A Bíblia e o frei

RIO DE JANEIRO, domingo, 29 de maio de 2011 (ZENIT.org) – O conhecido dicionário Aurélio é muito claro quando diz que Frei é substantivo masculino, é forma suprimida de freire, é utilizado para distinguir de freira, que é um substantivo feminino, usado para designar religiosa, monja, madre, professora. A mesma clareza aparece quando diz que a Bíblia é o conjunto dos livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento, de importância capital, pelo qual se tem predileção incomum, interpretado há 2.000 anos por todos que pretendem desvelar o sentido mais exato de suas palavras e dos personagens nele presentes.

A Bíblia e o frei é o título que encabeça este artigo sobre os juízos humanos acerca do homossexualismo e das uniões homoafetivas, mas não tem a mínima pretensão de responder a um outro artigo de um conhecido irmão religioso que goza de certo prestígio midiático.

Essas linhas querem ser respeitosas e tão claras quanto o Aurélio, tampouco querem ser acusativas daquele que se elevou à categoria de supremo e infalível hermeneuta da Bíblia em matéria de sexualidade humana. Acontece, porém, que os homens passam, mas a Bíblia persiste e ilumina as várias gerações da humanidade, especialmente quando na sua história surgem questões tão complexas e difíceis, como são a homossexualidade e a homoafetividade, especialmente se forem consideradas dentro da visão exclusivamente hermenêutica e pluralizadora.

A pessoa homossexual ou as pessoas que procuram viver uma união afetiva não podem ficar presas só a um parecer jurídico, nem tampouco só a um processo legislativo, menos ainda só a uma problemática social de violência e discriminação. Nem sentenças de tribunais, nem projetos de lei que tramitam nos parlamentos, nem sequer a vitimização levantada a respeito dessas pessoas, entram num âmbito bíblico mais amplo e real tão próprio daquelas igrejas cristãs e da Igreja Católica quando elas defendem com amor e justiça as pessoas com essas tendências.

A Bíblia na sua mensagem essencial e transcendental revela-nos Deus no âmbito íntimo do mistério trinitário, no espaço delimitado da sua Encarnação histórica e na sua dimensão salvadora do homem concreto. Quando se parte dessa Verdade, e não das minúsculas e estreitas considerações de alguns ‘donos da verdade’, chega-se ao conhecimento profundo da pessoa humana, misteriosa na sua humanidade e encarnada no tempo e no espaço, revelando-nos em Deus o seu valor absoluto e a sua dignidade inviolável e inefável.

A Bíblia dá um enorme passo quando nos conduz ao ponto central de todas as complexas e difíceis perguntas acerca do ser humano. Quem é o homem? Para onde dirige sua vida? Por quê da sua realidade histórica-moral? Como deve ser considerado e julgada a sexualidade humana?

Todos esses questionamentos permanecem na superfície externa das culturas e das análises interpretativas de freis e freiras, de juízes e juízas, de padres e políticos, das próprias pessoas envolvidas nas decisões afetivas, quando não há a devida profundidade na revelação bíblica sobre quem é o homem, quem é a mulher, na única, fundamental e inequívoca verdade: “Deus disse: façamos o ser humano à nossa imagem e segundo a nossa semelhança (…). Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus os criou. Homem e mulher Ele os criou” (Gen. I, 25-27).

Aqui não há hermenêutica, nem singularizadora nem pluralizadora! Aqui há verdade! Aqui há imagem digna de ser reconhecida e respeitada! Aqui há identidade sublime! O que vem depois a essa revelação, isto é, os fatores biológicos, raciais, étnicos, sexuais, culturais, etc., só podem ser considerados a favor do bem das pessoas se as interpretações “politicamente corretas” forem desmascaradas e descartadas.

Em primeiro lugar, é politicamente inexato dizer que as pessoas nascem assim, pré-determinadas a uma biologia ou sujeitas necessariamente a uma definição cultural sobre a sua raça ou sobre o seu sexo. Todas as pessoas são concebidas, nascem e crescem, desenvolvem-se e escolhem novos caminhos, sempre com liberdade de quererem viver de acordo com essa intrínseca dignidade. Cabem a elas, somente a elas, e não a “pretensos hermeneutas”, darem contas a seu Criador e Redentor das suas decisões, dos seus acertos e dos seus possíveis pecados e erros na vida.

Em segundo lugar é hermeneuticamente correto dizer que a Bíblia deve ter no nosso mundo cultural e teológico o reconhecimento de seu valor divino e sagrado, bem como ser lida nos seus diversos livros, respeitando as regras hermenêuticas que permitem a autêntica interpretação literal e espiritual das suas sentenças e dos seus ensinamentos divinos.

A Bíblia é e será sempre a Palavra de Deus, palavra que revela o Criador do Céu e da Terra, a identidade divina e humana de Jesus Cristo, Redentor e, como complemento essa mesma Palavra ilumina os autênticos valores antropológicos e filosóficos que sempre, em qualquer época e cultura, influenciam positivamente a história da humanidade.

Ainda há tempo – se alguns freis, alguns ministros de tribunais, alguns políticos, alguns padres e alguns pastores permitirem -, de recuperar plenamente o sentido da Bíblia como o grande código de vida para as culturas, incluindo aqui também a cultura gay, para pensar e direcionar melhor todas as considerações sobre a homossexualidade.

Se isso, de fato, acontecer na cultura brasileira haverá mais espaço para Deus, para que sobressaia o rosto e a voz de seu Filho, Jesus Cristo e, consequentemente, haverá mais espaço para o rosto do ser humano destacar-se no meio de todas as suas maravilhas, dos seus desvios e das suas limitações.

Enquanto as ideologias existirem como um pacote que se deve aceitar e assumir em nível de militância na sua totalidade programática, o que em bom português significa “pegar ou largar” as idéias em lote, a Bíblia sempre existirá para que cada pessoa, com suas particularidades e com sua história singular, reconheça-se e valorize-se como criatura de Deus e como filha no Filho Eterno do Pai por obra do Espírito Santo, a fim de que responda à vocação do amor e da comunhão nela inscrita e aceite a própria identidade sexual e a viva na sua especificidade e na sua complementaridade.

Desde essa dignidade natural e sobrenatural compreende-se muito bem que as pessoas com tendências homossexuais chamadas à castidade pela via do autodomínio, da educação da afetividade e da liberdade interior e com o apoio de uma amizade desinteressada, além da graça sacramental, possam e devam se aproximar com confiança da perfeição cristã (cf. Catecismo da Igreja católica, n. 2359).

Por Dom Antonio Augusto Dias Duarte


Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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