Entrevista: D. Eugenio de Araújo Salles – Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro, RJ

Sábado,
quando a Catedral Metropolitana do Rio abrir as portas para uma missa em
homenagem aos 90 anos do cardeal Eugenio de Araújo Sales, os fiéis vão
encontrar uma pessoa diferente da que comandou a Arquidiocese do Rio por 30
anos (de 1971 a
2001).
O homem sisudo, de voz e passos firmes, deu lugar a um senhor que caminha com
dificuldade, fala baixo e ri.
Suas ideias, contudo, não mudaram. Diz que bandido deve ser tratado como
bandido, não como cidadão.
Folha – O sr. foi sagrado bispo aos 33 anos e tornou-se cardeal aos 48. É uma
trajetória rara na igreja, não?
Eugenio de Araújo Sales – Não é comum, mas não me julgo uma pessoa excepcional
por isso. Apenas procurei cumprir meus deveres. Sempre disseram que eu era
tradicionalista, mas nunca me classifiquei assim.

– Incomodava ser chamado de tradicionalista enquanto, durante a ditadura, o sr.
ajudou entre 4.000 e 5.000 perseguidos políticos a sair do país?
Eu não achava bom ser chamado de tradicionalista. Mas continuava meu trabalho
da mesma forma.

– O sr. ligou mesmo para o então ministro do Exército, general Sylvio Frota
[ministro do presidente Ernesto Geisel, de 1974 a 1977], e disse:
“Se receber a comunicação que estou protegendo comunistas no Palácio [São
Joaquim, sede da arquidiocese], saiba que é verdade”?
Disse, mas não para agredir. Estava revelando amizade, mas independência
também. Não houve reação negativa dele. Uma vez fui chamado para receber a
Medalha do Pacificador [concedida pelo Exército], mas não quis porque a
situação era muito difícil. Frota entendeu que não fazia aquilo como afronta.
Eles sabiam que eu não era comunista.

– Hoje temos a questão da violência, do tráfico. Qual o papel da igreja nesse
cenário?
O mesmo daquela época. Por mais de uma vez bandidos armados pararam meu carro
quando eu subia para o Sumaré [região do alto da floresta da Tijuca]. Quando
viram que eu estava no carro, mandaram seguir. Depois disso, sempre passo com
as luzes internas acessas.
É sempre um susto. Eles conhecem o carro e procuram esconder armas. Entendo o
sofrimento deles, mas isso não justifica seus atos.
Bandidos têm que ser tratados como bandidos, não como cidadãos. Bandido tem
direitos humanos. Não tem direito de ser bandido, mas não pode ser injustiçado.

– Como o sr. vê o crescimento das igrejas evangélicas?
Elas têm presença forte e avançam, mas não me alarmo. Já participei de várias
celebrações com pastores.
Não queremos agradar para conquistar, mas expor nossos pontos de vista.
É trabalho de entendimento, mas não com todos os protestantes. Esses donos de
TV e rádio atacam a Igreja. Não vou atacar porque fui atacado. A questão não é
o número de fiéis, mas viver em Deus.


– Como o sr. vê o debate sobre aborto e união homossexual?
A Igreja tem doutrina. O casamento é homem e mulher, foi ensinado por Jesus.
A Igreja é contra o homossexualismo, mas não se deve desprezar o homossexual.
Ele deve ser tratado com caridade. A adoção por parte de homossexuais é outro
problema. Não se pode expor uma criança a isso.

– A igreja enfrenta graves acusações de ter acobertado casos de pedofilia. Como o
sr. encarou isso?
A Igreja agiu, mas talvez não com muito rigor. Precisava ter sido mais
enérgica. Porém, parece ter havido um complô de ataques à Igreja,
aproveitando-se de um fato e generalizando para o todo.

– O sr. chegou a ser considerado candidato ao papado. Imaginou que pudesse ser
papa?
Nunca sonhei em chegar aonde cheguei. Ser papa é um sacrifício e jamais pensei
nessa possibilidade.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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