A Declaração de Colônia – EB

Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº  325 – Ano 1989 – Pág. 255

 Em síntese: Uma Declaração
de 163 teólogos germânicos agitou a opinião pública em janeiro pp., pois  se insurgia contra certas medidas tomadas
pelo Papa João Paulo II para preservar íntegro o patrimônio da fé e da Moral
confiado por Cristo à Igreja. – Os Bispos da Alemanha responderam a esse
Manifesto, apontando a índole exagerada e preconcebida do mesmo e pedindo aos
professores de Teologia que exerçam a sua função de modo a construir a Igreja
em comunhão afetiva e efetiva com a hierarquia; a esta quis o Senhor outorgar o
carisma da Verdade (cf. Constituição Dei Verbum N.º 8) para que governem a
Igreja, que é o Sacramento ou o Corpo de 
Cristo prolongado, e não uma sociedade 
meramente humana.

Aos Bispos alemães faz eco o
Prof. Dr. Walter Kasper, teólogo alemão que não assinou a Declaração de Colônia
e foi recentemente nomeado Bispo de Rottenburg-Stuttgart.

A imprensa publicou em janeiro
pp. uma Carta assinada por 163 professores de Teologia da Alemanha, da Áustria,
da Suíça, dos Países Baixos e do Luxemburgo, com a data de 06/01/1989,
referente à autoridade da Santa Sé. Tal documento julgava haver intervenções
demasiado autoritárias do Santo Padre no tocante a três setores da vida da
Igreja: 1) nomeação de Bispos; 2) concessão ou recusa da missão canônica de
ensinar em Faculdades de Teologia; 3) magistério da Igreja, principalmente em
questões de Moral.

A Carta tornada pública
suscitou mal-estar nos ambientes eclesiásticos e civis de vários países. Em
vista da situação assim originada, o Episcopado Alemão, aos 26/01/89, emitiu
uma Nota-resposta, cujo texto se segue em tradução portuguesa.¹ A essa Nota
acrescentaremos parte de uma entrevista do teólogo alemão Prof. Dr. Walter
Kasper sobre o mesmo assunto.

DECLARAÇÃO DO EPISCOPADO
ALEMÃO

“A Declaração, de Colônia,
dos professores de Teologia Católica “contra a tutela e em prol de uma
Catolicidade aberta” foi redigida em meio a 
uma discussão que provocou muitas emoções na opinião pública e também
suscitou profunda inquietude em muitos católicos.

 

A crítica à Igreja e às suas
atitudes é coisa de todas as fases da história. Ele ocorrerá sempre também no
futuro. Mas trata-se de saber em que espírito e com que meios é levantada a
contradição. A Declaração de Colônia aborda muitos temas difíceis; mas o seu
modo simplista de os expor não corresponde à realidade. Assim a propósito das
nomeações de Bispos, é evocado um princípio genérico segundo o qual as dioceses
têm o direito de participar na escolha de seu Bispo; ora tal direito nunca
existiu ou desde muito já não existe como regra geral. A propósito da escolha
do Arcebispo de Colônia, são feitas afirmações que não resistem a uma
averiguação séria. Na base destas premissas, acusa-se o Papa João Paulo II de
assumir  numerosos comportamentos
arbitrários, cujas dimensões a Declaração exagera, falando, por exemplo, de
“mudanças subreptícias de estruturas”, “desconsideração crescente das Igrejas
particulares” (dioceses), “recusa da argumentação teológica”, “marginalização
dos leigos na Igreja”, etc.

É sempre perigoso
generalizar uma situação a partir de fatos isolados. Isto se torna ainda mais
discutível quando são utilizadas Declarações inexatas e abusos de linguagem
correspondentes, slogans e apreciações precipitadas. Os teólogos que, naquela
Declaração, apelam tão frequentemente para normas e critérios científicos,
estão obrigados a explicar meticulosamente ao grande público as questões
difíceis, em vez de estimular conclusões simplistas. Os Bispos alemães rejeitam
categoricamente as muitas acusações formuladas contra o Papa João Paulo II.

A Declaração torna difícil o
diálogo sobre os temas em foco, pois se refere ao Magistério da Igreja como
responsável de autoritarismo, uso e abuso do poder, estagnação, etc. Aliás, o
conceito de relacionamento entre os teólogos e o ministério da Igreja que está
subjacente à Declaração, é insuficiente por suas premissas, pois supõe certa
autonomia da Teologia, que não permite ver claramente a subordinação da
Teologia e o autêntico serviço que ela deve prestar à Igreja e ao ministério
desta. Com efeito; na Declaração, de princípio a fim, são postos em antagonismo
exclusivista ministério e liberdade, obediência e responsabilidade.

É legítimo abordar
publicamente na Igreja questões difíceis e controvertidas. Todavia não se ganha
coisa alguma se isto se faz sob forma de Declaração pública, de panfleto
portador de acusações unilaterais, questionamentos e deformações da realidade.
Os Bispos da Alemanha pedem a todos os professores de Teologia que ajudem a
esclarecer todos os pontos controvertidos mediante  um diálogo sério e leal, equilibrado em todos
os seus aspectos e apto a apaziguar os ânimos”.

A POSIÇÃO DO PROF. DR. WALTER
KASPER

Segue-se ainda parte do
texto de uma entrevista concedida pelo teólogo alemão Prof. Walter  Kasper ao jornal L’Awenire de 12/02/1989.
Walter Kasper é famoso por suas obras teológicas, entre as quais Der Gott Jesu
Christi (O  Deus de Jesus Cristo), que
está sendo traduzida para o português no Brasil.

Repórter: “Há quem, com
Bernhard Haering, fale de um terremoto que, a partir de Roma, está fazendo
estremecer toda a Igreja. O Presidente da Conferência Episcopal da Alemanha,
Mons.  Karl Lehmann, ao contrário, fala
de inquietação na base. Que está na realidade acontecendo?”

 

Walter Kasper: “Estou de
acordo com Mons. Lehmann. A inquietação está na base; já há alguns meses que se
nota um crescente mal-estar entre os sacerdotes e nas paróquias. À primeira
vista, isto é devido às nomeações de Bispos em algumas cidades: Coira (Suíça),
Salzburgo, Feldkirch e 
principalmente  Colônia. Mas a
questão da nomeação dos Bispos é apenas um sintoma de um mal-estar mais
profundo”.

R.: “Qual é o mal latente da
Igreja na Alemanha?”

W.K.: “Talvez não seja
apenas o da Igreja na Alemanha. O mal é um deficit de eclesiologia e se exprime
numa aceitação limitada e imperfeita do Concílio do Vaticano II. Em muitas  consciências este tornou-se um Concílio de
anseios, que nada tem que ver com a realidade dos textos. Tudo se reduz a
alguns slogans relativos à abertura para o mundo e à democratização da Igreja”.

R.: “V. Rma, não assinou a
Carta dos 163 teólogos denominada “Declaração de Colônia”. Por quê?”

W.K.: “Alguns colegas me
propuseram, mas recusei. Não compartilho nem o seu estilo nem o seu conteúdo. É
um estilo populista, que fala ao Papa através dos mass media. Ora as críticas
hão de ser feitas de outro modo, dentro da Igreja. Ademais há ali afirmações
falsas, como a acusação de que o Papa interveio na nomeação de alguns Bispos
quando isto competia tão somente às 
Igrejas locais. Não é assim. Nessa Declaração de Colônia há enorme
mal-entendido das intenções de João Paulo II e do Concílio”.

R.: “A seu modo de ver, essa  Declaração dos teólogos é um dos muitos
Manifestos de protesto que tem havido após o Concílio ou é algo de novo?”

W.K.: “Eu diria que é algo
de mais grave. É a mais ampla contestação ocorrida até hoje contra o Papa. O
Catolicismo alemão até agora apresentava uma grande força de Centro, distante
das posições de direita e esquerda. Agora existe uma brecha e até homens de
centro se enfileiram à esquerda. Professores sérios, que eu estimo, sempre
fiéis ao Papa, como, por exemplo, Auer de Tübingen, e Deissler de friburgo,
assinaram essa Carta para exprimir sua intolerância frente a Roma”.

R.: “Por conseguinte,
renasce na Igreja da Alemanha o complexo anti-romano?”

W.K.: “Há um elemento novo:
implicam principalmente com este Papa polonês, que lhes parece não entender o
Ocidente e a modernidade. Este é o desencontro atual dentro da Igreja. Ora
creio que o Papa Wojtyla lê o espírito 
moderno muito mais profundamente do que tais teólogos. João Paulo II
compreendeu muito bem as  grandes
conquistas do espírito moderno; é o campeão da liberdade religiosa e dos
direitos humanos, e precisamente por isso compreende também a crise da cultura
ocidental e a transformação da liberdade no seu contrário. Daí o seu apelo a
uma nova evangelização que crie um novo humanismo. O Papa, para quem sabe ver,
defende a grande tradição humanista. O seu conceito de liberdade é o conceito
cristão, ao passo que aqueles teólogos que protestam estão presos a um conceito
de liberdade do século das luzes. Este é o cerne da questão, que fica para além
das críticas à centralização burocrática do Vaticano”.

COMENTÁRIO

O conceito de democracia mal
entendida tende a infiltrar-se dentro da Igreja. Ora tal concepção não condiz
com a realidade da Igreja, que o Concílio do Vaticano II enfatizou ser “um
sacramento”, ou seja, algo que é humano e divino ao mesmo tempo: humano, porque
integrado por homens, sem dúvida, mas também divino, porque Cristo vive
realmente na sua Igreja e através dos homens santifica a todos,
comunicando-lhes a vida do Pai, do Filho e do espírito Santo. Isto quer dizer
que a autoridade na Igreja difere da autoridade no mundo; especialmente o
ministério do Papa, sucessor de S. Pedro, usufrui das prerrogativas que Cristo
lhe quis confiar no Evangelho: “Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça;
voltando-te, confirma teus irmãos na fé” (Lc 22,31s).

É, pois, com especial
assistência do Espírito Santo que o Papa governa a Igreja. Disto não se segue
que não possa falhar em certas questões de índole administrativa, mas é preciso
que os fiéis não se precipitem na tendência a julgar o sucessor de Pedro…
Dada a variedade de opiniões e sentenças existentes na Igreja em matéria de fé
e de Moral, João Paulo II se vê constrangido a ser especialmente vigilante na
preservação do patrimônio que Cristo confiou à Igreja; é patrimônio não humano,
mas divino, que não pode, em hipótese alguma, ser poluído por intuições
meramente humanas ou naturalistas. João Paulo II desempenha esta função com
coragem, que é também sacrifício e sofrimento, mas ele o faz por amor a cristo,
à Igreja e aos homens, ciente de que o tesouro do Evangelho puro é tesouro de
toda a humanidade, que por ninguém poder ser deteriorado.

Em última análise, a
perspectiva que o fiel  católico tem
sobre a Igreja é de fé, transcendendo as categorias meramente racionais ou
filosóficas. Não se quer, com isto, dizer que os teólogos tenham perdido a
intuição de fé, mas os Bispos lhes mostram que o seu procedimento, no caso em
foco, destoa da sua missão. É preciso que sirvam com amor à Igreja ou a Cristo
prolongado em seu
Corpo Místico, em vez de dilacerar e perturbar a coesão do
corpo eclesial. Um teólogo é essencialmente homem de fé; parte da fé e procura
penetrar na mensagem desta: fides quaerens intellectum (é a fé que procura
compreender). Ora a fé terá sempre algo de 
transcendental, chegando por vezes a ser loucura e escândalo (cf. 1Cor
1, 23); pesquise o teólogo com todo o acume da sua inteligência e fale, mas
tendo sempre em vista que trata de assuntos subordinados a critérios superiores;
lembra o Concílio do Vaticano II (Constituição Dei Verbum n.º 8) que quem tem o
carisma da verdade em matéria de fé e Moral, são os Bispos, e não os teólogos.

A fé (fides) gera a
fidelidade, pois esta não é senão a fé (fides) prolongada até as últimas
consequências.

¹ O original se acha em Pressedienst
der deutschen Bischofskonferenz (Serviço de Imprensa da Conferência dos Bispos
da Alemanha) de 26/01/89.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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