Santificados pela Esperança

Um_Curso_Em_Milagres“Se a nossa esperança do Céu é pequena, a nossa vida cristã terrena perde todo o sentido e se esvazia”

A razão principal de buscarmos a santidade é atingir o objetivo e meta da nossa vida, que é a união e comunhão com Deus, aqui na terra, e, de modo pleno e definitivo, na eternidade, no Céu. A Carta aos Hebreus diz que sem a santidade “ninguém pode ver o Senhor” (Hb 12,14); quer dizer, ninguém participa do prêmio da bem-aventurança para a qual fomos criados. Portanto, a busca da santidade exige que nós tenhamos um grande desejo do céu.

A maioria das pessoas, mesmo os cristãos, passam a vida lutando para “construir o céu na terra”. É um grande engano. Jamais construiremos o céu na terra; jamais a felicidade será perfeita no vale em que o pecado transformou num vale de lágrimas.

Ao fazer com que todas as coisas fossem precárias, passageiras, efêmeras, pouco duráveis, Deus quis nos ensinar que esta vida terrena é passageira, e não a nossa morada definitiva.

Enquanto não decidirmos buscar o céu, acima de tudo, abrindo mão das consolações efêmeras dessa vida terrena, não estaremos preparados para dar início à caminhada da santidade.

Todos os que se santificaram despojaram-se desta vida, desprenderam-se das satisfações da terra, ansiavam pelo Céu, e, por isso, aguardavam com expectativa a morte, como um feliz nascimento para Deus. Cada vez que Santa Teresa D’Avila ouvia o relógio bater as horas, dizia consigo mesma: “uma hora a menos”!

Por que temos tanto medo da morte? Por que fugimos tanto dela?

Sejamos sinceros, a resposta é que ainda estamos muito enraizados nesta terra. Nossas aspirações ainda não estão no Céu, mas na terra.

Na medida que formos nos tornando santos, o medo da morte vai desaparecendo e será, lentamente, substituído pelo “desejo de morrer”. Esta é a prova, de fato, se a santidade começa a nos envolver. Diria que é a “prova de fogo” para cada um de nós.

Somente quando “nada” prender o nosso coração neste mundo, nem pessoas, nem bens, nem realizações, mas somente Deus seja a nossa “única” consolação, só então poderemos dizer que estamos, de fato, adentrando ao castelo da santidade, onde Deus reside, e nos chama para viver para sempre.

É claro que isto é muito difícil para cada um de nós, mas é a meta a que todos somos chamados, sem exceção. Por mais distante que esta meta possa parecer estar de nós, no entanto, não devemos nem desanimar e nem desesperar; mas, tão somente, busca-la a cada dia, com a graça de Deus e com perseverança. É tarefa para a vida inteira, é para isso que Deus nos dá uma longa vida e muitos meios de santificação. É preciso ter a esperança de Santo Agostinho que dizia consigo mesmo: “se muitos o conseguiram, eu também conseguirei”.

Santo Afonso de Ligório ensina que até a própria morte é motivo de nossa santificação: “Que melhor penitência do que aceitar com resignação a morte, se Deus assim o quer?” E orava: “Senhor, fazei-me morrer porque, se não morro, não posso vos amar e vos ver face a face”. Apesar desta prece, morreu com mais de noventa anos.

Não tinha dúvidas em afirmar: “Aceitarmos a morte que Deus nos apresenta e conformarmo-nos com a vontade divina é merecermos uma recompensa semelhante à dos mártires”.

São João da Cruz, também ele doutor da Igreja, expressa bem o sentido da morte para o santo.

“Para quem ama, a morte não pode ser amarga, pois nela se encontram todas as doçuras e alegrias do amor. Sua lembrança, não é triste, mas traz alegria. Não apavora, nem causa sofrimento, pois é o término de todas as dores e o início de todo o bem”.

Esse aspecto da morte: “término de todas as dores”, era de fato relevante para os santos, pois, para eles a vida é uma luta, como dizia São Paulo, “o bom combate” (2 Tm 4,7). É nesse sentido que o Apóstolo dizia que: “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fil 1,21).

Quando nós também pudermos dizer isso, convictamente, estejamos certos de nossa santificação.

Santa Teresinha não se cansava de exclamar: “Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus sem restrições. Mas, para lá chegar é preciso sofrer e chorar; pois bem! Quero sofrer tudo o que aprouver a meu Bem Amado, quero deixar que Ele faça de sua bolinha o que ele quiser”.

O que nos amedronta ainda muito diante da morte e impede que tenhamos essa “sede do céu”, que caracteriza a vida dos santos, é não termos uma visão adequada da beleza e da glória do Céu. Algo que grita na alma de todos os santos é: “de que vale a terra quando olho o céu?” Muito mais do que nós eles veem as belezas visíveis como pequenas e simples amostras de uma beleza infinita e de um gozo inefável em Deus. É urgente resgatar essa real visão do céu para que possamos deseja-lo.

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Os pequenos passos da esperança

Maria, Mãe da Santa Esperança

Gotas de esperança

Em primeiro lugar é preciso ter a consciência de que, se por um lado, a morte nos tira da convivência material dos irmãos aqui na terra, por outro lado, não nos isola da Comunhão dos Santos. O Concílio Vaticano II disse que: “A união dos cristãos na terra com os irmãos que descansam na paz de Cristo, de maneira nenhuma se interrompe [com a morte], ao contrário, conforme a fé perene da Igreja, vê-se fortalecida pela comunhão dos bens espirituais” (LG, nº 49).

No Céu tornaremos a ver os nossos queridos e os reconheceremos. “A contemplação da Essência divina diz S. Tomás de Aquino não absorve os santos de maneira a impedir-lhes a percepção das coisas sensíveis, a contemplação das criaturas e a sua própria ação. Reciprocamente, essa percepção, essa contemplação e essa ação não os podem distrair da visão beatífica de Deus. Assim era em relação a Nosso Senhor aqui na terra” (Suma Teológica 30,84).

Disse Santo Agostinho que os bem-aventurados formarão uma cidade, onde terão todos uma só alma e um só coração, de tal sorte que, na perfeição dessa unidade, os pensamentos de cada um não serão ocultos aos outros.

São Francisco Xavier, lá das Índias, escrevia a Santo Inácio de Loyola, seu pai espiritual: “Dizeis, no excesso de vossa amizade por mim, que desejareis ardentemente ver-me ainda uma vez antes de morrer. Ah! só Deus, que vê o interior dos corações, sabe quão viva e profunda impressão causou em minha alma este doce testemunho de vosso amor para comigo. Cada vez que me lembro dele “e isso se dá muitas vezes” involuntariamente me correm lágrimas dos olhos. Peço a Deus que, se não pudermos nos tornar a ver na terra, gozemos unidos na feliz eternidade o repouso que não se pode encontrar na vida presente. De fato, não nos tornaremos a ver na terra senão por meio de cartas. Mas no Céu, ah! Se-lo-á face a face! E então como nos abraçaremos!” (Cartas de São Francisco Xavier, 93, nº 3).

São Francisco de Sales dizia: “Oh! como é bom amar na terra como se ama no céu e aprender a estimar-nos nesta vida como nos havemos de estimar e querer eternamente na outra” (O Breviário da Confiança, Ed. Rosário, pg 346).

É a virtude teologal da esperança em Deus, e na vida eterna no Céu, pelos méritos da morte e ressurreição de Jesus, que dá vida à nossa caminhada na terra.

Santa Maria Egípcia, após a sua maravilhosa conversão, viveu no deserto, por mais de cinquenta anos, na mais dura penitência. Próximo da sua morte, São Zózimo lhe perguntou como ela pudera suportar, naquele lugar de horrores, uma vida tão austera. E a resposta foi essa: “Meu padre, com a esperança do Céu”!

É essa “esperança do Céu” que precisa ser re-semeada sobre a terra. Para muitos o Céu já nem existe mais… Que tristeza!

A busca da santidade exige que tenhamos sempre em mente a nossa situação de “peregrinos” neste mundo, caminheiros em direção à Casa do Pai. É preciso desejar essa Casa eterna assim como o povo de Deus, peregrinando os quarenta anos no deserto, ansiava pela terra prometida, onde “corria leite e mel”. Sem essa perspectiva não podemos ser santos.

A Igreja sempre se considerou uma “exilada” neste mundo; sabemos que a palavra “paróquia” quer dizer “terra de exílio”.

São Paulo tem uma frase lapidar dita aos Filipenses: “Nós somos cidadãos do Céu!” (Fil 3,20).

E mostrava a sua esperança: “É de lá que também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará nosso corpo miserável, para que seja conforme o seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a si toda a criatura” (20-21).

A esperança do Céu e da sua glória fazia o Apóstolo dizer: “Os olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

E essa esperança lhe dava as forças necessárias para vencer as tribulações: “Tenho para mim que os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rom 8,18).

“A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno de glória incomensurável” (2 Cor 4,17).

O santo sabe que esta terra é um “lugar de exílio” de nossa alma. “Sabemos que, todo o tempo que passamos no corpo, é um exílio longe do Senhor” (2 Cor 5,5). “Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo, para ir habitar junto do Senhor” (8).

São Paulo vislumbrava o céu como uma “mansão eterna”!

“Sabemos, com efeito, que, quando for destruída esta tenda em que vivemos na terra, temos no céu uma casa feita por Deus, uma habitação eterna, que não foi feita por mãos humanas” (2 Cor 5,1). É assim que o Apóstolo vê o nosso corpo glorioso no Céu. Esta esperança não permite que desanimemos com o passar dos anos e com a chegada da velhice.

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“É por isso, que não desfalecemos. Ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se de dia para dia” (2 Cor 4,16). O que importa é que a alma se renova a cada dia, se santifica, para viver em Deus.

Como Jesus falou do céu!

No Sermão da Montanha ele insistiu: “Não ajunteis para vós tesouros sobre a terra… Ajuntai para vós tesouros no Céu… porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mt 6, 19-21).

O tesouro e o coração do santo estão no Céu, o qual ele sabe que conquista aqui na terra, por isso ele não é um alienado.

Ao moço rico Jesus disse: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, e dá aos pobres, terás um tesouro no Céu” (Mt 18,21).

A vida presente é “tempo de graça” que Deus nos dá para acumularmos tesouros nos Céus, com os méritos de nossas boas obras. Por isso é preciso aproveitar bem o tempo presente que se chama “hoje”. Após a morte não será mais possível adquirir méritos. São Paulo o diz: “Porque importa que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo” (2 Cor 5,10); e essa estadia no corpo será única, e não como se enganam os que creem, perigosamente, na reencarnação. “Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o Juízo” (Heb 9,27). Esse versículo da Carta aos Hebreus liquida a fantasia perigosa da reencarnação. Somos salvos pelo Sangue do Senhor, e não por sucessivas reencarnações “purificadoras”. Ao bom ladrão Jesus disse: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Esse “hoje” dito por Jesus elimina a chance de qualquer reencarnação. Não foi preciso que Dimas se reencarnasse muitas vezes para ser salvo.

Toda a vida e a pregação da Igreja, em todos os tempos, é baseada na esperança feliz da ressurreição. O Apóstolo grita: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a nossa fé” (1 Cor 15,14). Por outro lado, se a nossa esperança do Céu é pequena, a nossa vida cristã terrena perde todo o sentido e se esvazia.

Prof. Felipe Aquino

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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