A Renúncia do Papa Bento XVI: Como fica a Igreja?

Bento XVI 3No dia 11 de fevereiro de 2013, na celebração da memória de Nossa Senhora de Lourdes, o mundo recebeu uma notícia que causou grande perplexidade, principalmente para todos os católicos. Em Consistório[1] Ordinário para aprovação de novas Canonizações o Santo Padre anunciou uma “decisão de grande importância para a vida da Igreja”.[2]

O Papa Bento XVI eleito em 19 abril de 2005, para suceder o Papa João Paulo II (1978-2005), renunciou ao múnus de Romano Pontífice, uma notícia que pegou de surpresa até mesmo os seus colaboradores mais próximos da Cúria Romana, bem como alguns membros do Colégio Cardinalício reunidos naquele Consistório. Muitos se perguntaram: Mas, como um Papa pode renunciar se o cargo que ocupa é vitalício?

É fato, que no ano de 2010, em um livro-entrevista intitulado “Luce del Mondo”, Luz do Mundo do jornalista Peter Seewald, o Papa comentou que seria possível que uma renúncia poderia acontecer, caso “se não encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o encargo, que lhe foi confiado, então tem o direito-e, em algumas circunstâncias, também o dever de pedir demissão”.[3]

A renúncia de um Papa não é comum para os tempos modernos uma vez que o último renunciou no ano de 1415, e foi o Papa Gregório XII, ou seja, há quase 600 anos.

Outros dois Papas como São Ponciano e São Celestino V, também renunciaram. São Ponciano (230-235), foi o primeiro a renunciar. Em seu pontificado, a Igreja ainda vivia no contexto de perseguição por parte do Império Romano, mas o período de Ponciano como Papa a Igreja vivia um momento de Paz, graças à tolerância do Imperador da época Alexandre Severo (+235).

Com a morte de Alexandre Severo, o novo imperador Maximino Trácio (235-238), “abandonou a política de tolerância do antecessor e iniciou violenta campanha contra os chefes dos cristãos” (MCBRIEN, 2004, p.49). Ponciano chegou a ser preso juntamente com Santo Hipólito (+236). A figura de Hipólito, a princípio, no pontificado de Ponciano foi muito controversa, pois ele foi considerado como culpado de promover cisma na Igreja de Roma.

Hipólito (considerado como antipapa[4]) era tido como grande crítico de papas anteriores como Zeferino (+217) e Calisto (217-222). O que foi lhe atribuído como cabeça do Cisma romano. Foi preso juntamente com Ponciano e enviados à Sardenha onde sofreram muito com os maus tratos e a crueldade dos soldados. Foi na prisão que Ponciano e Hipólito se reconciliaram, e assim aquele que era considerado como cismático foi acolhido no seio da Igreja. Ponciano renunciou no dia 25 ou 28 de setembro de 235, morrendo um mês depois de sua renúncia. Assim, São Ponciano e Santo Hipólito são celebrados na Igreja no dia 13 de agosto, sendo São Ponciano o primeiro Bispo e Mártir da Igreja.

Foi durante o Pontificado de São Ponciano que Orígenes (+254) recebeu sua condenação expulsando-o do sacerdócio e do magistério.

Já, o Papa São Celestino V – OSB, foi papa de 5 de julho de 1294 à 13 de dezembro 1294, sendo pressionado à renunciar. “Celestino renunciou em seis meses. Seu discurso de abdicação foi escrito pelo Cardeal Caetani, que ele havia consultado sobre a legalidade de sua renúncia” (DUFF, 1998, p.119). Portanto, foi Celestino que “criou” a lei que permite que um Papa possa renunciar.

Ao deixar o papado passou a viver em reclusão. Era considerado um homem de profunda espiritualidade. Foi canonizado em 1313, em Avinhão pelo Papa Clemente V.

Gregório XII (Angelo Correr) foi papa nos anos de 1406 a 1415, e se decidiu renunciar para por fim ao Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), conhecido também como Cisma Papal.

Portanto, houve na história da Igreja quatro papas que renunciaram pelo bem da Igreja com plena consciência e responsabilidade, como foi com Bento XVI. No Código de Direito Canônico promulgado pelo Papa João Paulo II no ano de 1983 é prevista à possível Renúncia de um Papa. O Cânon 332 § 2 afirma que “Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie a seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não seja aceita por alguém” (p.177).

Então, como fica à Igreja? Com a renúncia de Bento XVI no dia 28 de fevereiro, a Igreja entra no período chamado de Sede Vacante. É neste tempo em que os Cardeais do mundo inteiro são convocados pelo Cardeal Carmelengo e pelo Decano do Colégio Cardinalício para darem início ao Conclave. Acredita-se que este Conclave de 2013, seja um pouco mais rápido por se tratar de uma renúncia, ou seja, não haverá os funerais previstos quando ocorre em um caso de morte do Romano Pontífice.

Cabe a nós Cristãos Católicos batizados a não nos escandalizarmos com o sensacionalismo midiático presente nos meios de comunicação. Nem todos tem compromisso com a verdade e muitas vezes se aproveitam da ocasião para caluniar o Papa e a Igreja.

Como bem sabemos a decisão do Papa consiste em um ato totalmente livre, como prescreve o Código de Direito Canônico, e é um ato de humildade e ao mesmo tempo de coragem e reconhecimento de que “anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”.[5]

Portanto, somos chamados a acolher com respeito tal decisão e suplicar a luz do Espírito Santo, que é a alma da Nossa Igreja, que ilumine as mentes e os corações dos nossos Cardeais para a escolha do novo Sucessor do Apóstolo Pedro. Amém!  No próximo artigo, terá como tema principal a Sede Vacante, período em que a Igreja aguarda a escolha do novo Papa. Até breve!

REFERÊNCIAS

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. São Paulo: Loyola, 1983.

Declaracio, Papa Bento XVI, 11 de fevereiro de 2013.

DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores: História dos Papas. Tradução de Luiz Antônio Araújo. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.

MACBRIEN, Richard P. Os Papas, Os Pontífices: de São Pedro a João Paulo II. São Paulo: Loyola, 2004.

SEEWALD, Peter. Luz do Mundo O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos: uma conversa com Peter Seewald. São Paulo: Paulinas, 2011.

[1] Consistório: a assembleia de cardeais, convocada pelo Papa e por ele presidida, para lhe dar conselhos ou testemunhar atos papais solenes (Exemplo: Criação de Cardeais) (DUFF, 1998, p.301).

[2] Declaratio 11 de fevereiro de 2013.

[3] Luz do Mundo O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos: Uma conversa com Peter Seewald, p.49.

[4] Antipapa: Eleito ilegitimamente, algumas vezes na história, por grupos cismáticos.

[5] Declaratio, 11 de fevereiro de 2013.

Seminarista Thales Nogueira Pereira Nascimento

2ºano de Teologia – Diocese de Lorena, SP

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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