Santo Irineu, Bispo e Mártir

Nasceu por volta do ano 130 e foi educado em Esmirna. Foi discípulo de São Policarpo, bispo desta cidade. No ano de 177, era presbítero em Lião (França) e, pouco depois, foi nomeado bispo da mesma cidade. Escreveu diversas obras para defender a fé católica contra os erros dos gnósticos. Segundo a tradição, recebeu a coroa do martírio cerca do ano 200.

Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (Lib. 4,20,5-7: Sch 100,640-642, 644-648) A glória de Deus é o homem vivo; e a vida do homem é a visão de Deus O esplendor de Deus dá a vida. Consequentemente, os que vêem a Deus recebem a vida. Por isso, aquele que é inacessível, incompreensível e invisível, torna-se compreensível e acessível para os homens, a fim de dar a vida aos que o alcançam e vêem. Assim como viver sem a vida é impossível, sem a participação de Deus não há vida. Participar de Deus consiste em vê-lo e gozar da sua bondade. Para conseguinte, os homens hão de ver a Deus para poderem viver. Por esta visão tornam-se imortais e se elevam até ele. Como Já disse, estas coisas foram anunciadas pelos profetas de modo figurado: que Deus seria visto pelos homens que possuem seu Espírito e aguardam sem cessar sua vinda. Assim também diz Moisés no Deuteronômio: Nesse dia veremos que Deus pode falar ao homem, sem que este deixe de viver (cf. Dt 5,24).

Deu, que realiza tudo em todos, é inacessível e inefável, quanto ao seu poder e à sua grandeza, para os seres por ele criados. Mas não é de modo algum desconhecido, pois todos sabemos, por meio do seu Verbo, que há um só Deus Pai que contém todas as coisas e dá existência a todas elas, como está escrito no Evangelho: A Deus, ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele no-lo deu a conhecer (Jo 1,18).

Portanto, quem desde o princípio nos dá a conhecer o Pai é o Filho, que desde o princípio está com o Pai. As visões proféticas, a diversidade de carismas, os ministérios, a glorificação do Pai, tudo isto, como uma sinfonia bem composta e harmoniosa, ele manifestou aos homens, no tempo próprio, para seu proveito. Porque onde há composição, há harmonia; onde há harmonia, tudo acontece no tempo próprio; e quando tudo acontece no tempo próprio, há proveito.

Por esta razão, o Verbo se tornou o administrador da graça do Pai para proveito dos homens. Em favor deles, pôs em prática o seu plano: mostrar Deus ao homem e apresentar o homem a Deus. No entanto, conservou a invisibilidade do Pai: desta forma o homem não desprezaria a Deus e seria sempre estimulado a progredir. Ao mesmo tempo, mostrou também, por diversos modos, que Deus é visível aos homens, para não acontecer que, privado totalmente de Deus, o homem chegasse a perder a própria existência. Pois a glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus. Com efeito, se a manifestação de Deus, através da criação dá a vida a todos os seres da terra, muito mais a manifestação do Pai, dá a vida a todos os que vêem a Deus.

Leia também: 28/06 – Santo Irineu

O Papa e a sucessão apostólica

Os Santos Padres da Igreja

A Tradição dos Apóstolos e a Igreja de Roma (1.III, 1,12; 2,1-2; 3.1-3; 4,1; P.G. 7, 844ss; S.C.34)

O Mestre de todas as coisas deus a seus apóstolos o poder de pregar o Evangelho. É por meio deles que conhecemos a verdade. Isto é, o ensino do Filho de Deus. Foi a eles que o Senhor disse: “quem vos ouve, a mim despreza e despreza aquele que em enviou” (Lc 10,16).

Com efeito, não tivemos conhecimento da economia de nossa salvação por outros que não os pregadores do Evangelho. Este Evangelho, que eles primeiramente pregaram, depois, pela vontade de Deus, eles nos transmitiram em Escrituras a fim de se tornar “o fundamento e a coluna” de nossa fé (1 Tm 3,15).

Não se pode dizer que tenham pregado antes de possuírem o “conhecimento perfeito”, como alguns afirmaram audaciosamente presumindo até corrigir os apóstolos. Porque depois que Nosso Senhor ressurgiu dos mortos e foram os apóstolos revestidos da força do alto pela vinda repentina do Espírito Santo, ficaram eles repletos de dons e tiveram o “conhecimento perfeito”. Desde então partiram “até os extremos da terra”, proclamando a boa nova dos bens que Deus nos envia e anunciando aos homens a paz do céu: eles possuíam, todos igualmente e cada um em particular, o Evangelho de Deus.

Mateus precisamente, entre os hebreus, e também em sua própria língua, fez aparecer uma forma escrita de evangelho, ao tempo em que Pedro e Paulo evangelizavam e fundavam a Igreja em Roma. Depois da morte destes, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu igualmente por escrito a pregação de Pedro. Da mesma forma Lucas, o companheiro de Paulo, consignou em livro o evangelho pregado por este. Enfim João, o discípulo do Senhor, o mesmo que reclinou sobre seu peito, publicou também o Evangelho durante a estadia em Éfeso.

Ora, todos estes nos legaram a seguinte doutrina: um só Deus, Criador do céu e da terra, anunciado pela Lei e pelos Profetas; e um só Cristo Filho de Deus. Quem não lhes dá assentimento despreza os que tiveram parte com o Senhor, despreza o próprio Senhor, despreza enfim o Pai; e assim se condena a si mesmo, pois resiste e se opõe a sua salvação – e é o que fazem todos os hereges.

Quando estes são arguidos a partir das Escrituras, põem-se a acusar as próprias Escrituras: os textos estão corrompidos, são apócrifos, não concordam, é impossível achar neles a verdade se se ignora a tradição. Porque – (prosseguem dizendo) – essa verdade não foi transmitida por escrito e sim de viva voz, conforme disse Paulo: “Nós falamos da Sabedoria entre perfeitos, não da sabedoria deste mundo” (1Cor 2,6).

Tal sabedoria é a que cada um pretende Ter achado por si mesmo, quer dizer, é o fruto de sua imaginação, tanto que eles não vêem inconveniente em atribuí-la ora a Valentino, ora a Marcião, ora a Cerinto, Basílio ou qualquer outro que contesta (a Igreja) sem ter dito uma só palavra salutar. Cada um deles chega ao cúmulo de “se pregar a si mesmo” (Cf. 4,5) ao falsear a regra da verdade.

Quando então passamos a apelar para a tradição que vem dos apóstolos e se conserva nas Igrejas pelas sucessões dos presbíteros, opõem-se à tradição. Pretendem ultrapassar em sabedoria não apenas os presbíteros mas os apóstolos, e Ter achado a genuína verdade. Os apóstolos teriam misturado prescrições da Lei às palavras do Salvador. E não só os apóstolos, mas até o Senhor tem palavras provenientes ora do “demiurgo”, ora do “Intermediário”, ora da “Suprema potência” (6..). Quando a eles mesmos, é sem a menor dúvida, sem mistura, em estado puto, que conhecem o Mistério escondido: eis a pior das blasfêmia contra o Criador! Ocorre pois não se harmonizarem nem com as Escrituras nem com a tradição.

Contra tais adversários precisamos lutar, caríssimo! Eles se insinuam como serpentes e buscam escapar por todos os lados. Por isso de todos os lados será preciso enfrentá-los para ver se podemos, rebaixando e confundindo seu orgulho, levar alguns a se converterem à verdade. Se à alma, dominada pelo erro, não é fácil recuperar-se, também não é absolutamente impossível que se afaste do erro ao ter ante os olhos a verdade.

Assim, todos os que desejam a verdade podem perceber em qualquer igreja a tradição dos apóstolos manifestada no mundo inteiro. E nós podemos enumerar os que os apóstolos instituíram como bispos nas igrejas, bem como sua sucessões até nossos dias: nada ali foi ensinado ou reconhecido que se assemelhe ao delírio de tais indivíduos.

Se realmente os apóstolos tivessem conhecido “mistérios secretos” e os tivessem ensinado aos “perfeitos”, à parte, em desvantagem dos demais, tê-lo-iam feito em primeiro lugar àqueles aos quais confiaram as igrejas. Eles queriam, com efeito, que seus sucessores, recebendo o poder de ensinar em seu próprio lugar, fossem absolutamente “perfeitos” e irrepreensíveis em tudo (Cf.1Tm 3,2; Tt 1,6-7): sua conduta perfeita haveria de ser um bem imenso, sua queda uma grande calamidade.

Ora, dado que seria demasiadamente longo, num volume como este, enumerar as sucessões de todas as igrejas, tomaremos a máxima igreja, muito antiga e conhecida de todos, fundada e construída em Roma pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo; mostraremos que a tradição que ela tem, dos mesmos, e a fé que anunciou aos homens, chegarem até nós por sucessões de bispos. Isto servirá à confusão dos que, de qualquer forma por presunção ou por vanglória, por cegueira ou por erro doutrinário, constituem agrupamentos ilegítimos.

Porque é com esta igreja (de Roma), em razão de sua mais poderosa autoridade de fundação, que deve necessariamente concordar toda igreja, isto é, que devem concordar os fiéis procedentes de qualquer parte, ela, na qual sempre, em benefício dos que procedem de toda parte, se conservou a tradição que vem dos apóstolos (8…).

Depois de ter fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados apóstolos transmitiram a Lino o cargo do episcopado; deste Lino menção Paulo nas suas cartas a Timóteo (Cf. 2Tm 4,21). Anacleto o sucedeu. Depois em terceiro lugar a partir dos apóstolos, é a Clemente que cabe o episcopado. Ele tinha visto os próprios apóstolos, estivera em relação com eles; sua pregação ressoava-lhe aos ouvidos; sua tradição estava presente ainda aos seus olhos. Aliás, ele não estava só; havia em sua época muitos homens instruídos pelos apóstolos. Ao tempo desse Clemente, pois, uma dissensão grave ocorreu entre os irmãos de Corinto; a Igreja de Roma dirigiu então aos coríntios um escrito muito importante para reconciliá-los na paz, reanimar sua fé e anunciar-lhes a tradição que tinha recebido recentemente dos apóstolos: um só Deus Onipotente, Criador do céu e da terra, que modelou o homem, produziu o dilúvio, chamou a Abraão, fez sair seu povo do Egito, falou a Moisés, estabeleceu o regime da Lei, enviou os Profetas, preparou o fogo para o diabo e seus anjos.

Que esse Deus seja anunciado pela Igreja como sendo também o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, todos os que quiserem podem verificar segundo o mesmo documento. Podem assim conhecer a tradição apostólica da Igreja, pois tal carta é mais antiga que os fautores dos erros atuais, os quais inventam mentirosamente “outro Deus superior ao Demiurgo”, ao Criador de nosso universo.

A Clemente sucede Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em seguida, em sexto lugar a partir dos apóstolos, é instituído Sixto; depois Telésforo, também glorioso por seu martírio; depois Higino, Pio, Aniceto; Sotero, sucessor de Aniceto e agora Eleutério detém o episcopado, em 12º lugar a partir dos apóstolos (10…).

É nesta ordem e “sucessão” que a tradição dada à Igreja desde os apóstolos, e a pregação da verdade, chegaram até nós. E está aí uma prova muito completa de que é única e sempre a mesma, a fé vivificadora que, na Igreja desde os apóstolos, se conservou até o dia de hoje e foi transmitida na verdade.

Sendo nossas provas de tal monta, não é preciso ir procurar alhures a verdade, tão fácil de se haurir na Igreja, pois os apóstolos, como num rico celeiro, aí depuseram a verdade, em sua plenitude, a fim de que todo o que desejar possa tirar dela a bebida da vida (Cf. Ap 22,17; Jo 7,37). Nela está o acesso à vida; todos os demais são salteadores e ladrões (Jo 10,1.8s). Por isto é necessário evitá-los, e de outro lado amar com extremo amor tudo o que é da Igreja, retendo fortemente a tradição da verdade.

Pois bem, se ainda que apenas uma questão de detalhe provocasse a discussão, não se haveria de recorrer às Igrejas mais antiga, àquelas onde viveram os apóstolos, para se esclarecer a questão? E se os apóstolos não tivessem deixado quaisquer Escrituras, não se haveria de seguir a ordem da tradição que eles legaram aos mesmos aos quais confiaram as igrejas? (13..).

A infelicidade dos que rejeitam a Igreja (liv. III, 24,1; P.G.7, 966)

A pregação da Igreja apresenta por todos os lados firme solidez, perseverando idêntica e beneficiando-se, como pudemos mostrar, com o testemunho dos profetas, apóstolos e seus discípulos, testemunho esse que engloba o começo, o meio e o fim, isto é, a totalidade da “economia” de Deus e de sua operação infalivelmente ordenada à salvação do homem, fundamento de nossa fé. Eis por que esta fé, que recebemos da Igreja, guardamos com cuidado, como um depósito de grande valor, encerrado em vaso excelente e que, sob a ação do Espírito de Deus, se renova e faz renovar o próprio vaso que a contém. Pois como fora entregue o divino sopro ao barro modelado, foi confiado à Igreja o “Dom de Deus” (Cf.Jo 4,10), a fim de que todos os seus membros pudessem dele participar e ser por ele vivificados. À Igreja foi entregue a comunhão com Cristo, isto é, o Espírito Santo, penhor da incorruptibilidade, confirmação de nossa fé e escada de nossa ascensão para Deus: “na Igreja”, foi dito, “Deus colocou apóstolos, profetas, doutores” (1Cor 12,11) e tudo o mais que pertence à operação do Espírito. Deste Espírito se excluem os que, recusando-se a aderir à Igreja, se privam a si mesmos da vida, por suas falsas doutrinas e depravadas ações. Porque onde está a Igreja está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus está a Igreja e toda graça. Ora, o Espírito é Verdade. Assim, os que dele não participam são também os que não estão sendo nutridos e vivificados pelos peitos da Mãe, os que não têm parte na fonte límpida que brota do Corpo de Cristo, os que “escavam cisternas dessecadas” (Ir 2,12), buracos da terra, os que bebem a água poluída do pantanal. Eles fogem da Igreja para não serem desmascarados e rejeitam o Espírito para não serem instruídos. Tornando-se estranhos à verdade, é fatal que se precipitem em todo erro e pelo erro sejam sacudidos; fatal que pensem a cada momento diversamente sobre as mesmas coisas, nunca tendo doutrina estável, sendo sofistas de palavras mais que discípulos da verdade. Porque não estão fundados sobre a única Rocha, mas sobre a areia, a areia dos muitos saibros.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.