A Fênix: Morrer para renascer

O ser humano tende a fazer do visível o trampolim para ilustrar o invisível. No folclore de muitos povos há estorietas fictícias cheias de sabedoria; entre elas, a lenda da fênix, que já Heródoto (séc. V a.C.), poeta grego, contava, e que a tradição cristã assumiu como significativa da ressurreição de Cristo e, indiretamente, dos cristãos. Eis o seu teor:

Havia no longínquo Oriente, um país muito feliz, cujas portas se abriram para o céu. Nesse país não existia nem doença nem sofrimento nem morte. Lá se achava um bosque habitado por um pássaro maravilhoso, a fénix, que cantava todas as manhãs, saudando o nascer do sol. Eis, porém que de mil em mil anos sentia o desejo de morrer para renascer. Deixava então o seu sagrado recinto e vinha pra o nosso mundo, onde reina a morte. Voava então para a Síria (Fenícia); lá escolhia uma bela palmeira, na qual confeccionava seu ninho, ou melhor, seu túmulo; recomendava sua alma à Divindade e permitia que seu corpo fosse consumido pelo fogo e assim reduzido a cinzas. Destas ressurgia um verme, que se transformava em borboleta e, finalmente, em nova fênix. Tendo renascido a partir das próprias cinzas, a fênix retomava o vôo e ia levar os restos do seu velho corpo até o altar do sol em Heliópolis no Egito; aí oferecia-se em espetáculo às multidões, que a saudavam exultantes. Por fim, retornava ao seu país no Oriente.

Ora essa lenda foi utilizada por S. Clemente Romano (+cerca de 97), Tertuliano (+ 220 aproximadamente), Latâncio (+ após 317) e outros autores cristãos, assim como pela iconografia, para ilustrar a ressurreição de Cristo: Deus Filho veio do “paraíso” ou do estado de felicidade celeste a este mundo, onde reina a morte. Aceitou morrer, mas voltou à vida num corpo glorioso, com o qual retornou à “casa do Pai”. Assim Ele demonstrou aos homens que a morte não é morte, mas, sim passagem para nova vida. Consequentemente o cristão vê na lenda da fênix uma imagem da sua própria ressurreição, configurada à de Cristo.

Como dito, a estória da fénix tinha significado também para o homem grego pré-cristão, pois foi primeiramente concebida pelo poeta-teólogo Heródoto. Isto que dizer que no mais íntimo de cada homem, independentemente da sua crença religiosa, existem a aspiração e o senso da imortalidade; existe o anseio de superar a morte e conseguir a athanasía, que segundo os gregos, era privilégio dos deuses. Essa vitória sobre a morte é concedida por Cristo a todos os homens, aos quais Ele promete a ressurreição da carne. Verdade é que certos ambientes gregos pré-cristãos, impregnados de dualismo (cf. 1Cor 15), dificilmente aceitaram a idéia de volta ao corpo ou ressurreição. Prevaleceu, porém, a concepção de que o corpo é elemento integrante do ser humano e deve Ter parte na sorte final do indivíduo.

A lenda da fênix transfigura a morte, fazendo dela passagem para a plenitude da vida.

“Ó feliz ave, que obteve a vida eterna mediante o benefício da morte!” (Latâncio).

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 481 – Ano 2002 – p. 241

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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