hostil. O objetivo deveria ser, portanto, uma lenta, porém gradual e constante revolução cultural. Coisa para 30, 40 anos, ou mais. Trata-se de subverter aos poucos a lógica dos valores “tradicionais”, de maneira “anestesiada”, de tal modo que, quanto mais imersa a sociedade estiver nessa nova cultura e nesse novo campo de valores, tanto mais negará que esteja havendo qualquer metamorfose, taxando de “lunáticos” a quem lhe denunciar os métodos.

Georg Lukács2 já havia dito, no início do século XX, que os principais obstáculos que impediam a implantação do sistema socialista no Ocidente, e que, portanto, deveriam ser combatidos ou modificados eram três: o direito grego-romano, a filosofia grega e a moral judaico-cristã.

Não se pode deixar de escutar a importante palestra do Pe. Paulo Ricardo3, “Revolução sexual e marxismo”, de onde tirei esta informação. Note-se que sobre estes três “pilares” se construiu a civilização ocidental, e, portanto, somente com o solapamento deles é que este sistema de civilização poderia ser subjugado em prol da utópica sociedade socialista-comunista, considerada o “paraíso” na terra.

É justamente no intuito de atingir esta sociedade utópica futura que Gramsci propõe seu método de revolução cultural, e pode-se dizer que Lukács “direciona” esta revolução contra os três “alvos” acima citados, dentre os quais, como se pode ver, está a Igreja Católica. O método gramsciano propõe a tomada dos lugares de produção de discurso, de gênese da cultura e do pensamento, ou seja: as escolas, as clínicas de psicologia, a imprensa jornalística e opinativa,e… os púlpitos das Igrejas!

Sabe-se que no Brasil a influência de idéias marxistas nas escolas, nas clínicas de psicologia e na imprensa vem de longa data, e já criou quase uma hegemonia cultural. Os cargos de professores nas faculdades foram, ao longo do tempo, sendo tomadas por marxistas. E já que os psicólogos, pedagogos e jornalistas se formam nestas faculdades de mentalidade cada vez mais atéia, revolucionária, sexual-liberalizante e marxista, fica fácil perceber como este discurso vem se perpetuando progressivamente na sociedade.

A Igreja como instrumento da “luta de classes”

Há, por fim, a Igreja, a moral judaico-cristã a subverter. Aqui a intenção não é acabar com a Igreja. Mais fácil é usá-la como instrumento para a divulgação da ideologia marxista. Este é, em especial, o propósito da Teologia da Libertação, muito bem camuflado através da tocante, e correta, porém deturpada “opção preferencial pelos pobres”.

Leonardo Boff, em 1980, já dizia que a intenção da Teologia da Libertação não era fazer Teologia dentro do marxismo, e sim fazer marxismo dentro da Teologia4, ou seja, nada mais do que usar a Igreja para que ela, com o seu discurso modificado em alguns pontos, e mantendo outros pontos de verdade, pudesse servir de instrumento para a divulgação da ideologia marxista. Note-se que a lógica nos faz concluir que quem diz algo desse tipo admite, implicitamente, que não é primeiramente um teólogo, e só em segundo plano um marxista. Não, ele assume que é, antes de tudo, um marxista, e somente depois um teólogo, o que nos faz questionar se para ele Marx é mais importante que Deus.

A utilização da Igreja para divulgação da ideologia marxista se torna especialmente eficaz, pois usa o nome e a credibilidade da Igreja, aproveitando-se de sua autoridade moral e espiritual a fim de tornar esta ideologia algo de divinamente necessário. Quem passa a levantar a voz contra ela é, como se pode ver, facilmente taxado de obstrutor dos “planos de Deus”, que se resumiriam à implantação da sociedade socialista, chamada pelos teólogos da libertação de “Reino de Deus”5.

Note-se que isto é exatamente o que Gramsci pensou, ou seja, tornar a necessidade de construção da utópica e “paradisíaca” sociedade socialista um verdadeiro “imperativo categórico” com força de mandamento divino. Algo pelo que teríamos a obrigação moral de lutar.

Uma heresia singular

O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, em 1984 disse que “a teologia da libertação é uma heresia singular”6. Uma heresia é tanto mais perigosa quanto mais elementos de verdade engloba. Eis como o Cardeal Ratzinger explica a mistura de elementos de verdade do cristianismo com a ideologia marxista:

“Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã, que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a interpretação da escolha partidária no sentido da lula de classes é um salto “eis allo genos” (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrárias se apresentam como idênticas”.7

A Congregação para a Doutrina da Fé não silenciou sobre a Teologia da Libertação. Em 6 de agosto de 1984 lançava a “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação” – Libertatis nuntius8. Dois anos depois, em 22 de março de 1986 lançava outro documento, desta vez uma “Instrução sobre a liberdade cristã e a libertação” – Libertatis conscientia9. Em ambos os casos a intenção era alertar sobre os perigos da Teologia da Libertação.

Porém o problema é que já estamos, no Brasil, imersos em uma cultura, uma educação e uma mídia tão marcadamente marxista e esquerdista que para muitos é incompreensível que a Teologia da Libertação seja um desvio, uma deturpação da fé, pelo simples fato de que realmente acreditam que a sociedade socialista é o “paraíso”, o “Reino de Deus” na terra. Uma sociedade em que tudo seria de todos, e em que não haveria mais pobres: eis sua utopia, jamais alcançada pelos países que se aventuraram a construí-la.

Socialismo ou capitalismo?

Muitos creem que o capitalismo é que é intrinsecamente mau, enquanto o socialismo-comunismo é o “paraíso”. Na verdade, o socialismo-comunismo é que é intrinsecamente mau, enquanto o capitalismo é mau em seus “acidentes”, ou seja, devido ao fato de que pessoas com má intenção realmente se aproveitam de sua estrutura para explorar os trabalhadores e enganar a sociedade. Mas o sistema em si não é intrinsecamente mau, de modo que, se as pessoas se utilizarem dele para fazer o bem, uma sociedade solidária poderá ser construída.

Aqui se faz necessário recorrer ao solene Magistério da Igreja a fim de entender porque o socialismo-comunismo é intrinsecamente mau. Recomendo a leitura de alguns documentos da Igreja, já listados no indispensável “Dossiê” preparado pelo Dr. Rafael Vitola Brodbeck, aqui do Veritatis Splendor. 10 Retiro algumas passagens de apenas um destes documentos, Divini Redemptoris, a fim de ilustrar a posição da Igreja sobre o socialismo-comunismo:

“Perigo tão ameaçador, vós já o compreendestes, Veneráveis Irmãos, é o comunismo bolchevista e ateu, que visa subverter a ordem social e abalar os próprios fundamentos da civilização cristã”. (Pio XI, Divini Redemptoris, 1937) 11

“Ademais, o comunismo despoja o homem da liberdade, princípio espiritual de conduta moral, tira à pessoa humana toda a dignidade e qualquer freio moral contra os assaltos dos cegos instintos”. (idem)

“Intrinsecamente perverso é o comunismo, e não se pode admitir, em campo algum, a colaboração recíproca, por parte de quem quer que pretenda salvar a civilização cristã”. (idem)

Sobre a ilusão da sociedade socialista-comunista também nos fala mais recentemente nosso querido Papa Bento XVI, em suas duas Encíclicas até o presente momento lançadas, Deus Caritas Est e Spe Salvi:

“O marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a panacéia para a problemática social: através da revolução e consequente coletivização dos meios de produção – asseverava-se em tal doutrina – devia dum momento para o outro caminhar tudo de modo diverso e melhor. Este sonho desvaneceu-se. Na difícil situação em que hoje nos encontramos por causa também da globalização da economia, a doutrina social da Igreja tornou-se uma indicação fundamental (…)”. (Bento XVI, Deus Caritas Est, 2005) 12″Ele (Marx) supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém.(…)sabemos também como depois evoluiu, não dando à luz o mundo sadio, mas deixando atrás de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; (…) O seu erro situa-se numa profundidade maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis”. (Bento XVI, Spe Salvi, 2007) 13

Enquanto o indivíduo não se convencer que a idealizada sociedade socialista-comunista não passa de uma ilusão, não poderá crer que a Teologia da Libertação é uma deturpação, um milenarismo (cf. Catecismo da Igreja Católica, §676) que reduz a religião aos aspectos sociais, prometendo (em vão) o céu “já aqui nesta terra”, o “Reino de Deus”, que seria nada mais nada menos que a ilusória sociedade socialista-comunista.

Não se trata, porém, de fazer aqui uma apologia do capitalismo. Os efeitos nefastos do consumismo e da “mercadorização” das pessoas e das relações também têm sido fortemente denunciados pela Igreja:

“Ora a experiência histórica dos Países socialistas demonstrou tristemente que o coletivismo não suprime a alienação, antes a aumenta, à medida que a ela junta ainda a carência das coisas necessárias e a ineficácia econômica. A experiência histórica do Ocidente, por sua vez, demonstra que, embora sejam falsas a análise e a fundamentação marxista da alienação, todavia esta, com a perda do sentido autêntico da existência, é também uma experiência real nas sociedades ocidentais. Ela verifica-se no consumo, quando o homem se vê implicado numa rede de falsas e superficiais satisfações, em vez de ser ajudado a fazer a autêntica e concreta experiência da sua personalidade”. (João Paulo II, Centesimus annus, 1991) 14

Mas o capitalismo não é intrinsecamente mau, como o socialismo-comunismo. O capitalismo sem a avareza de alguns pode, sim, dar espaço para uma sociedade mais justa e para a ação caritativa e solidária. Com o socialismo-comunismo não pode acontecer isso, pois sua proposta, por mais que pareça à primeira vista bela e “romântica”, tolhe a liberdade do ser humano e o direito de usufruir osbens conquistados com o próprio trabalho (propriedade privada).

Parte da estratégia

A Teologia da Libertação é uma ramificação, como que um “departamento” entre outros da estratégia marxista e gramscista de controle cultural e de mudança de valores para a construção da sociedade socialista-comunista. Assim como existe a Teologia da Libertação, existe a “Psicologia da Libertação”, do Padre jesuíta Martin-Baró (no campo da Psicologia); existe a “Pedagogia da Libertação”, ou “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire (no campo da Educação). Todas estas teorias são aplicações práticas da idéia gramsciana da revolução cultural. Não se trata de dizer que não exista nada de positivo nelas, bem entendido. Porém há muitos erros e distorções, e há, por trás de tudo, um claro objetivo, o qual tenta-se mostrar aqui.

Para a Teologia da Libertação o “Reino de Deus é a sociedade utópica socialista-comunista. Jesus foi um revolucionário que veio para ensinar aos “oprimidos” (os pobres) a maneira de se “libertar” do jugo dos “opressores” (os ricos e poderosos), e essa maneira é a revolução, a “luta de classes”.

Marx, a partir da dialética do filósofo Hegel, havia traçado o que seriam, segundo ele, as “leis” de funcionamento das sociedades ao longo do tempo. Grosso modo, a dialética hegeliana diz que a cada tese contrapõe-se uma antítese. O resultado da contraposição dialética entre tese e antítese é a síntese. Seguindo este raciocínio, e aplicando-o às sociedades, Marx disse que ao capitalismo e à hegemonia da burguesia (tese) se oporia a classe dos oprimidos, proletários e operários (antítese). Então os oprimidos, através da revolução e da luta de classes se libertariam do jugo dos opressores (dos burgueses) e consolidariam a sociedade socialista-comunista (síntese). Para ele, a história marcharia inexoravelmente para este fim.Consequências nefastas

Os países que se lançaram na construção desta utopia puderam sentir na pele suas consequências: milhões de mortos pela fome (só na China foram mais de 65 milhões), perseguição aos cidadãos contrários aos regimes revolucionários (como ainda hoje acontece em Cuba), matança em série em campos de extermínio (p. ex. os “gulags” russos)15. A pobreza, ao invés de acabar, se alastrou. O ateísmo reinante levou a uma vida sem sentido e fez proliferar a corrupção, o tráfico e consumo de drogas e a prostituição. Basta procurar fontes segurar de informação para se inteirar do que aconteceu e ainda acontece na Rússia, na China, na Coréia do Norte, no Vietnam, em Cuba e nos países do Leste Europeu. Realmente é preciso procurar, opis a nossa mídia infelizmente omite muitas dessas informações, quando não as deturpa em favor dos regimes comunistas. Em muitos países ainda hoje se perseguem e assassinam cristãos pelo simples fato de serem… cristãos!16.

Algumas ressalvas

Foi inevitável falar um pouco de política, sociologia e filosofia para tentar expor os equívocos do socialismo-comunismo, tão propagado, às vezes de maneira disfarçada, pela Teologia da Libertação. Muitas pessoas que se sentem ligadas de alguma forma à espiritualidade de Teologia da Libertação desconhecem a base marxista que está por trás de tudo. Não se trata aqui de dizer que todas as pessoas ligadas, de uma forma ou de outra, a este tipo de vivência na fé seja necessariamente mal-intencionado, ou ainda um simples militante marxista “infiltrado”.  É claro também que não se pretende condenar as inúmeras obras caritativas levadas a cabo pelos adeptos da Teologia da Libertação. Muito menos se pretende negar a imensa desigualdade social na América Latina, nem se quer dar a entender que não se devem denunciar as injustiças e os desmandos que prejudicam a condição social de nosso povo. O que acontece, infelizmente, é que muitas pessoas, mesmo inconscientemente, ao passo que realizam coisas muito boas (que devem ser continuadas), servem também como “massa de manobra” nas mãos de quem sabe como e porque se utilizar deste tipo de Teologia para conseguir suas finalidades políticas. De fato nem todos sabem o que jaz por trás da aparência realmente bela da “Libertação” e da “opção preferencial pelos pobres”. É preciso levar em consideração o fim último da construção de um tipo de sociedade anticristã, como foi falado pelos documentos da Igreja mostrados acima. O que se sabe, porém, é que há quem entenda toda a opção política que jaz subliminarmente no caso, e quem se utilize disso. Mormente deve-se destacar que os primeiros divulgadores desta Teologia da Libertação deveriam saber muito bem o que estavam fazendo, e muitos grandes “nomes” desta linha hoje sabem muito bem, sim, o que estão fazendo. É disto que trata este artigo, não de condenar a priori a todas as pessoas, instituições e atividades envolvidas.

Muitos podem se perguntar porque pessoas aparentemente tão boas deveriam ser cruelmente taxadas de hereges só porque têm simpatia pela Teologia da Libertação. Existe uma diferença entre quem sabe dos verdadeiros propósitos da “Libertação” e quem não sabe.  Quem não sabe não pode ser culpado nem taxado de nada; tem que ser alertado. Alguém pode ser uma pessoa muito boa, muito amável, muito caridosa, mas infelizmente estar enganado quanto aos seus propósitos. Mesmo quem está ligado à Teologia da Libertação por fins maléficos, pode ser uma pessoa boa no convívio particular. Uma coisa é a maneira da pessoa ser (nos contatos mais próximos da vida privada), que pode ser mesmo muito meritória. Outra coisa é a ideologia ou compromisso que assume em sua prática cotidiana e social (para usar um termo marxista: a “práxis”), e que contraria a Doutrina Social da Igreja, portanto indo de encontro ao bem comum. Será que não poderíamos todos aprender bastante com a leitura do Compêndio de Doutrina Social da Igreja17?

Teologia da Libertação e Igreja

Dito isto, voltemos agora nosso olhar para a relação entre a Teologia da Libertação e a Igreja Católica.

Algumas pessoas dizem que a Teologia da Libertação é a única coisa que faz sentido na Igreja atual. Quem pensa assim, ou não sabe o que é realmente a Teologia da Libertação, ou não conhece o que é a Igreja do qual faz parte. Se soubesse da verdadeira finalidade da Teologia da Libertação, que é a infiltração marxista na religião, e se soubesse os malefícios que o marxismo trouxe à humanidade, certamente não apoiaria esta Teologia, nem diria que ela é a única coisa que faz sentido na Igreja. E também, se conhecesse o que é a Igreja: Corpo Místico de Cristo, Esposa de Cristo, por Ele instituída para a salvação de toda humanidade e para reunir todos quantos acolhem seu chamado; se prestasse atenção em tudo que a Igreja, por meio de seus membros, já fez e continua fazendo pelos pobres, necessitados, enfermos; se constatasse a multiplicidade de carismas, de missões, dons e apostolados com que o Espírito Santo cumulou a Igreja nestes dois mil anos de evangelização e missão, jamais faria tal afirmação.

Comungar é tornar-se um perigo?

O trecho da música colocado no início deste artigo, como já foi falado, resume a visão marxista e da Teologia da Libertação sobre o que seja a participação na Eucaristia: uma antecipação e prefiguração da utópica sociedade marxista, em que “tudo é de todos”; bem como a expressão da luta de classes, na qual a classe oprimida, no caso o “povo que quer ter voz, ter vez, lugar” se revolta e busca sobrepujar a dita “opressão” das “classes dominantes”. Por isso comungar, para a Teologia da Libertação, é reunir a classe oprimida e fazer a revolução, a luta de classes. É “tornar-se um perigo” para as “classes dominantes”, de tal modo que possam dizer: “viemos pra incomodar” estas classes. Isto representa um reducionismo e uma deturpação típicos do movimento revolucionário.

Reducionismo porque reduz todos os aspectos da Eucaristia a apenas um, a expressão da “partilha do pão”, que prefigura a partilha dos bens. Deixa em segundo plano (senão totalmente esquecidos) aspectos mais importantes: a União com Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica – CIC – §790, 1003, 1391); a união dos que crêem (§805, 1396, 1398, 2637); o aumento da graça e crescimento da vida cristã (§1392, 1397, 1644); a fonte de conversão e afastamento dos pecados (§1393-95, 1436, 1846); a participação no sacrifício de Cristo e a união com a liturgia celeste (§1322, 1370).

Deturpação porque até mesmo este único efeito da Eucaristia que realça (a prefiguração da partilha dos bens e o compromisso com os pobres) é utilizada não por causa de seus princípios evangélicos, mas apenas para dar suporte e divulgação à ideologia marxista.

A Teologia da Libertação mais ativa do que nunca

A utilização em larga escala de músicas parecidas com esta, com a mesma temática, mostra como a Teologia da Libertação está longe de estar “morta” ou de fazer parte do passado. Ela não está em declínio após um apogeu nas décadas de 70 e 80 do século passado. Sua influência ainda paira fortemente sobre as músicas, as vestes litúrgicas, os folhetos de subsídio litúrgico, as notas de rodapé da Bíblia (vide a Edição Pastoral da Editora Paulus, em que cada nota de rodapé ao longo de toda a Bíblia leva somente a reflexões marxistas de opressor-oprimido; até mesmo quando Jesus chama para perto de si as crianças, o subtítulo que se dá a este trecho é “Jesus escolhe os pobres”); os sermões e o senso comum, a representação social do que é ser Católico.

Esta influência é tão abrangente, que uma prova da magnitude desta mesma influência é justamente a crença ou a idéia de que ela está “morta”. Seguindo os conselhos de Gramsci, o reducionismo e a deturpação que a Teologia da Libertação faz com as verdades da Igreja tornam-se tão comuns e entrelaçadas com o cotidiano que viram uma espécie de imperativo, ou de inexorável vontade de Deus.

Considerações finais

Comungar não é tornar-se um perigo. É fato que faz parte dos preceitos cristãos, do múnus profético, denunciar as injustiças sociais, mas não no sentido da apologia da luta de classes. Inclusive esta mesma luta de classes, no atual cenário marxista, expandiu-se, e engloba não mais somente a dicotomia “rico versus pobre”, mas também várias outras, como: “mulheres versus homens” (feminismo); “homossexuais versus heterossexuais” (gayzismo); “filhos versus pais” (conflitos de gerações); “negros versus brancos” (racismo), “sem terra versus latifundiários”, e por aí vai. Mas a diminuição das injustiças sociais, que existem de fato, e a denúncia ds injustiças pode passar por outros meios muito mais condizentes com o espírito real do Evangelho do que a luta de classes.Comungar não é tornar-se um perigo. Tomemos cuidado com algumas mensagens “ocultas” presentes em certas músicas, em algumas “orações da assembléia”, em homilias etc. Comungar é tornar-se um outro Cristo, é fazer Cristo viver em si (cf. Gal 2,20), o mesmo Cristo que falou: “Meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36).

“O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes”.

(Card. Ratzinger – Eu vos explico a Teologia da Libertação)18

***
Por Daniel Pinheiro

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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