A Estrela que guiou os magos realmente existiu?

A professora Flavia Marcacci explica os fenômenos astronômicos da época

ROMA, 07 de janeiro de 2012 (ZENIT.org) .- É verdade que o nascimento de Jesus coincidiu com a passagem de um cometa no céu? Ou foi somente  a coincidência de estrelas brilhantes? Outros falam de uma estrela de brilho espetacular. É verdade que os magos seguiram a estrela para chegar até o nascimento de Jesus? O que dizem as fontes históricas? e as astronômicas? Quem sugeriu a Giotto pintar o cometa? Há uma abundância de perguntas sobre a veracidade do fenômeno astronômico que teria ocorrido no momento do nascimento daquela criança que se dizia filho de Deus e que deu origem ao cristianismo. Para tentar esclarecer o mistério ZENIT entrevistou a professora Flavia Marcacci, professora de História do pensamento científico na Pontifícia Universidade Lateranense.

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O Proto-evangelho de Tiago e Orígenes falam de um cometa ou algo parecido. Alguns falam do cometa Halley que parece que foi visível no 12 a.C., embora a maioria dos historiadores datam o nascimento de Jesus entre o 7 e o 4 a.C. O que você acha disso?

Marcacci: O Proto-evangelho de Tiago fala de uma “estrela” no Capítulo 21. Esta estrela teria precedido os Magos na sua viagem até ter parado acima da gruta da Sagrada Família.  Com relação ao Evangelho de Mateus (capítulo 2), que é o único que se refere à estrela, o Proto-evangelho adiciona um detalhe: tratava-se de uma “estrela grandíssima”, de notável esplendor, tão grande que obscurecia as outras estrelas do céu. Os outros Evangelhos não mencionam a estrela e nem os Magos. Por outro lado, Lucas fala de um anjo que surpreende com a sua luz os pastores (2,9) e da multidão do exército celestial que glorificava a Deus (2, 13-14). Agora, a luz, em geral, tem um valor simbólico muito importante – pensemos também no prólogo do Evangelho de João. Então se poderia dizer que também a estrela dos Magos certamente têm um significado simbólico, ainda mais porque na tradição judaica ela representava um sinal messiânico: tal interpretação é amplamente compartilhada hoje pelos exegetas. Orígenes desempenhou, pelo contrário, um papel particular, justamente se olharmos para a história da exegese da passagem de Mateus: antes dele se olhava para as estrelas como autênticas e verdadeiras personificações, por razões que poderemos definir culturais. A física, a filosofia da natureza antiga considerava os céus habitados por inteligências organizadas em esferas sucessivas, de acordo com um costume e uma sensibilidade de molde Pitagórico-Platônico, correndo o risco de escorregar em simplificações ingênuas. Também Aristóteles segue este molde, mas atribuindo a repetição idêntica dos movimentos celestes não a uma inteligência pessoal, mas sim a uma impessoal Causa Primeira (o Motor Imóvel, de fato). Nos tempos antigos, no entanto, havia também uma outra linha de pensamento, uma autêntica e real astrolatria. Já então, a sabedoria do Oriente próximo associava de modo direto a idéia de “deus” à imagem da estrela. Assim, os Gregos, por exemplo, pegaram daqui o costume de associar na nomenclatura deuses e planetas, embora numa relação historicamente tão articulada pela qual não foi imediata a identificação entre os deuses e os astros; os Romanos, por outro lado, continuam a usar estas correspondências, como mostrado em autores como Macróbio (século V). Mas poderíamos continuar citando a Gnose que constrói uma espécie de geocentrismo divinizado. Neste quadro tão interessante e variado Orígenes (185-254) parece aludir ao evento celeste de Belém como a um fato natural, normal.

Em 1977 um grupo de pesquisadores britânicos (Clark Parkinson e Stephenson) constataram que os estudos astronômicos chineses registraram em março do ano 5 a.C. a aparição de um objeto brilhante, provavelmente uma nova, que permaneceu visível por cerca de 70 dias entre as constelações de Aquila e de Capricórnio. É  possível?

Marcacci: Sem dúvida não é o cometa Halley, cujas passagens foram devidamente registradas pelo astrônomo Paolo Maffei em um livro inteiramente dedicado à questão (o cometa Halley do passado ao presente, Milão 1987). A passagem do cometa mais próxima ao nascimento de Cristo tinha que ser do 12 a.C. Mesmo se levarmos em conta as correções a serem aplicadas à datação do nascimento de Cristo, que erroneamente Dionísio, o Pequeno, atrasou por 5-7 anos, há contudo uma certa defasagem temporal. Na verdade o cometa Halley é aquele que Giotto representou na Capela dos Scrovegni representando a Adoração dos Magos: tinha visto a aparição do cometa no 1301, de acordo com estudos de R.J.M. Olson, e teve de receber tantas sugestões que no final quis representá-lo no seu ciclo pictórico. A partir de então, o cometa se configurou como um verdadeiro símbolo do Natal, na verdade, particularmente adequado, pois sendo um objeto móvel e portanto capaz de “antecipar” o caminho dos Magos no imaginário coletivo.

Kepler e outros sustentaram que no ano 7 a.C. houve uma tríplice conjunção de Júpiter e Saturno ocorrida no 7 a.C. na constelação de Peixes. Os Astrônomos caldeus já o tinham previsto desde o ano precedente e a tabuinha com a previsão do fenômeno, datada do 8 a.C., foi encontrada em quatro exemplares em locais diferentes. Qual é a sua opinião sobre ele?

Marcacci: Muitos dados podem chegar até nós por meio das tábuas da astronomia chinesa, riquíssimas e numerosas. Para compreender a importância destas observações basta ter em conta um dado muito simples: enquanto que na Europa, em dois mil anos, só se produziu de fato, uma única reforma do calendário (aquela  Gregoriana do 1582), na China houve umas cinqüenta. Não é o momento para debruçar-se sobre as razões que determinaram tão forte interesse, basta apenas uma breve menção sobre a importância das observações astronômicas (em termos gerais, portanto, relativas a todos os fenômenos que apareciam no céu) na administração do Estado. O interesse por esta astronomia deveria ser notável se já no início do século XVII o padre jesuíta Schreck, membro, como Galileo, da Accademia dei Lincei, interpelou o professor e Kepler para que o ajudassem na reforma do calendário chinês. De fato, a organização do céu chinês sofria de um outro conceito astrológico e não tinha uma base teórica sólida. Os jesuítas, dotados de uma astronomia teórica sólida, embora ainda dividida entre Copérnico e Ptolomeu, ganharam a confiança do imperador por acima dos astrônomos árabes e chineses para a reforma do calendário, prevendo com maior precisão do que os concorrentes o eclipse parcial de 21 de junho de 1629 (Maffei, cit., pg. 105.). Nos anos 70 começou um certo debate justo por ocasião da leitura das tábuas chinesas: em particular, levantou a questão, o grupo de pesquisadores britânicos – Clark, Parkinson e Stephenson – observando que os registros astronômicos chineses tinham registrado em março do 5 a.C. a aparição de um objeto brilhante, provavelmente uma nova, que ficou visível por cerca de 70 dias entre as constelações de Aquila e Capricórnio. Naqueles anos surgiu Hughes com um volume inteiro dedicado à questão “Estrela de Belém” (The Star of Bethlehem Mystery, London, 1979). Vieram alguns artigos de outros estudiosos e as hipóteses se articularam, até que hoje são múltiplas: se a estrela de Belém fosse um objeto (cometa, nova, supernova) ou um fenômeno (conjunção planetária, configuração astrológica, surgimento helicoidal, observações relacionadas com a precessão dos equinócios). Até o momento, a literatura sobre o assunto continua a ser alimentada e atualizada, de tal forma que envolve acadêmicos importantes. A persistência do interesse na questão tem um precedente ilustre que remonta ao século XVII, quando o próprio Kepler calculou que no 7 a.C. houve uma tríplice conjunção entre Júpiter e Saturno ocorrida no 7 a.C. na constelação dos Peixes (cheia de significados particulares), reevocando uma antecipação da astronomia dos Caldeus.

Em suma, é plausível que tenha havido um fenômeno astronômico especial na ocasião do nascimento de Jesus?

Marcacci: Deve-se ter em mente que em sede histórica a ciência pode certamente vir a calhar, mas não deveria constituir uma prova no sentido estrito. Algo assim como no caso do eclipse famoso de Thales: não se pode pretender obter uma datação precisa dos acontecimentos da vida deste Milesio partindo da datação do eclipse, pois se correria o risco de imprecisões irritantes. Da mesma forma, não podemos usar uma data – obtida por validíssimas considerações científicas – como substituto para a falta de documentos. Nem usar um dado científico para um concordismo qualquer em sede de exegese. Portanto, nesse momento não é possível tirar conclusões definitivas e se precisa de cautela: permanece a válida significação simbólica da estrela, que já pode dizer quanto serve em relação ao Evangelho de Mateus. Porém, não seja de excluir que, no futuro, poderíamos ter indicações mais precisas: é importante que a busca sobre o “Cometa de Belém” continue como está continuando na realidade, dando espaço a muitas vozes alternativas. E não há dúvida de que a compreensão científica dos objetos celestes observáveis ??mesmo no tempo de Jesus pode dar maior força para a percepção da beleza infinita da criação em torno de nós: nós, como os Magos, ainda estamos fascinados pelo céu, e olhar para cima é, fora a metáfora, o “instinto mais profundo de cada coração e de cada inteligência”.

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Por Antonio Gaspari
Tradução TS

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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