Psicologia e Religião

O que pode (e deve) fazer a
psicologia por um católico que necessita de ajuda



WASHINGTON, quinta-feira, 20 de janeiro de 2005 (ZENIT.org).-
Uma psicologia enraizada na visão católica da pessoa humana está em coerência
tanto com a ciência como com Deus, afirma nesta entrevista concedida a Zenit
Gladys Sweeney, decana do «Institute for the Psychological Sciences».

Em seu campo, este centro universitário americano orienta-se a estender pontes
entre ciência e fé.

–Que soluções a senhora proporia aos católicos que sofrem depressão ou outros
transtornos mentais?

–Gladys Sweeney: Freqüentemente, a depressão, ou outras formas de transtorno
mental, constitui um obstáculo ao livre arbítrio. Um tratamento psicológico
eficaz é muito útil, porque busca essencialmente libertar a pessoa não só para
que veja o «bem de forma mais realista, mas também para que seja capaz de
eleger o «bem».

Tradicionalmente, houve uma desconfiança mútua entre as ciências psicológicas e
os católicos. A psicologia tende a ver a fé como comportamento supersticioso,
enquanto que as pessoas de fé tendem a ver a psicologia como uma ciência
desnecessária para elas. Uma fé suficiente deveria bastar para se ocupar de
todos os problemas, quaisquer que sejam.

Nenhuma das duas posturas reflete a verdade. Uma psicologia enraizada na
compreensão católica da pessoa humana não é só verdadeira para a ciência, mas
verdadeira com respeito a Deus. As ciências psicológicas têm muito a oferecer a
pessoas cujo livre arbítrio está afetado.

Tomemos por exemplo o caso de uma pessoa excessivamente escrupulosa. Tal pessoa
poderia de fato sofrer «neurose obssessivo-compulsiva». Esta desordem psicológica
pode chegar a ser tão grave, se não tratada adequadamente, que impede a pessoa
de funcionar normalmente.

Pessoas católicas, boas e fiéis, poderiam de fato deixar a confissão para não
sentir que fizeram uma confissão inválida por terem esquecido de confessar
«todos» os pecados. Poderiam deixar de comungar por medo de estar recebendo
indignamente o Senhor. Esta desordem é facilmente diagnosticada e tratada.

As ciências psicológicas estão ao serviço da Igreja. Ajudando esta pessoa a
recuperar um funcionamento normal, estará liberta da neurose. Mas a liberdade
não é só uma «liberdade desde», é também uma «liberdade para»: uma liberdade
para chegar a ser cristãos melhores e para poder-se beneficiar de uma vida
sacramental.

Proposta a questão em termos adequados, então não existe nenhum conflito entre
uma psicologia fundada em uma sã antropologia e os ensinamentos da Igreja. O
desafio é encontrar psicólogos adequadamente formados nesta perspectiva, que
respeitem os valores religiosos de seus pacientes sem miná-los de nenhum modo.

–Quais são os erros mais comuns hoje no tratamento da depressão?

–Gladys Sweeney: Um dos maiores erros no tratamento da depressão é a noção de
que a depressão se alivia «unicamente» através de medicação.

Ainda que é certo que o uso de antidepressivos ofereceu um tremendo alívio a
pacientes que padecem este transtorno, recorrer exclusivamente ao tratamento
farmacológico, excluindo formas mais tradicionais de psicoterapia, não é o
tratamento melhor.

Um dos tratamentos mais eficazes contra a depressão é o que os psicólogos
chamam «reestruturação cognitiva». Esta modalidade de tratamento tende a
reordenar as emoções de acordo com a razão.

Com freqüência, nos casos de depressão, a sensação de desespero e impotência
toma controle de toda a pessoa, e o paciente não é capaz de ver a realidade
objetivamente. É como se visse o mundo através de um cristal escuro. Uma pessoa
deprimida pode «interpretar» um acontecimento neutro como algo negativo ou
pessoalmente ofensivo, quando na realidade não é assim.

O tratamento consiste em ajudar a pessoa deprimida a reestruturar seu
pensamento, orientando-a a reestruturar seus esquemas distorcidos e negativos.
É treinada a ordenar as emoções de acordo com a razão e a ver as situações de
forma mais objetiva. Demonstrou-se extremamente eficaz para ajudar as pessoas
com este diagnóstico.

É importante observar que às vezes as pessoas deprimidas inicialmente não
respondem bem a esta terapia. Sobretudo quando a depressão é severa.

Nestes casos, o melhor tratamento é uma combinação de medicação e terapia
cognitiva. Em qualquer caso, a medicação só raramente é boa solução em longo
prazo para o problema.

–De que forma uma vida em Cristo –participando nos sacramentos, tendo oração
e procurando direção espiritual– ajuda a curar as patologias mentais?

–Gladys Sweeney: A participação na vida sacramental, na oração e na direção
espiritual constitui meios para receber a graça divina.

A espiritualidade cristã é viver em Cristo pela graça do Espírito Santo que nos
faz crescer na fé; significa ter uma esperança fundada na fé e sobretudo no
amor como plenitude da fé no caminho reto para a comunidade da Santíssima
Trindade.

Como a graça aperfeiçoa a natureza, esta espiritualidade é totalmente coerente
com a saúde psicologia. Mas a saúde espiritual e a saúde psicológica não são
idênticas, nem sempre proporcionadas.

Uma pessoa que sofre neurose obsessivo-compussiva, que não é capaz de confessar
e talvez nem sequer de comungar, necessita de tratamento a fim de poder se
valer dos meios com os quais se recebe a graça santificante. Em qualquer caso,
a saúde mental, como a saúde física, não é uma condição necessária para a
santidade.

Uma pessoa que sofre ansiedade não necessita de ser tratada primeiro desta
desordem para desenvolver as virtudes do valor e da fortaleza ou crescer em sua
confiança em Deus. Certamente ajuda, mas não é uma condição sine qua non para o
crescimento nas virtudes humanas. As dificuldades que se encontram ao lutar com
condições psicológicas podem de fato servir para favorecer determinadas
virtudes, ou ser motivo de momentos de maior graça e de aprofundamento da vida
espiritual.

Portanto, a menos que os problemas psicológicos da pessoa dificultem sua
participação na vida sacramental, é de suma importância que a pessoa participe
ativamente nela, ainda que esteja em terapia. É por isto que é tão importante
que o terapeuta se dê conta desta necessidade e alente a pessoa a realizá-la.

Os efeitos da ação da graça combinados com um são tratamento psicológico são
muito eficazes para conseguir a cura. Qualquer católico que sofra enfermidades
mentais deverá seguir recebendo os sacramentos com freqüência e respeito, além
de manter uma vida de oração habitual e equilibrada.

Um bom diretor espiritual pode ser muito útil a esse respeito, proporcionando
guia no caminho do crescimento espiritual. Seja através da terapia ou da
espiritualidade, é sempre Cristo quem cura.

–Por que é importante que os católicos com problemas de saúde mental recorram
a terapeutas também católicos?

–Gladys Sweeney: Toda teoria psicológica contém determinados postulados
relativos à natureza e ao destino da pessoa humana. Há teorias seculares por
natureza e às vezes abertamente anti-religiosas. Às vezes negam a existência da
liberdade humana, das verdades morais, e portanto a realidade do pecado.

É pelo que o Santo padre diz em «Reconciliatio
et Paenitentia»
: «Dilui-se este sentido do pecado na sociedade
contemporânea também por causa dos equívocos nos que se cai ao aceitar certos
resultados da ciência humana. Assim, em base a determinadas afirmações da
psicologia, a preocupação por não culpar ou por não pôr freios à liberdade leva
a não conhecer jamais uma falta».

Assim que os católicos devem estar muito atentos ao receber a assistência
psicológica ou ao permitir às modas psicológicas influir na própria vida.

Também os psicólogos em geral tendem a ver a religião de forma mais negativa,
coisa que cria ulteriores dificuldades aos católicos. Durante uma psicoterapia
é possível que o terapeuta influa no paciente de maneiras sutis que lentamente
minem suas convicções religiosas.

Com um bom terapeuta católico, em qualquer caso, a fé e a prática religiosa dos
pacientes seria alentada e até poderiam falar de questões religiosas durante as
sessões. Tal terapia trabalha desde uma compreensão autêntica da pessoa humana
baseada nos ensinamentos da Igreja e reforçada por elementos psicológicos sãos.

Este tipo de aproximação é absolutamente essencial para qualquer católico que
busque ajuda por um problema de saúde mental.

–Que recursos a Igreja oferece aos membros de seu rebanho que tenham a ver com
questões de saúde mental?

–Gladys Sweeney: A Igreja nos oferece Cristo, que é a revelação do amor do Pai
e é a revelação do homem ao homem.

Cristo nos revela o sentido de nossa existência e a resposta ao anseio de nosso
coração. A Igreja, ao dar-nos Cristo, dá-nos o que mais desejamos e em última
instância o único capaz de satisfazer-nos.

Neste «vale de lágrimas» haverá inevitavelmente desilusões, tragédias e
sofrimentos, e todo o tempo a Igreja nos orienta mais além deste horizonte,
para o seio da trindade, onde Cristo está preparando uma morada para nós.
Cristo nos mostra, portanto, o sentido redentor do sofrimento. Através dos
sacramentos da Igreja, encontramos Cristo e nos renovamos e transformamos
continuamente, na medida em que cresce nossa união com Ele.

Em todo caso, a Igreja precisa ter em conta a específica função que a ciência
psicológica pode desempenhar, especialmente se está nas mãos de terapeutas bem
formados e equilibrados que compreendam o ensinamento da Igreja sobre a
liberdade e a dignidade humana.

A colaboração mútua da ciência humana e do trabalho pastoral é de uma
importância, e se se realiza em harmonia, pode levar almas a Cristo e promover
o estabelecimento do Reino de Deus nesta terra.

Entrevista com Gladys Sweeney, do «Institute for the Psychological Sciences»

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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