A Mensagem de Fátima (O Terceiro Segredo) – Parte 3

Por último, alude-se ao manuscrito, não publicado, que a Irmã Lúcia preparou para dar resposta a tantas cartas de devotos e peregrinos de Nossa Senhora. A obra intitula-se «Os apelos da Mensagem de Fátima», e contém pensamentos e reflexões que exprimem, em chave catequética e parenética, os seus sentimentos e espiritualidade cândida e simples. Perguntou-se-lhe se gostava que fosse publicado, ao que a Irmã Lúcia respondeu: «Se o Santo Padre estiver de acordo, eu fico contente; caso contrário, obedeço àquilo que decidir o Santo Padre». A Irmã Lúcia deseja sujeitar o texto à aprovação da Autoridade Eclesiástica, esperando que o seu escrito possa contribuir para guiar os homens e mulheres de boa vontade no caminho que conduz a Deus, meta última de todo o anseio humano.

O colóquio termina com uma troca de terços: à Irmã Lúcia foi dado o terço oferecido pelo Santo Padre, e ela, por sua vez, entrega alguns terços confeccionados pessoalmente por ela.

A Bênção, concedida em nome do Santo Padre, concluiu o encontro.

Comunicação de sua Eminencia o Card. Ângelo Sodano – Secretário de Estado de Sua Santidade

No final da solene Concelebração Eucarística presidida por João Paulo II em Fátima, o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, pronunciou em português as palavras seguintes:

Irmãos e irmãs no Senhor!

No termo desta solene celebração, sinto o dever de apresentar ao nosso amado Santo Padre João Paulo II os votos mais cordiais de todos os presentes pelo seu próximo octogésimo aniversário natalício, agradecidos pelo seu precioso ministério pastoral em benefício de toda a Santa Igreja de Deus.

Na circunstância solene da sua vinda a Fátima, o Sumo Pontífice incumbiu-me de vos comunicar uma notícia. Como é sabido, a finalidade da vinda do Santo Padre a Fátima é a beatificação dos dois Pastorinhos. Contudo Ele quer dar a esta sua peregrinação também o valor de um renovado preito de gratidão a Nossa Senhora pela proteção que Ela Lhe tem concedido durante estes anos de pontificado. É uma proteção que parece ter a ver também com a chamada terceira parte do «segredo» de Fátima.

Tal texto constitui uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas. Em consequência, a chave de leitura do texto só pode ser de carácter simbólico

A visão de Fátima refere-se sobretudo à luta dos sistemas ateus contra a Igreja e os cristãos e descreve o sofrimento imane das testemunhas da fé do último século do segundo milênio. É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte.

Segundo a interpretação dos pastorinhos, interpretação confirmada ainda recentemente pela Irmã Lúcia, o «Bispo vestido de branco» que reza por todos os fiéis é o Papa. Também Ele, caminhando penosamente para a Cruz por entre os cadáveres dos martirizados (bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares), cai por terra como morto sob os tiros de uma arma de fogo.

Depois do atentado de 13 de Maio de 1981, pareceu claramente a Sua Santidade que foi «uma mão materna a guiar a trajetória da bala», permitindo que o «Papa agonizante» se detivesse «no limiar da morte» [João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XVII-1 (Città del Vaticano 1994), 1061]. Certa ocasião em que o Bispo de Leiria-Fátima de então passara por Roma, o Papa decidiu entregar-lhe a bala que tinha ficado no jeep depois do atentado, para ser guardada no Santuário. Por iniciativa do Bispo, essa bala foi depois encastoada na coroa da imagem de Nossa Senhora de Fátima.

Leia também: A Mensagem de Fátima (O Terceiro Segredo) – Parte 1

A Mensagem de Fátima (O Terceiro Segredo) – Parte 2

A Mensagem de Fátima (O Terceiro Segredo) – Parte 4

A Mensagem de Fátima (O Terceiro Segredo) – Final

Depois, os acontecimentos de 1989 levaram, quer na União Soviética quer em numerosos Países do Leste, à queda do regime comunista que propugnava o ateísmo. O Sumo Pontífice agradece do fundo do coração à Virgem Santíssima também por isso. Mas, noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e os cristãos, com a carga de sofrimento que eles provocam, infelizmente não cessaram. Embora os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do «segredo» de Fátima pareçam pertencer já ao passado, o apelo à conversão e à penitência, manifestado por Nossa Senhora ao início do século vinte, conserva ainda hoje uma estimulante atualidade. «A Senhora da Mensagem parece ler com uma perspicácia singular os sinais dos tempos, os sinais do nosso tempo.

(…) O convite insistente de Maria Santíssima à penitência não é senão a manifestação da sua solicitude materna pelos destinos da família humana, necessitada de conversão e de perdão» [João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial do Doente – 1997, n. 1, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIX2 (Città del Vaticano 1996), 561].

Para consentir que os fiéis recebam melhor a mensagem da Virgem de Fátima, o Papa confiou à Congregação para a Doutrina da Fé o encargo de tornar pública a terceira parte do «segredo», depois de lhe ter preparado um adequado comentário.

Irmãos e irmãs, damos graças a Nossa Senhora de Fátima pela sua proteção. Confiamos à sua materna intercessão a Igreja do Terceiro Milênio.

Sub tuum præsidium confugimus, Sancta Dei Genetrix! Intercede pro Ecclesia. Intercede pro Papa nostro Ioanne Paulo II. Amen.

Fátima, 13 de Maio de 2000.

Comentário Teológico

Quem lê com atenção o texto do chamado terceiro «segredo» de Fátima, que depois de longo tempo, por disposição do Santo Padre, é aqui publicado integralmente, ficará presumivelmente desiludido ou maravilhado depois de todas as especulações que foram feitas. Não é revelado nenhum grande mistério; o véu do futuro não é rasgado. Vemos a Igreja dos mártires deste século que está para findar, representada através duma cena descrita numa linguagem simbólica de difícil decifração. É isto o que a Mãe do Senhor queria comunicar à cristandade, à humanidade num tempo de grandes problemas e angústias? Serve-nos de ajuda no início do novo milênio? Ou não serão talvez apenas projeções do mundo interior de crianças, crescidas num ambiente de profunda piedade, mas simultaneamente assustadas pelas tempestades que ameaçavam o seu tempo? Como devemos entender a visão, o que pensar dela?

Revelação pública e revelações privadas – o seu lugar teológico

Antes de encetar uma tentativa de interpretação, cujas linhas essenciais podem encontrar-se na comunicação que o Cardeal Sodano pronunciou, no dia 13 de Maio deste ano, no fim da Celebração Eucarística presidida pelo Santo Padre em Fátima, é necessário dar alguns esclarecimentos básicos sobre o modo como, segundo a doutrina da Igreja, devem ser compreendidos no âmbito da vida de fé fenômenos como o de Fátima. A doutrina da Igreja distingue «revelação pública» e «revelações privadas»; entre as duas realidades existe uma diferença essencial, e não apenas de grau. A noção «revelação pública» designa a ação reveladora de Deus que se destina à humanidade inteira e está expressa literariamente nas duas partes da Bíblia: o Antigo e o Novo Testamento. Chama-se «revelação», porque nela Deus Se foi dando a conhecer progressivamente aos homens, até ao ponto de Ele mesmo Se tornar homem, para atrair e reunir em Si próprio o mundo inteiro por meio do Filho encarnado, Jesus Cristo. Não se trata, portanto, de comunicações intelectuais, mas de um processo vital em que Deus Se aproxima do homem; naturalmente nesse processo, depois aparecem também conteúdos que têm a ver com a inteligência e a compreensão do mistério de Deus. Tal processo envolve o homem inteiro e, por conseguinte, também a razão, mas não só ela. Uma vez que Deus é um só, também a história que Ele vive com a humanidade é única, vale para todos os tempos e encontrou a sua plenitude com a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Por outras palavras, em Cristo Deus disse tudo de Si mesmo, e portanto a revelação ficou concluída com a realização do mistério de Cristo, expresso no Novo Testamento. O Catecismo da Igreja Católica, para explicar este carácter definitivo e pleno da revelação, cita o seguinte texto de S. João da Cruz: «Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra – e não tem outra -, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única (…) porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade» (CIC, n. 65; S. João da Cruz, A Subida do Monte Carmelo, II, 22)

O facto de a única revelação de Deus destinada a todos os povos ter ficado concluída com Cristo e o testemunho que d’Ele nos dão os livros do Novo Testamento vincula a Igreja com o acontecimento único que é a história sagrada e a palavra da Bíblia, que garante e interpreta tal acontecimento, mas não significa que agora a Igreja pode apenas olhar para o passado, ficando assim condenada a uma estéril repetição. Eis o que diz o Catecismo da Igreja Católica: «No entanto, apesar de a Revelação ter acabado, não quer dizer que esteja completamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance no decorrer dos séculos» (n. 66). Estes dois aspectos – o vínculo com a unicidade do acontecimento e o progresso na sua compreensão – estão otimamente ilustrados nos discursos de despedida do Senhor, quando Ele declara aos discípulos: «Ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará de Si mesmo (…)

Ele glorificar-Me-á, porque há-de receber do que é meu, para vo-lo anunciar» (Jo 16, 12-14). Por um lado, o Espírito serve de guia, desvendando assim um conhecimento cuja densidade não se podia alcançar antes porque faltava o pressuposto, ou seja, o da amplidão e profundidade da fé cristã, e que é tal que não estará concluída jamais. Por outro lado, esse ato de guiar é «receber» do tesouro do próprio Jesus Cristo, cuja profundidade inexaurível se manifesta nesta condução por obra do Espírito. A propósito disto, o Catecismo cita uma densa frase do Papa Gregório Magno: «As palavras divinas crescem com quem as lê» (CIC, n. 94; S. Gregório Magno, Homilia sobre Ezequiel 1, 7, 8). O Concílio Vaticano II indica três caminhos essenciais, através dos quais o Espírito Santo efetua a sua guia da Igreja e, consequentemente, o «crescimento da Palavra»: realiza-se por meio da meditação e estudo dos fiéis, por meio da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, e por meio da pregação daqueles «que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade» (Dei Verbum, n. 8).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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