Uma típica tentação de vaidade é publicar intimidades, que chamam a atenção ou despertam a curiosidade dos outros. Outra tentação frequente está na febre de selfie, em que as pessoas se expõem cada vez mais, com o desejo feroz de compartilhar seu dia a dia e, se possível, aparecendo em primeiro plano, o que remete imediatamente ao clássico mito grego de Narciso, que foi condenado a viver a ânsia de um amor impossível, ao se apaixonar pela própria imagem. Não parece razoável a presunção de que o gosto em fazer selfie projete as pessoas a encarnar o mito de Narciso. No entanto, essa tendência talvez se deva à necessidade de ser lembradas e de aparecer.
Nessa lógica, a selfie na internet aparece também como um desejo de ser percebido, notado, como aponta o escritor peruano Mario Vargas Llosa, 2013: “Em uma sociedade onde você vale a partir do momento em que se torna visível, a rápida disseminação de uma imagem via redes sociais permite uma imediatez na integração do mundo do consumo, do lazer e da ‘pseudo’ saída do anonimato”.
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Cultivar a alma mais que o corpo
Uma crítica interessante a essa tendência a postar continuamente fotos pessoais na internet foi retratada no primeiro episódio da terceira temporada do seriado Black Mirror, “Nosedive”, cuja trama ressalta a necessidade universal de exposição potencializada, ao apresentar um mundo em que os indivíduos são avaliados de acordo com o que fazem nas redes. Assim, em toda e qualquer situação, devem fazer uma avaliação imediata acerca daqueles com quem se encontram: quanto maior for a pontuação, mais privilégios conseguem em meio à sociedade. Dessa maneira, o único interesse das pessoas é ser bem avaliadas continuamente, uma vez que o acesso a determinados produtos e serviços é condicionado à nota geral de cada um no aplicativo.
Podemos nos perguntar por que razão pessoas se tornam presas às trocas de mensagens e ao compartilhamento de vídeos, imagens, fotos nas redes sociais. Nada mais do que o desejo de ser conhecidas e observadas pelos outros, receber atenções, ser consideradas com simpatia, satisfação e receber aprovação (ou likes), são vantagens derivadas do uso das redes sociais. É a vaidade que interessa, não o bem-estar ou o resultado positivo.
É a vaidade de contar quantos seguidores temos nas redes sociais, ler com sentimentos de regozijo ou rejeição os comentários aos nossos textos, aos números de acessos aos nossos vídeos. É uma incontida e efêmera sensação de poder, de se sentir prestigiados: vaidade, numa palavra.
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Encontramos uma forte advertência a essas atitudes no início do Livro do Eclesiástico:
Eu, o Eclesiastes, fui rei de Israel em Jerusalém e propus no meu coração inquirir e investigar sabiamente todas as coisas que se fazem debaixo do sol… Vi tudo o que se faz debaixo do sol, e eis: tudo era vaidade e aflição de espírito. Os perversos dificilmente se corrigem e o número dos insensatos é infinito (Ecl 1,12-15).
Uma manifestação de sensatez é tratar com especial reserva os dados pessoais ou familiares: ante o exibicionismo imperante no ambiente das redes sociais, devemos ser discretos com essas informações reservadas.
Retirado do livro: Internet e Evangelho – As Tecnologias digitais e a Vida Cristã. Dom Carlos Lema Garcia. Editora Cléofas.