A importância do recolhimento

abrir-caminhos-financeirosO recolhimento

Qualquer forma de oração – meditação, oração mental, oração vocal- precisa de umas condições favoráveis, da mesma maneira que uma planta cresce numa terra adequada e com um clima propício.

Em primeiro lugar, para orar bem precisamos das condições exteriores imprescindíveis: recolhimento exterior, ninguém consegue conversar com paz no meio do barulho estridente de uma apresentação de rock, nem no meio dos gritos das torcidas exaltadas num estado.

É verdade que se pode rezar bem na rua, no carro, no ônibus, num trem atulhado de gente, em meio ao barulho do transito, mas, para isso, é preciso possuir as condições de recolhimento interior de que falaremos logo.

Em todo o caso, não há dúvida de que deveríamos esforçar-nos por garantir um mínimo de condições exteriores de recolhimento. Concretamente – volto a insistir -, orar num local e ambiente que nos permita isolar-nos sem ser atrapalhados.

Contudo, bem mais importantes do que as condições exteriores são as condições interiores, necessárias para fazer uma boa oração. Vamos pensar, pois, um pouco no recolhimento interior.

Nunca lhe aconteceu de estar sozinho, à noite, na cama ou em algum ligar isolado e silencioso, e perceber que não consegue se concentrar, porque há uma enorme confusão, uma agitação caótica dentro de você? Cruzam pela cabeça, como foguetes, ou ficam martelando, pensamentos variadíssimos: lembranças do dia que passou, preocupações e medos que ficam entalados, ansiedade pelo que se esquece de fazer ou pelo que terá de fazer amanhã, “filmes” em que você é o protagonista vencedor ou humilhado… E, assim, não consegue se concentrar, nem rezar, nem meditar, nem falar em paz com Deus.

Ou será que tem medo de se enfrentar a sós com a sua alma, porque teme o vazio que nela pode descobrir? Você deve conhecer, como eu, pessoas que são incapazes de ficar dez minutos sós, em silêncio: sentem uma espécie de vertigem, experimentam o mal-estar de quem se acha pendurado sobre o abismo do nada, querem evitar a todo o custo ter que escutar a voz da consciência. Por isso, tratam de se esquivar à sinceridade, à verdade, com diversas “técnicas de fuga”: horas e horas de Internet á toa, de televisão, de som; de baladas, de bebida, ou simplesmente de cochilo e sono… A alma está vazia e precisam tapá-la.

Como vê, acabamos de descrever duas causas de falta de recolhimento interior muito comuns:

– o descontrole da imaginação, da memoria e das emoções; e

– o medo de ser sincero para se enfrentar consigo mesmo.

Hoje ficaremos apenas com a primeira dessas faltas de recolhimento interior, e tentaremos sugerir alguns meios para consegui-lo. Na próxima ocasião, refletimos sobre a segunda.

Para conquistar o recolhimento interior e dominar aos poucos o caos da imaginação, da memoria e dos sentimentos, há, principalmente, três meios.

Primeiro, um meio muito simples… e nada fácil! A ordem: tanto a ordem material como a ordem nos horários e tarefas.

Uma pessoa desorganizada vive com marimbondos na cabeça, que não lhe dão sossego: “Tenho muito que fazer…, mas o que faço primeiro?”, “Esqueci, não anotei, não previ… e vou chegar tarde, vou perder o prazo…”, “Por que não aproveitei a chance que tive de fazer uma ligação ou uma visita, e de resolver ou ao menos encaminhar esse problema que agora me aflige ou me deixa frustrado?”, “Passou-me o aniversário de Fulano!”, “Não previ bem, e agora não dá mais para estudar tudo o que precisaria para as provas”…

Muito bem diz o livro Caminho: <<Virtude sem ordem? – Estranha virtude>> (n.79), e <<Quando tiveres ordem, multiplicar-se-á o teu tempo…>> (n.80).

Aconselho que, num dia em que estiver afobado e sentir a agonia de um monte de coisas a fazer que se agitam por dentro, pare, detenha por cinco minutos a correria: sente-se, pegue num papel (melhor numa agenda) e anote os assuntos pendentes, colocando-os em coluna e recolocando-os a seguir pela ordem de precedência que julgar melhor.para_estar_menor

Depois disso, verá duas coisas: os “marimbondos” não são tantos como a imaginação insinuava, e o tempo não é tão curto como parecia. Normalmente, dá pra fazer tudo ou quase tudo. Como faz falta a agenda, e como é grande a preguiça de usá-la!

Se, ainda por cima, percebe que se demora demais em certas tarefas, telefonemas ou “papos furados” e que poderia também ter aproveitado melhor alguns intervalos e tempos “mortos”, descobrirá que, com uma ordem bem planejada, o tempo rende bem mais do que imaginava. Então, com o dia assim preenchido e sem a ansiedade nas tarefas, chegará à noite ou acordará de manhã com mais paz, poderá sentar-se, recolher-se e estar em melhores condições de ler e de orar com serenidade e proveito.

Segundo meio: vencer a curiosidade inútil ou má. Os olhos e os ouvidos são janelas…, e às vezes são bueiros de esgotos. Veja o que deixa entrar na alma por aí. Porque o que entra, fica, e depois pica (como os mosquitos e as cobras). É preciso lutar para evitar a curiosidade infantil ou sórdida, descontrolada, é preciso fazer a mortificação de vencer-se nesse defeito. Quando se vai conseguindo, nota-se que a paz aumenta na alma.

O terceiro meio, que também não é fácil, mas é possível e muito conveniente. Mal perceba que a imaginação e a memória se giram com imagens e pensamentos inúteis ou nocivos, não se largue ao embalo deles, mas procure reagir. Poderá fazê-lo comum ato de vontade – “tenho que parar de pensar nisso, vou pensar em outra coisa” -, ou melhor, pedindo ajuda a Deus, a Nossa Senhora, ao seu Anjo da Guarda.

Também, por exemplo à noite, quando não conseguir adormecer, reze seguidamente orações brevíssimas (jaculatórias, como faziam os santos), ou os Pai-nossos e as Ave-marias do terço; ou, se a insônia for mais forte, pegue num bom livro. Alguém recomendava, com humor, um livro, pesadão, que possa ter a função de sonífero.

Vemos que o recolhimento, no fundo, consiste na conquista do silencio exterior e interior.

Hoje, terminarei esta meditação citando-lhe umas palavras da Madre Teresa de Calcutá: <<O fruto do silêncio é a oração. O fruto da oração é a fé. O fruto da fé é o amor. O fruto do amor é o serviço – (a intimidade com Deus sempre leva a servir os outros!) -. O fruto do serviço é a paz>>.

 Trecho retirado do livro: Para Estar com Deus

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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