Seguir Cristo na China

Entrevista
com líder da organização que defende cristãos chinesesROMA, domingo, 30 de
janeiro de 2011 (ZENIT.org)
– Bob Fu poderia ter sido um dos mortos no massacre da Praça Tian’anmen,
se não fosse pelo fato de que sua namorada (atual esposa) adoecera uns dias
antes de o governo chinês enviar o exército para reprimir os protestos
estudantis pela democracia.

Embora ele não tenha estado
na praça naquele dia, o massacre mudou a vida de Fu – foi quando ele perdeu a
fé no comunismo. Sua prisão subsequente o levou à conversão ao cristianismo e à
sua fuga da China.

Fu agora lidera, nos
Estados Unidos, a fundação China Aid, que busca ajuda internacional para
os cristãos na China.

Bob Fu fala, nesta
entrevista, sobre sua vida na China e sobre o futuro dos cristãos em sua terra
natal.

Você foi um dos líderes
estudantis na Praça Tian’anmen. Poderia nos contar o que aconteceu?

Fu: Sim. Naquele momento,
juntamente com muitas outras centenas de milhares de estudantes chineses, eu
estava na Praça Tian’anmen e, basicamente, protestávamos contra a
corrupção generalizada no governo chinês e também buscávamos liberdade,
democracia e direitos humanos. Os protestos – realizados durante várias semanas
– se encontraram, na madrugada de 4 de junho de 1989, com tanques e milhares de
soldados chineses do Exército de Libertação Popular. Os soldados começaram a
atirar no seu próprio povo. Eu havia deixado a Praça Tian’anmen três
dias antes do massacre, porque a minha namorada, hoje minha esposa, estava
muito doente.

O que aconteceu depois
disso?

Fu: Após o massacre, eu
estava basicamente sob “detenção suave”, como eles a chamam.
Formou-se uma equipe especial de interrogadores para investigar e interrogar-me
dia e noite e eu não tinha permissão para ir às minhas aulas na faculdade. Todo
dia, eu era tratado como um prisioneiro; procuravam me obrigar a assinar uma
confissão. Também exigiram que eu informasse sobre todos os que estavam
envolvidos no movimento estudantil.

No final, você cedeu?

Fu: No final, não foi o
Partido Comunista quem realmente me convenceu, mas o Espírito Santo. Então eu
tive uma mudança revolucionária na minha vida.

Você perdeu a fé no
sistema?

Fu: Sim, porque eu tinha
colocado a minha esperança no sistema. Eu tentei ser ativo na política e tentei
mudar o Partido Comunista, unindo-me às atividades do partido.

Você acreditava nele?

Fu: Sim, eu confiava no
sistema para mudar o sistema, mas, quando o exército atirou no seu próprio povo
e destruiu vidas inocentes, todos os nossos sonhos acabaram e, com a desilusão
e o desespero, quase me suicidei, até que eu comecei a conhecer o meu Senhor
Jesus Cristo.

Como você conheceu
Jesus?

Fu: Isso aconteceu num
momento em que minha vida estava em crise. Eu não sabia como sobreviveria à próxima
rodada de perguntas. Eu tinha tentado mudar os outros, mas muitos dos meus
supostos amigos me traíram para mostrar a sua lealdade ao Partido Comunista.
Então, eu estava cheio de ódio. Eu queria matá-los e depois me matar. Foi então
que alguém me deu um livro – uma biografia de um pastor chinês. O livro foi
conseguido por um cristão norte-americano, professor meu, que lecionava inglês
em nosso departamento. Ler aquele livro transformou a minha vida.

Você só disse:
“Sim, Senhor”.

Fu: Sim. O livro relata
como um ex-dependente químico, um intelectual muito experiente, chegou a
abraçar a fé cristã e se transformou totalmente, tornando-se uma nova criatura
em Cristo.

A polícia chinesa, a
polícia secreta, descobriu a sua escola bíblica. O que aconteceu?

Fu: Oficialmente, eu era um
professor de inglês na Escola do Partido Comunista Chinês de Pequim. Durante o
dia, passava várias horas lecionando Inglês aos líderes do Partido Comunista. À
tarde e no resto do meu tempo, no final de semana, eu me ocupava preparando
pastores, em uma escola bíblica clandestina, até que ela foi descoberta pela
polícia secreta chinesa. Em maio de 1996, minha esposa e eu fomos detidos e
presos.

Preso novamente. O que
aconteceu? Como foi para você?

Fu: Foi muito duro. Nos
três primeiros dias e nas três primeiras noites, tentavam não me deixar dormir
em nenhum momento. Era a privação do sono para acabar com a vontade da pessoa e
levá-la para a sala de interrogatório; e cada interrogador ocupava seu turno
para interrogar sem parar.

O que eles queriam que
você revelasse? Era informação ou simplesmente queriam que você renegasse sua
fé cristã?

Fu: Queriam que eu
revelasse quantos cristãos havia na minha igreja. Quantos estudantes? De onde
eles vinham? Quem financiou isso? Quem eram os professores? Basicamente,
queriam que eu traísse meus irmãos e irmãs cristãos. Fizeram o mesmo com minha
esposa. Constantemente me lembravam: “Sua mulher está em outra sala. Se
você não revelar nada, ela continuará presa lá”.

Você vivenciou a tortura
física?

Fu: Realmente não, em
comparação com muitos pastores da igreja, porque, de certa forma, eles me
olhavam como um intelectual. Eu tinha inclusive um diploma de Direito e só
ficava lembrando-lhes que deveriam obedecer à lei; caso contrário, eu os
perseguiria até que eles me soltassem.

Como São Paulo dizendo:
“Eu sou romano”.

Fu: Sim, sim, é assim que
eu me lembro deles. Foi difícil, mas eu não descreveria isso como tortura. Não
me deixavam dormir e fui maltratado algumas vezes, mas o tratamento que recebi
não passou disso.

Eu gostaria de falar um
pouco sobre as comunidades cristãs e como essas comunidades estão vivendo a sua
fé atualmente. Sabemos, com estimativas conservadoras, que existem cerca de 70
milhões de cristãos. É uma estimativa conservadora? De que número poderíamos
estar falando realmente?

Fu: Sabemos, pelo
ex-diretor nacional da Administração Estatal para Assuntos Religiosos, Ye Xiaowen,
que, em 2007, o número de cristãos chineses já havia chegado a 130 milhões,
incluindo os católicos. Então, sendo conservadores, pode-se falar de entre 70 e
130 milhões. Só em Pequim, eu conheci um pastor altamente respeitado pela
igreja internacional e, antes que ele deixasse a China, o diretor da Secretaria
de Assuntos Religiosos de lá lhe disse que só a cidade de Pequim tinha mais de
9.000 igrejas-lares. Portanto, este aumento não tem precedentes. Em 1949,
quando o Partido Comunista assumiu o poder, havia menos de um milhão de
cristãos, e quando nós consideramos que, mesmo sendo conservadores, há um
aumento de 70 milhões, é um grande crescimento em 60 anos.

Mas algumas vezes
acontece repressão violenta aos cristãos?

Fu: Sim. Se bem que, para
sermos justos, nos últimos 30 anos houve mudanças positivas e avanços não só de
prosperidade econômica, mas também de liberdade religiosa. Mas no geral a
liberdade religiosa ainda tem problemas. Existe uma extensa perseguição em
muitas partes da China.

Você fugiu da China. O
que o fez abandonar a pátria?

Fu: Ficamos presos durante
dois meses. Por causa da pressão internacional e porque eles não conseguiram
mostrar evidências sólidas para nos processar, acabamos soltos. Descobrimos que
a vida fora da cadeia era até mais dura do que lá dentro. Eles nos levavam para
a delegacia de polícia o tempo todo, queriam basicamente que fôssemos
informantes. Tínhamos de informar de cada ligação telefônica, cada visitante.
Era muito duro.

Uma vez a polícia levou a
minha esposa e eu até um parque e nos lembrou que podia nos prender a qualquer
momento. Uma fonte lá de dentro nos informou que estávamos na lista para voltar
a ser presos por falta de cooperação. Minha mulher estava grávida e não tinha
cartão de autorização de gravidez.

Para contextualizar o
assunto: o que é essa autorização de gravidez e como ela faz parte da política
do filho único?

Fu: O governo chinês mantém
esse controle de nascimentos, ou política do filho único, baseado na teoria de
que os recursos são limitados e que a única forma de a população existente
conseguir o bem-estar econômico é limitando o tamanho da população. No geral
eles permitem que cada família tenha só um filho. Então, quando você quer ter o
primeiro filho depois de casar, tem de pedir um cartão de autorização de
gravidez, um cartão amarelo para que a sua esposa possa engravidar legalmente.
Se ela não tiver o cartão, vai ser presa e obrigada a abortar. O cartão de
autorização de gravidez é concedido pela unidade laboral da mulher. Como a
Heidi, minha esposa, tinha sido despedida da escola de graduação da
Universidade do Povo por ter sido presa, não podia conseguir a autorização de
gravidez.

Eles simplesmente não
davam autorização?

Fu: Não. E nós tentamos
achar médicos cristãos que trabalhassem num hospital de Pequim, tentamos num
hospital que tinha um médico cristão, mas o médico simplesmente não podia nos
ajudar porque tinha medo de perder o trabalho se aceitasse cuidar da minha
mulher.

Então vocês estavam
diante de uma possibilidade de aborto?

Fu: Sim, e por isso tivemos
de escapar no meio da noite pulando pela janela do banheiro do segundo andar do
prédio.

 Você fugiu para
Hong Kong e de lá para os Estados Unidos, não foi?

Fu: Sim. Primeiro saímos de
Pequim e nos escondemos no interior, porque não tínhamos passaporte nem
documentos de viagem. Nós imaginávamos que nunca iríamos poder sair da China,
mas Deus nos mostrou o seu milagre, e com um monte de orações e muita ajuda,
conseguimos chegar a Hong Kong e, de lá, em 1997, aos Estados  Unidos.

 Eu queria voltar
ao tema da política do filho único. Qual é o impacto dela na sociedade chinesa?

Fu: Eu acho que o impacto
se manifesta em vários aspectos. Primeiro: o conceito tradicional chinês da
importância de ter um menino. Cada família quer um filho homem e isso causou um
grande desequilíbrio entre as populações masculina e feminina. Segundo: temos
uma crise enorme de pais idosos. Um casal hoje tem de sustentar duas famílias
de pais, por causa dessa política do filho  único. Terceiro:
existe uma prática massiva de esterilização forçada e de abortos. No ano
passado veio à tona o dado de que cerca de 20 milhões de bebês tinham sido
abortados e que o aborto era feito até no nono mês. Eu, pessoalmente, conversei
com uma senhora cristã, esposa de um pastor, que contou que tinha estado num
hospital, grávida de oito meses, e ao lado de ela havia outra mulher que estava
grávida de nove meses. Naquela noite, oitenta mulheres grávidas foram obrigadas
a abortar, com injeções de veneno no feto. É um assassinato em escala massiva.

O que é que tudo isso
causa na psicologia da nação?

Fu: Esta é outra
ramificação dessa política. Aquelas mulheres se deprimem e o índice de
suicídios é muito alto. A política do filho único força os pais a estragar esse
filho único, criando um filho mimado, muito egocêntrico. No ano passado, a
revista Time publicou um artigo sobre a política chinesa de um
filho só: A nova Geração da China. Uma geração egoísta. As ramificações desta
política estão só começando a se manifestar e a criar outro enorme problema
social.

O financiamento dessa
política do filho único vem do exterior? De onde?

Fu: A política do filho
único é, claro, uma política nacional do governo central chinês, mas,
ironicamente, uma grande parte do financiamento vem de organizações internacionais
como o Fundo de População das Nações Unidas, que doou centenas de milhões de
dólares. Os Estados Unidos também financiam. 40 milhões de dólares vão para a
China para ajudar a manter a política do filho único. Os países ocidentais são
cúmplices dessa política.

Por que o governo tem
tanto medo do cristianismo?

Fu: Espiritualmente
falando, a escuridão diminui quando se chega perto da luz, e por isso a
escuridão odeia a luz. Os cristãos mostram integridade, amor e perdão, e para a
escuridão isso é um desafio e uma ameaça para a manutenção do seu poder: uma
luta entre o bem e o mal. Na história chinesa, o cristianismo é visto como uma
coisa estrangeira (yang jiao), e o governo chinês, especialmente o
comunista chinês, adere à ideologia ateia – especialmente anticristã. Através
da propaganda política eles utilizam a ideologia para oprimir os cristãos.
Apresentam os cristãos como inimigos do povo, que colaboram com o Ocidente para
derrocar o governo chinês.

Nem as atividades benéficas
dos cristãos são reconhecidas; elas são ignoradas pelo governo. Durante o
terremoto, os cristãos que ajudavam foram presos só porque estavam rezando
pelas vítimas. São muitas formas de opressão e de intimidação conta as
comunidades cristãs. Eu ouvi dizer que, depois do colapso da União Soviética e
da Europa oriental, o governo chinês ficou muito nervoso.

Por verem nisso um
exemplo do que poderia acontecer com eles?

Fu: Sim. Eles diziam que
“ontem foi o irmão maior, depois será o irmão menor”, ou seja, a
China.

O cordeiro cristão pode
domesticar o dragão chinês? Existe esperança para o cristianismo e para o seu
país?

Fu: Eu tenho muita
esperança. Acredito que o Evangelho de Jesus Cristo é irrefreável. Você pode
atar fisicamente muitos cristãos, mandá-los para a cadeia ou para campos de
trabalho, mas acontece que Deus transforma essas cadeias e esses campos de
trabalho em campos de colheita. Foi assim que muitos conheceram o Senhor,
nesses campos de trabalho. Por isso eu sou muito otimista, e acho que a China
no século XXI não será só um país que recebe missionários, mas também, num
futuro próximo, a China vai se preparar para levar o Evangelho de novo a
Jerusalém, e se tornar um país de envio de missionários para o mundo todo. Sou
muito otimista.

* * *

Esta entrevista foi
realizada por Mark Riedemann para “Deus chora na terra”, um programa
rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em
colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.

Mais informação em www.aisbrasil.org.brwww.fundacao-ais.pt.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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