Transgênicos: entre técnica e bem comum

Entrevista com o Piero
Morandini, professor de Biotecnologias vegetais e Fisiologia vegetal

Por Antonio Gaspari

ROMA, terça-feira, 14 de
dezembro de 2010 (ZENIT.org)
– O documento assinado por 40 cientistas intitulado “As plantas transgências
para a segurança alimentar no contexto do desenvolvimento” suscitou um enorme
interesse e um debate acalorado.

Fruto do congresso da
Academia Pontifícia das Ciências (PAS), o documento foi alvo de especulação da
imprensa, interessada em saber se o texto refletia ou não a postura da Igreja
católica sobre o tema.

O documento, que 
apresenta pontos de vista originais nas áreas científica e econômica, é também
inovador no campo da justiça e da defesa do bem comum.

Para saber mais, ZENIT
entrevistou  Piero Morandini, pesquisador e professor de Biotecnologias
vegetais e Fisiologia vegetal da Università degli Studi de
Milão, além de um dos italianos que participaram no congresso da PAS e na
redação  do documento.

ZENIT: Quais são os
conteúdos mais importantes do documento publicado após o congresso organizado
pela Academia Pontifícia das Ciências?

Morandini: Primeiro um
esclarecimento: não é um documento da PAS, mas um grupo de trabalho convocado
por esta para uma semana de estudo. É oportuno também acrescentar que estavam
presentes o presidente, o chanceler, o cardeal Georges Cottier e vários membros
da PAS, particularmente os que têm mais autoridade no campo da biologia: o professor
Werner Arber, um dos pais da engenharia genética e prêmio Nobel (pela
descoberta das enzimas de restrição); o professor Peter Raven, botânico de fama
mundial; o professor Ingo Potrykus, inventor do Golden Rice e
organizador da semana de estudo; o professor Rafael Vicuña, biólogo molecular
chileno e a professora Nicole M. Le Douarin, bióloga do desenvolvimento. Todos
são cientistas de grande fama, cuja estatura não pode ser colocada em dúvida
por ninguém.

Portanto, é justo e devido
precisar que o documento assinado não pode ser considerado “uma postura 
da Santa Sé ou do Magistério da Igreja sobre este tema”, como esclareceu o Pe.
Lombardi, diretor da sala de imprensa da Santa Sé. Ao mesmo tempo, se os
membros da PAS que são especialistas no campo da biologia assinaram o
documento, isto também quer dizer algo.

Os outros membros da PAS
(físicos, matemáticos…) têm claramente pouca autoridade neste campo
específico e, portanto, é difícil compreender como poderiam incluir ou tirar
autoridade do documento; quanto aos especialistas externos encontramos pessoas
como Marc van Montagu, um dos pais de toda a biotecnologia vegetal. Além disso,
tudo foi feito no Vaticano, na sede da PAS e através de sua estrutura, não
casualmente, mas para mostrar a atenção que o Vaticano e a PAS têm sobre este
tema. Por último e mais importante, a PAS já havia publicado um documento em
2001 (que, entre outras coisas, é claramente retomado no documento atual) que
era já muito claro e que esteve sempre disponível (http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_academies/acdscien/documents/newpdf/es23.pdf)
na página oficial do Vaticano.

Feita esta necessária
premissa, as três mensagens principais podem resumir-se assim: primeiro, esta
tecnologia, depois de 15 anos de uso no mundo real sobre milhares de hectares,
já demonstrou amplos benefícios, também nos países em via de desenvolvimento.
Segundo: os riscos derivados da modificação genética por transgênese são os
mesmos apresentados por plantas convencionais, nas quais as modificações são
casuais. É insensato, portanto, submeter os produtos transgênicos a uma
normativa tão custosa e estrita que impossibilita a aprovação para o cultivo
nas universidades e centros de pesquisa públicos. Esta normativa, de fato,
acaba com a possibilidade de que a pesquisa pública possa contribuir para
resolver os problemas dos países em via de desenvolvimento. Estes problemas
são, principalmente, os baixos rendimientos (devidos a doenças, parasitas e
danos de insetos, seca, inundações), mas também carências nutricionais e
alimentos contaminados por toxinas.

Resumindo, é a normativa
hiper precavida (mas não científica) e custosa que impede a exploração desta
tecnologia em benefício dos pobres. Todos os demais obstáculos – patentes,
adaptação às condições locais, falta de fundos para pesquisa, etc. – são pouco
relevantes na prática.

ZENIT: Quais são as
novidades deste documento?

Morandini: A clareza em
alguns pontos e a visão global. A clareza em dizer aos que se opõem, talvez
pelas mais sagradas indignações que surgem diante de casos de exploração
indigna que se comprovam em certos países, que não consideram a grande massa de
evidências científicas e de experiências no mundo real, já que se corre o risco
de eliminar esta tecnologia e de ter o maior efeito negativo precisamente sobre
os pobres, em nome dos quais os que se opõem a estas técnicas parecem querer
falar. Não podemos continuar debatendo sobre riscos hipotéticos e imaginários
quando estas coisas já foram objeto de estudo e de milhares de publicações. É
necessário dar um passo adiante, partindo do quanto está estabelecido e
tentando resolver problemas. Clareza também porque se reconhece que a ciência e
a empresa têm a obrigação moral de tornar esta tecnologia acessível aos menos
afortunados. Ainda se se reconhece que isto já se fez em alguns casos, está
claro que é possível e deve se fazer mais. Visão global porque se
reconhece que, contudo, os transgênicos (OGM) não são “a” solução dos enormes,
numerosos e diversos problemas que afligem as populações que vivem para e da
agricultura em nosso planeta e que são perto da metade da população mundial. De
fato, a falta de infraestrutura, de estabilidade política, de educação
agrícola… são questões irrenunciáveis. Sem todas estas coisas, pretender que
os OGM sejam uma varinha mágica que pode resolver tudo é errôneo. Mas é
evidente que esses mesmos problemas se aplicam a qualquer tipo de agricultura que
não seja a típica de subsistência, praticada há séculos em muitos países e
muitas vezes associada a doenças e carestias. Estes problemas não são,
portanto, peculiares dos OGM ou uma consequência de seu uso, enquanto, pelo
contrário, alguns dos problemas podem ser atenuados pelo OGM. Por exemplo,
utilizando plantas que se autoprotegem dos parasitas e, portanto, não
necessitam de pesticidas. O único de que se necessita são as sementes.

ZENIT: O documento
sustenta que os OGM são uma grade oportunidade para os agricultores dos países
em via de desenvolvimento. Pode nos explicar por quê?

Morandini: São uma
oportunidade de muitas maneiras, ainda que claramente não existe nenhuma
panaceia porque cada situação deve ser enfrentada por suas particularidades: o
tipo de problema agrícola, as práticas locais e também a cultura local (por
exemplo, as preferências alimentares). Tenho ainda diante dos olhos as imagens
projetadas na apresentação de W. Parrott (Unversidade da Geórgia, EUA) (http://www.ask-force.org/web/Vatican1/PAS-28-Parrott-Myths-Realities-20090518.pdf)
na qual falava da Guatemala e da alta incidência dos defeitos do tubo neural,
como a espinha bífida. Em certas zonas rurais a frequência destes defeitos é 30
vezes maior que no mundo ocidental e isto se deve, em grande parte, ao consumo
de milho que contém certas toxinas produzidas por fungos que contaminam a
colheita. O milho trangênico Bt poderia reduzir drasticamente estes casos
porque reduz o dano dos insetos e a consequente contaminação por fungos nas
espigas. Convido todos a ler esse relatório (http://www.sciencedirect.com/science/article/B8JG4-506RN94-2/2/41a40cb121ad20dd44db6f76d34f1bd5).

Ainda estou comovido diante
das imagens de plantas parasitas que destroem as colheitas na África,
apresentadas pelo professor Jonathan Gressel (http://www.ask-force.org/web/Vatican1/PAS-26-Gressel-Environmental-Risk-20090518.pdf)
do Weizman Institute. Em muitos países africanos, e não só neles,
estão presentes plantas parasitas que se aferram com suas raízes às raízes das
plantas e sugam seus nutrientes. Assim, por exemplo, o milho brota, começa a
crescer, mas rapidamente murcha e não produz nada porque é aniquilado pela
planta parasita, quase comos e fosse um feitiço de uma bruxa; de fato, estas
plantas parasitas, com flores belíssimas, se chaman witchweed,
(feitiço de bruxa). Também aqui a biotecnologia poderia ajudar a prevenir a
infestação muito eficazmente.

Penso também na mandioca e
em outras espécies parcialmente tóxicas, ou nas ameaçadas por vírus ou
parasitas. Penso no golden rice e peço que todos os leitores
de  ZENIT vejam o nono slide da apresentação do professor Peter Beyer (http://www.ask-force.org/web/Vatican1/PAS-08-Beyer-Golden-Rice-Crops-20090515.pdf).
O golden rice contém pró vitamina A e foi criado para prevenir
a cegueira e morte em ciranças pobres cuja dieta está baseada preferencialmente
no arroz; cegueira e morte devidas à carência de vitamina A. A primeira versão
da planta transgênica é de 1999, mas chegará, talvez, aos campos de
agricultores de alguns países asiáticos somente em 2012.

A imagem mais impressionante
para mim foi uma das apresentadas pelo professor Zeigler (http://www.ask-force.org/web/Vatican1/PAS-29-Zeigler-Support-Research-20090518.pdf),
diretor do IRRI (Istituto Internazionale di Ricerca sul Riso, com
sede nas Filipinas). No sétimo slide, se vê um homem agachado que cava num
campo de arroz depois da colheita. Quando Zeigler perguntou a um colaborador
que fazia aquele homem, ele lhe respondeu que “estava cavando para chegar ao
ninho de ratos para recuperar o arroz acumulado por eles”. Se um homem deve
roubar dos ratos para comer, óbvio que há problemas com a produção de
alimentos. Não entro aqui no problema, ainda que relevante, do acesso
“financeiro” à comida, problema que necessitaria de outro espaço grande; quero
dizer é que se conseguimos aumentar a produção in loco, isto só
pode ter um efeito positivo sobre a possibilidade de que os produtores tenham o
suficiente e que os preços dos alimentos possam cair.

Também no caso dos
rendimentos, a tecnologia pode ajudar. Para o arroz, por exemplo, o IRRI isolou
um gene que confere resistência à submersão (e, portanto, às inundações que
muitas vezes afetam as zonas onde o arroz cresce). Somente a presença deste
gene pode criar a diferença entre uma colheita abundante e nenhuma colheita.

ZENIT: Com relação ao
risco de que as multinacionais explorem os países pobres, o documento afirma
que o maior problema são as oposições que estão fazendo subir os custo do
patenteamento e, em particular, a pesada regulamentação. Em resumo, segundo o
documento, estamos no paradoxo de que os que se dizem críticos das
multinacionais na realidade as estão favorecendo, penalizando a pesquisa biotech dos
países em vias de desenvolvimento. Poderia nos explicar este ponto do
documento?

Morandini: Na verdade, como
observava antes, as patentes não são obstáculo por diversos motivos (que
valeria a pena analisar separadamente). A regulamentação é o ponto crucial
porque requer, para o cultivo e a comercialização, um série muito longa de
exames, caracterizações moleculares, provas de campo e alimentação, que se
torna insustentável para a pesquisa pública. Penso, por exemplo, na semente de
algodão feito comestível por transgênese. Esta planta transgênica, publicada en
2006, se tivesse sido introduzida e cruzada com as variedades locais, tornaria
as sementes de algodão comestíveis, colocando à disposição de 500 mihões de
pessoas uma dose de 50g de proteínas por dia (10 milhões de toneladas de
proteída por ano), e isso sem aumentar o cultivo, sem utilizar pesticidas ou
herbicidas, sem patente alguma. Os autores o fariam disponível gratuitamente
aos países pobres, se conseguissem obter o dinheiro para chegar à
comercilaização. Haveria muitos outros exemplos.

São, portanto, os mitos dos
perigos ambientais e de saúde dos OGM, às vezes, deliberadamente criados e
propagados intencionalmente, que ajudaram a moldar a legislação vigente e que
contribuem para mantê-la, e muitos inclusive pedem para que ela seja ainda mais
restritiva. Assim, afogaram a pesquisa pública e entregaram a tecnologia
praticamente nas mãos dos grandes grupos privados. Portanto, aqueles que,
por medo das multinacionais e da exploração indevida, opuseram-se aos transgênicos,
realmente contribuíram para criar condições mais favoráveis para essa
exploração. Vejam só a Itália: a pesquisa de campo está bloqueada há quase
dez anos. Quem se beneficiou eliminando a pesquisa pública
italiana? Também esta seria uma questão a indagar (…)

ZENIT: Certa
cultura acusa a Igreja Católica a ser obscurantista, enquanto o documento
mostra que a Igreja é, certamente, muito atenta, clarividente e aberta às
inovações científicas e tecnológicas. Qual é a sua opinião sobre o
assunto?

Morandini: É
interessante dar uma volta pelos blogs que recolhem a notícia e ver o mundo dos
leitores dividido em dois. Por um lado, aqueles que estão contentes porque
a Igreja, segundo eles, finalmente acertou em alguma coisa; por outro, aqueles
que argumentam, com raiva, que a Igreja está errada também neste caso, porque
isso favoreceria as multinacionais. Minha posição, como cientista e filho
da Igreja, é que a atitude que permeia a cultura judaico-cristã, ou seja, o
mandato de “proteger e cultivar o jardim”, tem em si a semente da
tecnologia. Em uma visão de mundo que reconhece que a inteligência é um
dom de Deus, que o mundo é inteligível, e que “não agir segundo a razão é
contrário à natureza de Deus” (Papa Bento XVI em Ratisbona), o uso da
inteligência para mudar a natureza é completamente natural e aceitável, e a
tecnologia, que deriva de este uso, não é condenável em si, mas apenas quando
envolve danos à natureza ou ao homem.

Portanto, a oposição não
é a priori, mas somente se há consequências negativas. Ainda
mais duas citações para enfatizar a abertura da Igreja à atividade humana que
explora a natureza, para compreendê-la e utilizá-la de maneira sempre
nova. A primeira, mais uma vez, do discurso em Ratisbona: “Deve-se
reconhecer sem reservas o que há de positivo no desenvolvimento moderno do
espírito: estamos todos gratos pelas maravilhosas possibilidades que se
abriram para a humanidade e pelos progressos que têm sido alcançados no campo
humano. Além disso, a ética da pesquisa científica deve envolver a vontade
de obedecer à verdade e, portanto, deve ser uma expressão de uma atitude que
faz parte das decisões fundamentais do espírito cristão”; e outra citação
da Caritas in veritate: “A tecnologia – convém enfatizar – é
um fato profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem
(…). Responde à própria vocação do trabalho humano: na tecnologia,
vista como uma obra do próprio talento, o homem se reconhece e realiza sua
própria humanidade”. Se isso não for suficiente para convencer, não sei
que outras “armas” utilizar (…)

Em conclusão, e também em
relação a esta questão, convido todos a lerem a declaração, principalmente
aqueles envolvidos na mídia e na educação, incluindo cada uma das palestras
apresentadas, a fim de começar a conscientizar-se do imenso corpus de
evidências recolhidas que nos ratificam no potencial e nos benefícios desta
tecnologia. Depois disso, tirem suas conclusões.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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