A Cabala

A palavra “cabala” vem do hebraico gaballah, que significa tradição ou transmissão. Designa a doutrina esotérica ou secreta dos judeus que se foi formando aos poucos desde o início da era cristã, e no século XII d.C. atingiu sua configuração mais elaborada. Resulta da fusão de genuínos elementos bíblicos (o texto sagrado é básico nas especulações cabalísticas) com o neoplatonismo panteísta e outros segmentos místicos da antiguidade e da Idade Média.

1. O que é cabala?

Os cabalistas assim explicam a origem da cabala: Henoque (cf. Gn 5,21-24) ensinou ao patriarca Abraão (século XIX a.C.) uma doutrina oculta, que este transmitiu oralmente aos seus filhos e netos. No século XIII a.C., Moisés redigiu por escrito esses ensinamentos no Livro da Lei ou Pentateuco.

Acontece, porém, que Moisés fora iniciado nos mistérios do Egito. Por isso, escreveu em estilo simbólico, servindo se da língua egípcia, idioma que havia chegado ao mais alto grau de perfeição.

Moisés previu que a sua mensagem, pura como era, não se conservaria nas mãos do seu povo, que peregrinava pelo deserto. Assim tencionando evitar falsas interpretações, confiou as chaves do entendimento de seus escritos a homens seguros, de fidelidade comprovada, entregando-lhes de viva voz os esclarecimentos necessários para uma autêntica compreensão da Torá (lei).

Os discípulos de Moisés confiaram esses ensinamentos secretos a outros homens, que os passaram adiante. Assim, de geração em geração, chegou até nós essa doutrina esotérica ou oculta que os rabinos chamam de “cabala”.

Moisés tinha acesso ao templo egípcio de Tebas, o qual continha os arquivos sacerdotais da extinta raça vermelha ou atlântida e os da seita de Ram, que tinha sede na Índia. Ele, portanto, foi iniciado em todos esses conhecimentos, como também nos mistérios da raça negra, guardados no templo de Jetro, seu sogro, que foi o último sobrevivente dos sacerdotes desta raça (cf Ex 3,1). Assim, a tradição oral que Moisés deixou aos seus discípulos continha o essencial de todos os ensinamentos ocultos existentes na face da terra.

Dizem também os cabalistas que Moisés escreveu em caracteres vattam; todavia, no século VI a.C. o sacerdote Esdras os substituiu pelos caracteres hebraicos atualmente utilizados. Isso deve ter criado distancia entre o texto primitivo e o atual do Pentateuco. A genuína interpretação deste foi entregue por Moisés não à tribo sacerdotal (levítica), mas a comunidades leigas de profetas e videntes, das quais a principal foi a dos essênios.

Para se conservar inalterado o texto sagrado, os profetas ditaram normas aos leitores e copistas, normas estas derivadas do esoterismo de Israel e que hoje se chamam “Masorah”. Esta, juntamente com outras tradições secretas (Michná, Gemará, Targum), constitui a chamada “cabala judaica”.

A cabala pode ser teórica ou prática. A teórica ensina algo sobre o mistério da divindade, a criação e a queda dos anjos, a origem do mundo em sete dias, a criação e a queda do homem, os caminhos para a restauração deste… Seu livro principal é o Zoharou Livro do Esplendor, escrito por Simeão bem Jochai “sob ordem vinda do ‘alto”‘.

A cabala prática ou mágica é conservada em manuscritos, as Clavículas de Salomão. Procura orientar o comportamento do homem, observando símbolos sagrados, especialmente as letras hebraicas, às quais é atribuído valor numérico e valor qualitativo. Em conseqüência, foram criados baralhos ou séries de cartas, portadores de imagens simbólicas e números; estas cartas, tiradas segundo certas regras, devem definir o caráter e o comportamento das pessoas interessadas. O mais importante de tais baralhos é o tarô, que consta de 22 símbolos (Arcanos Maiores).

2. Exercícios cabalísticos

A primeira palavra da Escritura Sagrada é “Bereasyth” (no principio). Consta de seis consoantes ou semiconsoantes: B, R, A, SH, Y, TH; dizem que essas seis letras correspondem às seis fases (ou aos seis dias) da criação do mundo (cf Gn 1,1-2,4).

O ano dos antigos era lunar; tendo 355 dias. É o que parece indicar o próprio nome hebraico “Shanah” (ano): SH =300, N =50, H =5, donde 300 + 50 + 5 = 355 Notemos que as vogais não são valorizadas no hebraico.

A cabala moderna também faz a correspondência entre letras latinas e nú­meros Donde: “O navio Titanic foi destruído por um bloco de gelo em 14/4/1912, perecendo então centenas de riquíssimos passageiros”. Ora, o nome “Titanic” tem o seguinte valor numérico:

T = 100, I = 9, T = 100, A = 1, N = 40, I = 9, C = 3; donde a soma é 262, sendo que 262 = 2 + 6 + 2 = 10. O número 10 corresponde ao Arcano X do tarô, cujo significado é: “Elevação dos humildes e queda dos orgulhosos”. Pois bem, o Titanic estava cheio de gente orgulhosa; por isso, naufragou…!

Mas a data do naufrágio também era azarenta, conforme a cabala: 14/4/1912. Somando tais números, vamos ter:

14+4+1912  1930; e 1930 é 1 +9+3+0= 13. Pois bem, 13 é o número do Arcano da Morte no tarô!

Ainda outro jogo pode ser feito: somando-se os algarismos contidos na data 14/04/1912, tem-se: 1+4+4+1+9+1 + 2 = 22. Ora, 22 é o número do Arcano da Loucura ou da catástrofe final do tarô!

3. Noções complementares

A cabala admite a reencarnação, necessária para que a alma humana possa se purificar e atingir a felicidade celeste, que consiste na plena união com Deus. Acredita também que no início da história houve o que se chama­ria de “pecado original” ou uma desobediência do homem a Deus; movido pela serpente da tentação ou a concupiscência, Adam-Kadmon (= o homem primitivo) cedeu ao amor egoísta de si, abandonando a divindade. A fim de reencontrá-la, o homem utiliza práticas mágicas ou a magia branca, que atrai a influência de espíritos superiores.

Todos os seres humanos são dotados de faculdades mágicas, em diferentes graus; todavia, não costumam cultivá-las. O mago pode entrar em comunicação com os espíritos superiores para receber deles instrução e sabedoria. Existe também a magia negra, que utiliza as forças invisíveis para cometer o mal; esta é condenável, porque os demônios que ajudam o mago negro na execução das suas práticas abomináveis o levam à perdição.

4. Conclusão

Vê-se que a cabala é um tecido de proposições imaginosas, destituídas de fundamento histórico, literário ou científico. Abrange a numerologia, a astrologia, a magia, a comunicação com os espíritos do além, o curandeirismo… Comparando os autores cabalistas, verificamos que nem sempre concordam entre si ao indiciar o significado dos números e das letras do alfabeto. A interpretação desses sinais é altamente subjetiva e pessoal, pois para um mesmo sinal podem ser atribuídas mensagens diferentes ou mesmo contraditórias.

Embora tão fragilmente construída, a cabala atrai muita gente, porque parece oferecer soluções prontas e eficientes por vias sobre-humanas a pessoas cansadas ou que colocam a razão de lado para atender à fantasia desenfreada.

Se todo homem, ao receber uma mensagem “maravilhosa”, fosse capaz de exercer uma crítica sadia, questionando as credenciais de tal mensagem ou em que fundamentos lógicos e objetivos ela se apóia, veria então muitas fantasias se dissiparem…

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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