Além de
quanto foi dito atrás, deve-se notar que, em nossos dias principalmente, a fé
requer estudo continuado. Com o passar dos anos, as verdades reveladas podem
ser penetradas com mais maturidade. O cristão as contempla numa síntese
harmoniosa, que depende da aplicação da mente e da vivência concreta. Por outro
lado, a multiplicação de correntes religiosas, sociedades “místicas”,
escolas de orientalismo exige do fiel católico urna constante atualização de
seus conhecimentos religiosos, a fim de que não se deixe levar por objeções mal
construídas e sofismas. Especialmente importante, no caso, é o estudo da
Escritura Sagrada e da História da Igreja.
3.2. Vícios de Método
Há quem se
faça de pesquisador autodidata, as vezes preconceituoso. Tal pessoa dificilmente
atingirá a beleza das verdades da fé.
S.
Agostinho, ao descrever seu itinerário espiritual, refere-se a uma época em que
ele queria enquadrar Deus dentro de imagens quantitativas. Este preconceito
lhe dificultou o acesso a verdade:
“Queria
ter na área das realidades invisíveis uma certeza igual a de que trás mais sete
são dez… O que não era suscetível de uma representação quantitativa,
parecia-me não existir” (Confissões VI 4: VII 1):
Requer-se
do estudioso não uma diminuição do rigor lógico, mas o que Aristóteles
considerava sinal de maturidade cientifica: a plasticidade da inteligência, que
sabe adaptar-se aos múltiplos aspectos da realidade, procurando em cada
aspecto os caminhos que, decorrentes da própria natureza das coisas, levam a
certeza. Trata-se de ser dócil a realidade investigada em toda a riqueza da
sua complexidade.
Os vícios no método de estudo podem
levar a uma falsa certeza ou saber falso, que é pior do que a própria
ignorância. Já Platão (+ 347 a.C.)
o notava:
Na obra “Leis”, um dos
interlocutores diz a Platão: “Parece-me que receias entrar nessas
questões por causa da nossa
ignorância”. Responde o mestre: “Muito mais recearia tratar com
pessoas que tivessem estudo tais coisas, porém mal. No caso, não é a ignorância
das multidões a mais perigosa, nem a mais terrível, nem o maior dos males. Ter
estudado muito e muito haver aprendido, mas com métodos viciosos, é mal muito
maior” (Leis X 818s).
Com outras
palavras: aprender mal é pior do que não aprender. As falsas
“verdades” causam maior mal do que a ignorância.
Um dos mais
sérios obstáculos a apreensão da verdade é o preconceito do racionalismo. Este
afirma que tudo pode ser explicado racionalmente. 0 que a razão não abarca, só
pode ser lenda ou mito. Assim fica de antemão excluída a possibilidade de
qualquer intervenção extraordinária de Deus no curso da história. No princípio
da investigação científica põe-se um ato de fé,… ato de fé num preconceito
estabelecido dogmaticamente. Ora a ciência deve ser imparcial; ela não pode ser
cerceada por preconceitos ou por princípios estipulados a priori ou de antemão.
4.
Obstáculos Morais
4.1. O Orgulho
O orgulho é
a recusa de qualquer submissão: é a pretensão a uma independência sem limites.
É claro que isto dificulta, se não impede, o acesso a Deus.
O orgulho é excitado pelas conquistas
científicas e tecnológicas do homem contemporâneo, que, ao menos
inconscientemente, tende a colocar Deus de lado para ocupar o lugar dele.
Alias, já no século passado Pierre Eugène Marcelin Berthelot (+ 1907), grande
químico francês, escrevia:
“Para
que a ciência não se fragmente em especialidades, é mister que haja pelo menos
um cérebro capaz de abraçá-la no seu conjunto. Esse cérebro creio ter sido eu;
receio ser o derradeiro” (citado por Paul Painlevé, Le Temps, 20/3/1907).
Não é
necessário desenvolver a temática, clara por si mesma.
A
Sensualidade
A
sensualidade é a busca do prazer sensual pelo prazer, sem respeito a finalidade
das funções sexuais. A Moral filosófica não é contrária ao prazer, mas afirma
que o prazer é um derivado decorrente do exercício harmonioso de determinada
atividade.
A
sensualidade pode escravizar o homem e obnubliar a sua mente. Produz
desequilíbrio no comportamento humano e assim incompatibiliza as pessoas com as
verdades da fé.
Esta
afirmação é evidente aos pensadores desde os tempos mais remotos. Já Pitágoras,
no século VI a.C., submetia seus discípulos a longo exercício de virtudes que
os preparassem ao estudo da sabedoria. A ascese era o vestíbulo da escola
pitagórica.
Sêneca (+
63 d.C.) escrevia:
“Se a
virtude a que aspiramos, é de tão grande valor; não é porque a isenção de
vícios seja uma felicidade real, mas porque assegura à alma toda a sua
liberdade e a prepara ao conhecimento das coisas celestes, tornando-a digna de
conversar com Deus” (Quaestiones Naturales, Prefácio).
Aliás, o
Senhor Jesus o confirma no Evangelho, dizendo: “Bem-aventurados os puros
de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8).
O impuro
não pode conhecer o puro. A maneira de viver condiciona a maneira de ver.
À guisa de
ilustração sejam citados ainda outros pensadores, mesmo não cristãos:
Rogério
Bacon (+ 1294), o fundador da ciência experimental, escrevia:
“A virtude
esclarece a inteligência e facilita-lhe a compreensão não só das verdades
morais, mas até mesmo a das puramente científicas” (Opus Maius II).
Maine de
Blran (+ 1824), um dos pensadores modernos mais perspicazes, observa:
“É
mister reconciliar o coração com as luzes, a consciência com os costumes, os
deveres com os prazeres e, por aí chegar a paz do coração, a esta paz interior;
sem a qual não há felicidade possível” (Journal Intime).
Na Alemanha
Johann Gottlieb Fichte (+ 1814) afirmava:
“Se
minha vontade é reta, se ela tende constantemente para o bem, a verdade se
revelará sem dúvida a minha inteligência. Eu sei que não pertence só ao
pensamento produzir a verdade” (Destination de I’homme).
A grande Santa Teresa de Ávila (+
1582) notava :
“A coisa
mais razoável do mundo parece-nos loucura quando não temos vontade de
praticá-la” (Fundações cap. V).1
Passemos
agora à
5.
Conclusão
Escreve o
Pe. Leonel Franca em sua linguagem erudita:
“A
conquista da verdade religiosa encontra numerosos obstáculos, uns de ordem
intelectual, outros de caráter moral. Na realidade viva das almas, a ação de
uns e de outros… funde-se na síntese de um todo solidário e complexo. As
ignomínias do coração procuram sempre a cumplicidade da inteligência. Os
extravios intelectuais raras vezes deixam de refletir-se na desordem dos
costumes. Erro e vício colaboram freqüentemente em afastar o homem da verdade
total.
Destas
dificuldades triunfam as pessoas retas e sinceras” (A Psicologia da Fé.
Ed. Agir; p.195).
Após quanto
acaba de ser exposto, verifica-se que a fé mexe com toda a personalidade do ser
humano: intelecto (pois é a adesão a Verdade, e não um sentimento cego),
vontade (pois vem a ser entrega total e livre a Deus, que fala e convida) e
afetos ou paixões (pois exige ordem e equilíbrio no mundo afetivo do ser
humano, que é, muitas vezes, sorrateiro e traidor). A fé, porém, assim
concebida vem a ser o antegozo do encontro final com Deus, que é a Grande Resposta
aos anseios humanos.1. O Pe. Leonel Franca S. J explica:
“A
psicologia religiosa projeta aqui a claridade de suas luzes e mostra-nos como a
desorganização dos costumes e a ascensão espiritual são movimentos, de sua
natureza, opostos, dos quais o primeiro tende fatalmente a paralisar o segundo.
É, antes de
tudo, uma questão de lógica elementar. No domínio religioso, fé e costumes
acham-se, de direito, unidos por uma solidariedade indestrutível E uma e a
mesma realidade que funda em si duas ordens de relações diversas, uma para com
a inteligência, outra para com a vontade. O conhecimento da vida íntima de Deus
e da participação desta vida as criaturas na economia atual da Providência: eis
a fé. As condições práticas de realizar esta economia e atingir a felicidade
dos destinos que nos foram preparados; eis a lei. O símbolo, portanto, dogmata,
e o Decálogo, mandata, são as duas expressões da mesma realidade objetiva, uma
no domínio do pensamento, outra no domínio da ação; fundando lá a ordem da
verdade, aqui a da moralidade; impondo a inteligência uma regra de crer e a
vontade uma norma de agir. Esta conexão íntima, baseada na própria natureza das
coisas, cria, para quem se furta ao dever dos mandamento, uma situação de
hostilidade, manifesta ou latente, as exigências da fé. Subjugada aos
sentidos, a inteligência perde a liberdade indispensável ao exame objetivo e
imparcial da realidade. Os “livres-pensadores” são os pensadores mais escravos
do mundo” (A Psicologia da Fé; 6ª edição, Rio de Janeiro, p.171).