A Bruxaria e a Feitiçaria no contexto da Inquisição – Parte 3

A partir do século XV a questão das bruxas intensificou de tal forma que a Igreja atuou com mais vigor.

Quase a metade dos 200 processos por bruxaria na Alemanha, ficaram aos cuidados de dois inquisidores alemães: Jacob Sprenger (1436-1495) e Heinrich Institores (1432-1492). A sua rígida perseguição às bruxas no Sul da Alemanha provocou a oposição das autoridades civis e eclesiásticas. Os dois inquisidores, porém, apelaram para o Papa Inocêncio VIII (1484-1492), que respondeu com a bula “Summis Desiderantes Affectibus”, de 5 de dezembro de 1484, bula na qual enumera os malefícios causados pelas bruxas. Entre outras coisas diz a Bula:

“Inocêncio Bispo, Servo dos Servos de Deus, para a perpétua recordação dos fatos… Recentemente chegou aos nossos ouvidos, não sem nos molestar profundamente, a notícia de que em territórios da Alemanha Setentrional (províncias da Mogúncia, Colônia, Tréviris) assim como nas províncias, cidades, terras e nos locais de Salzburg e Bremen, várias pessoas de ambos os sexos, esquecidas de sua salvação desviadas da fé católica tem relações com demônios íncubos e súcubos e mediante encantamentos, canções renegam sacrilegamente a fé do seu Batismo… por instigação do inimigo do gênero humano…”. “Matam as crianças no ventre das mães, assim como os fetos do gado, tiram a fertilidade dos campos, destroem as vinhas e as uvas, enfeitiçam os homens, mulheres e animais… fazem fracassar as plantações e pomares, pastos, trigais e outras plantas; além de molestar e torturar homens e mulheres com espantosos e terríveis sofrimentos e dolorosas enfermidades internas e externas…” O texto completo pode ser lido no Anexo 2 das Atas do Simpósio do Vaticano, p. 596.

Esta bula papal foi colocada em anexo no Manual de Heinrich Institoris e Jacob Sprenger e teve milhares de cópias a partir de 1468. A partir daí houve forte perseguição às bruxas no século XVI, na Itália, França e Alemanha, com milhares de vítimas.

Leia também: A Bruxaria e a Feitiçaria no contexto da Inquisição – Parte 1

A Bruxaria e a Feitiçaria no contexto da Inquisição – Parte 2

Em sua Bula InocêncioVIII dá seu apoio a Kramer e Sprenger:

“E embora nossos queridos filhos Heinrich Kramer e Johann Sprenger… tenham sido por cartas Apostólicas delegados como Inquisitores… Nós decretamos… que os acima citados inquisidores tenham poderes para proceder à justa correção, prisão e castigo de qualquer pessoa, sem folga ou embaraço” (Baigent, p. 123).

Havia uma ênfase exagerada na época entre os protestantes e católicos em relação à ação do demônio. É preciso notar que não se tinha na época uma noção correta como a teologia tem hoje sobre o demônio e seus poderes, bem como sua ação no mundo. Não havia naquele tempo a psicologia, a neurologia, a psiquiatria, a psico-análise, etc, que ajudam a discernir melhor casos reais de possessão diabólica, de problemas mentais e psicológicos.

O historiador W. Neuss diz que a razão deste pânico demoníaco consistia também na decadência religiosa da época:

“…onde a ação repressiva contra a bruxaria continuava na competência da Inquisição, como na Itália e Espanha, não as produziram perseguições de notável importância. Só depois da cisão religiosa pela Reforma, principalmente no século XVII, elas deviam – primeiro na Alemanha e propagadas dali nos demais países do Norte – celebrar suas horrendas orgias” (Bernard, p. 26).

O inquisidor Heinrich Kramer era um dominicano que, por volta de 1474, foi nomeado inquisidor em Salzburgo e no Tirol; e em 1500 foi nomeado Núncio Papal e inquisidor para a Boêmia e Moravia. J. Sprenger, também dominicano, foi prior do convento da Ordem em Colônia e nomeado inquisidor para as províncias de Colônia, Mainz e Treveris. Em 1480 tornou-se diretor de toda a província germânica da Ordem.

Kramer e Johann Sprenger redigiram o “Malleus Maleficarum”, o “Martelo das bruxas”, com mais de 500 páginas. Em 1520 já havia treze edições. O livro se propõe a mostrar as manifestações da bruxaria, para os juízes, magistrados e autoridades seculares; fornece fórmulas de exorcismo. Tornou-se um manual para os inquisidores e “era aceito não só pela legislatura católica, como também pela protestante” (Baigent, p. 125).

O Manual refere-se a várias práticas de bruxaria. Crianças que são assassinadas, cozinhadas e comidas nos Sabás das bruxas, o espetamento de alfinetes em imagem de cera, o sexo com o demônio incubo, etc.

O “Malleus Maleficarum”, em consonância com a Bula de Inocêncio VIII, de 1486, afirma que: “Esta pois é a nossa proposta: os demônios, com sua arte, causam maus efeitos por meio da bruxaria, mas é verdade que, sem a ajuda de algum agente, não podem fazer nenhuma forma… e não afirmamos que podem afligir danos sem a ajuda de algum agente, mas com um tal agente doenças, e quaisquer paixões ou males humanos, podem ser causados, e estes são reais e verdadeiros” (idem, p.126).

Para esses inquisidores o demônio é impotente sozinho, e só pode fazer o mal por meio de uma pessoa humana. E através das bruxas podiam causar os males citados pelo Papa em sua Bula. Acreditava-se que podiam por exemplo: causar chuvas de granizo e tempestades, causar impotência e esterilidade em homens e animais, causar pragas, doenças, assassinar crianças como oferendas aos demônios, levar um cavalo a enlouquecer sob o cavaleiro, causar grande amor ou ódio entre os homens, matar homens ou animais com um olhar (mau olhado), revelar o futuro, viajar pelos ares. Era o contexto da época onde a ciência era pouco desenvolvida.

O Malleus garante que as bruxas “não podem fazer mal aos inquisitores e outras autoridades, porque eles ministram justiça pública” (idem, p. 127).

“Existem três classes de homens abençoados por Deus, aos quais essa detestável raça não pode fazer mal com sua bruxaria. E a primeira são os que ministram a justiça pública contra eles, ou os processam em qualquer condição oficial pública. A segunda são aqueles que, segundo a tradição e os santos ritos da Igreja, fazendo uso legal do poder e virtude que a Igreja, com seu exorcismo, fornece na aspersão da Água Benta, na tomada do sal consagrado, no porte de velas bentas… a terceira classe são aqueles que, de várias e infinitas formas, são abençoados pelos Santos Anjos… Pois os exorcismos da Igreja são para esse mesmo propósito, e remédios inteiramente eficazes para preservar-nos dos males das bruxas” (idem, 127).

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O Malleus é fortemente motivado pela ação do demônio:

“Pois quando as moças são corrompidas, e foram desprezadas por seus amantes, após terem imodestamente copulado com eles, na esperança e promessa de casamento com eles, e viram-se desapontadas em todas as suas esperanças e em toda parte desprezadas, se voltam para a ajuda e proteção dos demônios” (idem, p. 128).

Os autores do Malleus parecem ter visto na imensa gravidade do ato sexual com um espírito desencarnado, como que uma tentativa de simular a concepção milagrosa de Jesus no seio da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo; e aí parece estar a gravidade do pecado. Não nos esqueçamos que a teologia também evolui como toda ciência.

Baigent e Leigh afirmam que a perseguição em massa às bruxas continuava, fanaticamente, também por parte dos protestantes (p. 153).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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