A Crença Baha’i – EB

Revista:  “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 218 – Ano : 1978  – p. 70

Um Credo religioso oriental

Em síntese: A crença Baha’i tem sua origem no islamismo persa do século passado. O seu fundador é Bahá’u’llah (1817-1892), que procurou dar à religião um caráter menos árabe e muçulmano, mais universalista ou patente a todos os homens; menos se importou com metafísica e mística, mais se voltou para a ética; conseguiu desta forma que a sua seita se espalhasse pelo mundo. A mensagem de Bahá’u’llah pretende ser a consumação de todas as crenças religiosas da humanidade o que redunda em relativismo e ecleticismo. No Brasil, os escritos da religião de Baha’i tomam características cristãs, citando o Evangelho, a fim de lograr mais fácil penetração no povo brasileiro. Na verdade, trata-se de um movimento religioso subjetivista e pretensioso notas estas que em nossos dias são aptas a angariar adeptos.

Comentário:  Já tem sido comentada em PR a difusão de crenças religiosas orientais no Brasil. Neste fascículo será considerada a religião Baha’i, de origem persa e islâmica, a qual já tem seus adeptos e suas sedes em nosso país. De antemão, convém mencionar que essa nova crença não professa o panteísmo, como as de origem indiana e japonesa, que tem entrado no Brasil, mas, sim, o monoteísmo, pretendendo ser a consumação de todas as grandes confissões religiosas da humanidade.

A seguir, proporemos as etapas iniciais do Baha’ismo, as suas principais linhas doutrinárias e, por fim, uma avaliação dessa crença.

Origens da crença Bahá’i

A religião de Baha se prende a algumas tendências do islamismo tal como era vivido na Pérsia do século passado.

Havia, com efeito, uma corrente de piedade muçulmana, dita “dos Chiitas”, que aguardava a vinda de um Messias (Qa’im) à terra, desde o século IX d.C. (isto é, desde o ano 260 da era muçulmana tal como esta era calculada pelos Chiitas).

Ora, mil anos após o início desta expectativa, isto é, em 1844 d.C. (1260 da era muçulmana), surgiu na Pérsia um arauto de Deus que dizia ser “o Aguardado” ou o Bab (= Porta da Verdade, em árabe), incumbido de transmitir aos homens a nova e definitiva revelação de Deus.

O Bab nascera em Chiraz (Pérsia) no ano de 1812, tendo o nome civil de Mirza ‘Ali Mohamed. Dotado de índole profundamente mística, abandonou o comércio, ao qual seus pais o destinavam, e foi para o Iraque ouvir os ensinamentos do famoso mestre muçulmano Sayid Kassem. Depois de visitar os santuários mais venerados do islamismo, voltou a Chiraz e entregou-se à pregação. Para os maometanos em geral, Maomé fora o selo dos profetas, a consumação das revelações divinas, de modo que ao aguardado Arauto dos Chiitas só podia caber a missão de purificar a religião mesma do corão e difundi-la pelo mundo inteiro. Não foi, porém, este o encargo que Bab atribuiu a si: aos 23 de maio de 1844, apresentou-se como portador de nova revelação, baseada em novo Código sagrado, quebrando assim as tradições muçulmanas da Pérsia (onde o islamismo era a religião oficial desde o século XVI). Bab aguçou contra si o ânimo infenso tanto das castas religiosas como das governamentais. Anexou-se-lhe, porém, um grupo de dezessete homens e uma mulher, grupo cognominado “Epístola do Vivente”, o qual o tinha na conta de Ser Divino; com o Mestre sofreram violentas perseguições. No fim de sua vida, Mirza ‘Ali Mohamed transferiu o título de Bab (= Porta da Verdade) para um de seus seguidores, e veio a morrer executado em praça pública de
Chiraz aos 9 de julho de 1850, por um pelotão de soldados. Uma vez desaparecido o fundador da comunidade, os discípulos de Bab foram entretanto as idéias do Mestre, até que um deles, Mirza Husain’Ali Nuri Bahá’ u’llah (1817-1892) no ano de 1863 proclamou ser a Manifestação por excelência da Divindade ou também o Grande Manifestante da Divindade prometido para “os últimos dias” ou ainda “Aquele que Deus haveria de manifestar”. Bab teria sido apenas seu Precursor.

Aceito como Chefe Supremo por seus correligionários, Bahá’u’llah remodelou por completo as doutrinas e práticas  legadas por Bab; um dos sinais mais evidentes dessa mudança é a troca do nome “Babis”, com que se designavam os discípulos de Bab, pelo de “Bahá’is”. Os ensinamentos de Bahá’u’llah tendiam a dar à religião um caráter menos árabe ou muçulmano, mais universalista ou patente a todos os homens; menos se importavam com metafísica e mística, mais se voltavam para a ética; conseguiram desta forma que a sua nova sociedade não ficasse sendo insignificante seita muçulmana.  Na esperança de congregar a humanidade inteira sob uma única religião, Bahá’u’llah dirigiu mensagens escritas ao xá da Pérsia, Nasiru’d-Din Shah, à Rainha Vitória da Inglaterra, ao Czar da Rússia, ao Imperador Napoleão III da França, assim como a Sua Santidade o Papa!

Bahá’u’llah e seus adeptos, considerados como revolucionários religiosos, não deixaram de sofrer perseguição por parte das autoridades civis e do povo da Pérsia, vindo o novo Mestre a falecer exilado em Acca na Palestina aos 29 de maio de 1892.  Ao morrer, Bahá’u’llah confiou a seu filho Abbas Shoghi Effendi (também chamado ‘Abdu’l-Bahá, o servo de Bahá) a missão de difundir as suas crenças e manter contato com os Baha’is do mundo inteiro. Por
conseguinte, hoje encontram-se comunidades da fé Bahá’i esparsas por várias nações e territórios, tanto orientais como ocidentais, congregando cerca de
dois milhões de membros; mais de quinhentas comunidades se acham situadas na Pérsia mesma; nos Estados Unidos da América do Norte, contam-se aproximadamente noventa núcleos. No Brasil, a fé Bahá’i vem-se expandindo. Um dos grandes centros mundiais da nova religião é o Monte Carmelo, para onde foram transferidos os despojos mortais de Bab; nos Estados Unidos da América, existe outro notável templo bahá’i em forma octogonal (para significar a universalidade da crença; oito simboliza plenitude, segundo a mística dos números!).

Analisemos agora as principais linhas doutrinárias do bahaismo.

A mensagem Bahá’i

1. A fé Bahá’i, como se depreende dos precedentes, se deriva do islamismo. Ora, já que este aproveitou muitos temas do Judaísmo e do Cristianismo, não nos surpreendemos por encontrar na religião bahá’i alguns traços das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento.

Os bahá’is professam a existência de um só Deus, distinto do mundo, portanto não identificado com a natureza ou com o homem; abraçam assim um Credo monoteísta, não panteísta ou monista (nisto divergem das religiões da India e do Extremo-Oriente, que são panteístas). O Deus Único, conforme os bahá’is, se dá a conhecer por seus profetas: Moisés, Daniel, Cristo, Maomé… (nesta linha, Cristo vem a ser apenas “um sábio educador da humanidade, assistido e confirmado por um poder divino”). Com Baha’u’llah as manifestações da Divindade chegaram finalmente à consumação, de sorte que para a fé Bahá’i convergem todas as demais crenças religiosas da humanidade: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo… A religião de Bahá está consequentemente fadada a ser a religião universal, na qual todos os homens se aproximarão e unirão entre si; em vista deste objetivo, a nova religião muito se ocupa com a paz do mundo a ser obtida mediante instituições internacionais assim discriminadas:

“Apropriadamente considerada, a Revelação de Bahá’u’llah deve ser vista como introdutora de um período cuja significação na história humana é insuperável. Nem a unificação da humanidade, nem o estabelecimento de uma paz mundial, nem mesmo a inauguração de uma comunidade mundial, completa a história do período da maturidade do homem.  Restará ao mundo alcançar uma condição particular que todos os grandes Profetas exaltaram.  Será alcançada num período áureo quando os homens viverão juntos harmoniosamente em uma sociedade inspirada pela graça de Deus. Cada religião tem seu nome particular para esse áureo período. Os cristãos o conhecem como o Milênio e sua condição como o Reino de Deus na terra, que deverá ser “repleto do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar”.

Shoghi Effendi desenvolve os prognósticos nos seguintes termos:

“A unidade do gênero humano assim como Baha’u’llah a concebeu compreende o estabelecimento de uma comunidade mundial em que todas as nações, raças, credos e classes estejam estreita e permanentemente unidas, e na qual a autonomia dos Estados que a compõem, a liberdade e a iniciativa pessoal dos membros individuais destes sejam garantidas de modo definitivo e completo.  Tal comunidade mundial deve abranger, segundo o nosso conceito, uma legislatura mundial, cujos membros, os representantes de todo o gênero humano, virão a controlar todos os recursos das respectivas nações componentes e criar as leis que forem necessárias para regular a vida, satisfazer às necessidades e ajustar as relações de todas as raças e povos
entre si.

Um executivo mundial, apoiado por uma força internacional, efetuará as decisões dessa legislatura mundial… Um tribunal mundial deverá julgar toda e qualquer disputa que surja…, sendo irrevogável a sua decisão.

Um idioma mundial será criado ou escolhido dentre as línguas existentes, e será ensinado em todas as escolas de todas as nações federais, como auxiliar à língua nativa. Uma escrita mundial, uma literatura mundial, um sistema uniforme e universal de moedas, pesos e medidas, simplificarão o intercâmbio e entendimento entre as nações e raças da humanidade. Nesta sociedade mundial, a ciência e a religião, as duas forças mais poderosas da vida humana, serão reconciliadas, assim cooperando e desenvolvendo-se harmoniosamente” (ib).

2. Na sua antropologia, a fé  Bahá’i admite a existência, no homem, de um princípio espiritual ou de uma alma imortal.  Esta vive uma só vez na terra; não se reencarna; contudo após a  morte, separada do corpo, ainda pode evoluir e aperfeiçoar-se.

“Bahá’u’llah compara a vida na terra com a vida da criança no ventre materno antes do nascimento. Ela adquire poderes para os quais, aparentemente, não terá uso no ventre, tais como os poderes da visão e audição, que só poderão ser usados após o nascimento. De forma semelhante, neste mundo adquirimos poderes e qualidades que somente utilizaremos quando o espírito estiver libertado do corpo e a falta deles será muito sentida no além…

As almas que perderam tal oportunidade também continuam a existir depois de deixarem seus corpos, mas em um estado de existência que é como a morte, comparada com a existência daqueles que adquiriram a Vida Eterna ainda na terra” (ib., Lição nº 15 da Parte IV).

De resto, assaz vagas e, por vezes, pouco coerentes entre si são as afirmações do bahaismo a respeito da vida póstuma. Tal religião não possui nem ritual nem cerimonial nem sacerdócio hierárquico. Muito mais se ocupa com preceitos de ética do que com proposições de filosofia e metafísica.

3.Eis a síntese doutrinária que os próprios adeptos bahá’is propõem ao estudioso interessado:

“A fé Bahá’i reconhece a Unidade de Deus;

afirma a unidade dos Manifestantes da Vontade Divina;

ensina que a Revelação Divina constitui um processo contínuo e progressivo;

que todas as grandes religiões são de origem divina;

que suas funções são complementares, divergindo apenas quanto às práticas religiosas e aos aspectos não essenciais de suas doutrinas;

que elas correspondem a épocas sucessivas na evolução da sociedade humana” (“Curso de Ensinamentos Bahá’is…” Lição nº 18 da Parte V).

4.Que é, pois, um Bahá’i ?

Segundo Abdu’l-Bahá, “ser Bahá’i significa simplesmente ter amor a todos, amar a humanidade e procurar servi-la, trabalhar pela paz e pela fraternidade universal”. Ainda conforme o mestre, um Bahá’i é “uma pessoa dotada de todas as perfeições humanas em ação”.

Como se vê, o ideal Bahá’i é preponderantemente um ideal ético, que incute a morigeração e os seus frutos benéficos sobre a humanidade. Quase nada tem a dizer sobre Deus e os desígnios divinos ou sobre temas teológicos propriamente ditos.

5. A despeito da sua sobriedade em questões de doutrina, os ensinamentos bahá’is são explícitos e extravagantes no tocante à mística dos números, dos nomes e das letras.

O número sagrado, por excelência, é 19, pois a expressão “Em nome de Deus benigno e misericordioso”  em árabe se escreve com dezenove letras; estas, portanto, são consideradas como a “Manifestação da Divindade”. Acontece outrossim que o conceito de Unidade é muito caro aos muçulmanos, pois exprime a essência da Divindade; ora a palavra Hahid (= Um) compõe-se de quatro letras que representam respectivamente os algarismos 6, 1, 8 e 4 e que, somadas, dão o total 19.  Este número, portanto, também observam os bahá’is que o atributo “o Vivente” (Havy), característico da Divindade, se escreve com letras cuja soma é 8 + 10 = 18; adicionando-se a isto a unidade (base de toda a multiplicidade), chega-se mais uma vez ao total 19.  Consequentemente, Bab escolheu dezoito discípulos, que com ele integravam um grupo de dezenove pessoas, constituindo “a Epístola Vivente” ou a “Primeira Unidade”.

Mais ainda: o produto 19 x 19 (= 192 ), ou seja, o número 361, também é santo, pois representa o mundo inteiro; com efeito, as palavras Kullu shay (= todas as coisas) constam de letras árabes cujo valor numérico é respectivamente 20, 30, 300 e 10; a estes números acrescentando-se a unidade (que é o fundamento pressuposto pela pluralidade), atinge-se o total 361 (= 19 x 19 ou 192). Em resumo: o número 19 é o símbolo de Deus, ao passo que 192 é o do Universo, segundo a mística que os bahá’is construíram
recorrendo recorrendo ao vocabulário árabe.

Dada a importância do número 19, a religião de Bahá tende a tomá-lo como base dos seus sistemas cronológico e monetário. Assim o ano bahá’i compreende 19 meses de 19 dias cada qual; a esses 361 dias acrescentam-se mais quatro, a fim de haver correspondência com o ano solar, adotado pelo calendário internacional dos povos; os mesmos nomes (Baha, Jala, Jamal…) que designam os meses, designam também um dos dias de cada mês, de modo que uma vez por mês o dia e o mês são indicados pelo mesmo nome; tal dia é sempre festivo para os bahá’is. A cunhagem de moedas que tomava por base o número 19 teve de ser abandonada por se evidenciar pouco prática.

A mística Bahá’i dos números tem aplicação na maneira cifrada de aludir às cidades que desempenharam papel importante na história da propagação da nova fé: assim Adrianopla, chamada Edirne em turco, é pelos bahá’is cognominada Arzu’s-Sirr (a terra do Mistério), visto que os nomes Edirne e Sirr são
equivalentes à cifra 200, portanto equivalentes entre si. A cidade de Zanjan (= 111) também é dita Arzul’-A’la (= 111). Neste setor, prepondera como critério a intuição subjetiva dos devotos, critério que nem todos os homens aceitam.

As noções acima já bastam para procurarmos formular um juízo sobre a fé Bahá’i

Do sistema religioso dos bahá’is focalizaremos apenas a respectiva posição fundamental. Se esta for comprovada vã, está claro que todo o edifício da nova fé se mostrará inconsistente.

A posição fundamental da nova religião é a de Manifestação suprema do Deus Uno, manifestação que deve consumar quanto foi dito pelos profetas anteriores (Abraão, Moisés, Cristo, Maomé).

Ora tal esquema, relativista e eclético, é muito ilusório; não resiste a sereno exame da lógica.

Na verdade, Abraão, Moisés e Cristo se situam em linha homogênea, ascensional; são arautos progressivos da revelação divina, de sorte que as suas respectivas mensagens se concateam entre si. Cristo corresponde às expectativas e profecias do Antigo Testamento; entre as profecias de Israel e a obra de Cristo há nexo lógico resultante da sábia pedagogia divina, a qual, adaptando-se à capacidade de compreensão do homem, passou de ensinamentos mais rudimentares para doutrinas mais perfeitas. Desta forma os profetas de Israel se relacionam com Cristo como o caule com seu fruto ou como etapas preparatórias com o seu termo definitivo.

Entre o Cristianismo, porém, e o Islamismo (que lhe sobreveio no cenário da história seis séculos mais tarde), já não há continuidade, mas, antes, hiato.  Maomé herdou o monoteísmo e algumas sublimes proposições das Escrituras judaico-cristãs, mas fundiu-as com crenças pagãs grosseiras. Embora julgasse ser os consumador da Revelação Divina anterior, propôs um sincretismo, que significava desvio ou mesmo retrocesso doutrinário e moral correspondente ao ardor do temperamento árabe (cf. PR 33/1960, pp. 385-393). Numa palavra: a mentalidade da religião islâmica, embora tenha seus rasgos de ardente mística, fica aquém da mentalidade do Evangelho (tenham-se em vista, para não citar outros particulares, a permissão de poligamia e o conceito de “guerra santa”). Sendo assim, vê-se que não tem cabimento apresentar a fé Bahá’i como consumação homogênea dos Credos religiosos anteriores (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo).  Não somente o Cristianismo, mas também o Islã, não reconhece nessa nova religião o desabrochar homogêneo do seu patrimônio; é demais subjetiva e fantasista para poder ser tida como o fruto da maturidade da religião de Maomé. De resto, Bahá’u’llah, para tentar congregar todos os homens sob a sua religião, teve que deixar de lado muitos dos elementos característicos que o Islamismo lhe apresentava e que seu precursor Bab ainda adotava.

2. As apostilas da doutrina Bahá’i  dizem que em 1844 os cristãos aguardavam a volta de Jesus à terra, baseando-se, para tanto, numa profecia de Daniel. Na verdade, não eram todos os cristãos que aguardavam a Segunda vinda de Cristo naquele ano, mas apenas um pequeno grupo, que nos Estados Unidos da América do Norte seguiu o líder Guilherme Miller (+ 1849). Este, depois de passar pela escola do racionalismo, se convertera à denominação protestante dos Batistas. Miller lia em Dn 8,14: “(A abominação durará) até duas mil e trezentas tardes e manhãs; a seguir, o santuário será purificado”.  Neste texto muito enigmático, tomando as “tardes e manhãs” por anos, julgava que Cristo viria instaurar o milênio no ano de 2300 a partir da data do oráculo, ou seja, a partir de 457 a.C.; o que equivalia a dizer que o Senhor voltaria para instaurar justiça e paz no ano de 1843 da nossa era ou, mais precisamente, entre março de 1843 e março de 1844. Quando em 1831 a profecia de Miller começou a ser propalada, suscitou muitos adeptos entusiastas, principalmente entre batistas e metodistas, os quais passaram a ser chamados adventistas (uma chuva de asteróides, em 1833, parecia ser o abalo de estrelas prenúncio do fim). Todavia o ano de 1843 trouxe a grande decepção aos 50.000 discípulos! Miller continuou a afirmar que o Senhor não tardaria; S. Snow refez os cálculos, anunciando o fim do mundo para 22 de outubro de 1844; em consequência, em certas regiões dos EE.UU. da América do Norte, camponeses e operários abandonavam o trabalho, e passavam as noites ao relento, esperando com impaciência febril a vinda de Cristo; a desilusão sofrida ainda foi mais amarga. Os adventistas até hoje conservam a crença no próximo regresso do Senhor; alguns dizem que o prazo previsto por Daniel de fato terminou em 1844, mas que Cristo ainda está a purificar o santuário; virá logo depois de completar esta obra”

De resto, chama a atenção como os textos de difusão da crença Bahá’i no Brasil apresentam a mensagem desta como se fosse realmente a consumação do Cristianismo; o leitor inadvertido é propenso a ver na pregação bahá’i a continuidade da fé cristã o que é falso.

3.  Os discípulos de Bahá’u’llah apelam… para o texto mesmo do Evangelho de Jesus Cristo, para tentar mostrar que este não constitui senão uma etapa provisória na história das revelações divinas.

Os trechos focalizados são as seguintes palavras de Jesus na última ceia:

Jo 14,25s: “Eu vos disse estas coisas, estando ainda convosco. O Paráclito, porém, o Espírito Santo, que o Pai mandará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo que eu vos disse”.

Jo 16,12s:  “Tenho ainda muitas outras coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora.  Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos levará à verdade completa.  Não falará por si mesmo, mas vos dirá tudo que tiver ouvido e vos dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará o que há de acontecer”.

Estes textos não forneceriam base para a concepção bahá’i da Revelação progressiva ?

A fim de se perceber o seu alcance, faz-se mister considerá-los separadamente

a)   Em Jo 14,25s, Jesus dá por encerrada a sua missão doutrinária; está tão próximo da morte que as suas comunicações com os Apóstolos há lhe parecem pertencer ao passado. Não obstante, Ele sabe que seus ouvintes estão longe de haver compreendido tudo. Quem então prosseguirá a missão de Jesus? Será o Espírito Santo, que o Pai celeste há de enviar em nome de Cristo, ou seja, para substituir Cristo e falar em nome de Cristo (cf. Jo 14,25s). A função do Espírito Santo, diz Jesus, consistirá não apenas em preservar do esquecimento os ensinamentos do Divino Mestre, mas também em ajudar a penetrar o sentido de tais ensinamentos. Pergunta-se: esta promessa de Jesus visava aos Apóstolos apenas ou também aos seus sucessores no corpo docente da Igreja até o fim dos séculos?  Esta última sentença merece franca preferência, pois é claramente sugerida pelo contexto do capítulo 14; este consigna promessas várias referentes aos tempos de ausência do Senhor, extensivas portanto ás gerações que se deviam seguir aos Apóstolos. Note-se, porém: a missão do Espírito Santo é determinada com precisão; limita-se àquilo que Jesus ensinou, não consiste em comunicar verdades novas ou em fazer ulteriores revelações, mas em ilustrar o sentido profundo das proposições ensinadas por Cristo.  Justamente baseando-se na assistência do Espírito Santo, a Igreja tem sabido, no decorrer dos séculos, tirar do depósito revelado por Cristo modalidades doutrinárias antigas e novas; Ela está habilitada a dar, em todos os tempos, juventude e vigor à única mensagem do Evangelho, sem ter que aguardar nova revelação divina no curso da história.

b) Passemos agora aos dizeres de Jo 16,12s. Não são propriamente paralelos aos de 14,25s; supõem que os Apóstolos não estejam, no momento, devidamente capacitados para entender tudo que Jesus lhes quer ensinar; em consequência, promete o Senhor que, mais tarde, o Espírito Santo completará os ensinamentos de Cristo, não somente ilustrando e aprofundando, mas também estendendo os mesmos, a fim de levar os ouvintes à plenitude da revelação cristã. Neste contexto, o Espírito Santo aparece, sim, como Portador de verdades novas, não comunicadas por Cristo, verdades que os Apóstolos, ainda comparáveis a criancinhas na ordem sobrenatural, não poderiam assimilar diretamente dos lábios de Jesus. Depois de Pentecostes, tal incapacidade já não se verificaria; os Apóstolos então estariam aptos a entender a plenitude da mensagem do Evangelho que o Espírito Santo lhes haveria de comunicar. Quanto aos sucessores dos Apóstolos, já não se ressentiriam da insuficiência momentânea em que se achavam os Apóstolos por ocasião da última ceia, pois começariam a conhecer o Cristo depois de Pentecostes, isto é, depois que o Espírito Santo tivesse derramado a sua presença e os seus dons sobre a Igreja.

Por conseguinte, a comunicação de novas verdades anunciada por Jesus em Jo 16,12s se restringe aos Apóstolos apenas, não se estende aos seus sucessores; com a geração dos Apóstolos encerrou-se a revelação divina proposta por Cristo e pelo Espírito Santo. Não há dúvida, nos decênios que transcorreram entre a Ascensão do Senhor (a. 33?) e o fim da geração dos Apóstolos, o Espírito Santo comunicou a estes verdades que anteriormente não teriam compreendido (daí falar-se, na Igreja, de “tradições divino-apostólicas”, válidas como regra de fé ao lado das tradições escritas ou do Evangelho).  Jesus, de resto, frisava bem que esse ensinamento do Espírito Santo não seria estranho nem heterogêneo em relação ao de Cristo; antes procederia da mesma fonte suprema, ou seja, do Pai celeste…: “Não falará por si mesmo, mas vos dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará o que há de acontecer… Receberá do que é meu, e vo-lo anunciará” (Jo 16,13s).

Os Apóstolos, por sua vez, tinham consciência de que a mensagem do Evangelho é a definitiva comunicação de Deus aos homens na história deste mundo.  Era tal consciência que eles exprimiam quando afirmavam que “os últimos tempos ou a última hora haviam chegado” (cf. 1 Jo 2,18; 1 Pdr 4,17).  “Último”, no caso, não significa posição noa ordem cronológica (não insinua, portanto, proximidade do fim do mundo), mas designa a fase definitiva da história religiosa do gênero humano: após a vinda de Cristo não se espera mais nenhuma revelação oficial de Deus aos homens nem algum novo estatuto de salvação. A história do mundo poderá ainda protrair-se por milênios…; o Senhor Deus, porém, não mudará essencialmente os meios de salvação outorgados mediante a pregação e a cruz de Cristo.

4.Por fim, ainda uma observação parece oportuna. Pode-se verificar que os movimentos religiosos ou as “religiões novas”, em nossos tempos, não raro se apresentam cada qual como “religião de cúpula” ou “consumação dos credos anteriores”; pretendem dar em plenitude aquilo que dizem estar esfacelado de maneira infantil nos demais sistemas religiosos. Para congregar todos os homens sob a sua égide, esses novos credos reduzem ao mínimo as suas proposições doutrinárias e insistem principalmente na ética natural, ou seja, na reta conduta de vida que a consciência  por si mesma incute a todo indivíduo. Tal posição parece magnânima e generosa; na verdade, é capciosa; sob o rótulo de plenitude e maturidade religiosas, bajula, de um lado, o orgulho e, de outro lado, a tendência dos homens ao menor esforço. Sim; tais modalidades de religião, em que o subjetivo prepondera sobre o objetivo são relativamente cômodas; na realidade, equivalem a apostasia religiosa camuflada; são, por parte do homem, o desvirtuamento ou o abandono do autêntico senso religioso… Em tais movimentos modernos, a Religião deixa de constituir algo de absoluto; vem a ser considerada como sistema de morigeração e beneficência, que o homem é livre de fundar, fundir, refundir e desfazer, segundo o seu bom senso pessoal.  Deus passa a ser praticamente tratado como projeção da mente humana, não como Criador e Absoluto Senhor, do qual o homem tenha que aprender, por meio de sinais objetivos e concretos, a prática da Religião ou o caminho de volta ao seu Autor!

Com estes dizeres damos por caracterizada a posição fundamental da fé Bahá’i.  Se tal atitude se manifesta precária, precária ou errônea há de ser a nova fé ou a pretensa “religião de cúpula”.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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