Possessão diabólica é possível?

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Alguém fez a pergunta: “Afinal, há ou não há a possessão diabólica? Quando alguns pregadores dizem ter expulsado demônios, expulsaram mesmo? Se não, o que aconteceu?”

Em primeiro lugar, convém definir a possessão diabólica: é um estado no qual o demônio se apodera das faculdades da pessoa e age por meio delas, independentemente da vontade de tal indivíduo; exprime-se principalmente em blasfêmias e revolta contra Deus. A possessão diabólica é distinta do estado de pecado grave, pois não supõe necessariamente culpa da parte do possesso.

A existência da possessão diabólica é atestada pelos Evangelhos; Jesus praticou exorcismo (cf. Mt 12, 27). Ora, não se pode crer que o Senhor tenha fingido expulsar demônios quando não os havia. Ele veio precisamente para dar testemunho da verdade (cf. Jo 19,37). Em consequência, é de crer que Jesus encontrou casos reais de possessão durante o seu ministério público.

Após Jesus Cristo, no decorrer da História da Igreja, muitas vezes os cristãos julgaram estar diante de possessão diabólica. Diagnosticavam-na mediante sintomas que pareciam inexplicáveis aos olhos da ciência e da razão; assim, o falar línguas estranhas, o contorcer-se no chão, o adivinhar pensamentos alheios pareciam indicar possessão. Em nossos dias, porém, a Igreja recomenda cautela diante de tais fenômenos, pois os mesmo já são explicáveis pela psicologia e pela parapsicologia. Daí, a reserva das autoridades eclesiásticas, que julgam ser possível a ocorrência da possessão diabólica – que se caracteriza principalmente pelo ódio a Deus e a blasfêmia –, mas afirmam que a mesma deve ser bem diferenciada de manifestações imprevistas do psiquismo humano.

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Exorcismo: prática controlada pela Igreja

O ritual da Igreja conhece dois tipos de exorcismo:

1. O menor consiste em orações, que podem ser proferidas por qualquer cristão, mas não devem ser utilizadas sem critérios. Em nossos dias, existe uma tendência exagerada a crer que o demônio é o autor de todas as desgraças físicas e morais, de modo que, para debelar qualquer infortúnio, diz-se a oração do exorcismo menor ou simples. A essa prática está subjacente um erro, que pode ter graves consequências: a precipitação para admitir intervenções diabólicas suscita um clima de apavoramento nos fieis, apavoramento este que pode provocar doenças nervosas. Na verdade, o ser humano é suficientemente malvado para explicar a existência de pecados e outros males do mundo. O demônio tenta o pecador, sem dúvida, mas não se deve supor com facilidade que ele seja o inspirador de todas as tentações. De resto, Santo Agostinho diz, com razão, que o demônio é um cão acorrentado; pode ladrar e fazer muito barulho, mas só morde aqueles que dele se aproximam.

2. O exorcismo maior é muito complexo. Supõe um sacerdote nominalmente designado pelo bispo; o exorcista se prepara mediante jejum e profere numerosas orações, às vezes por dias sucessivos. Isso só ocorre nos casos de possessão diabólica judiciosamente diagnosticada. Trata-se, portanto, de algo muito raro.

Na base dessas premissas, pode-se dizer que, nas assembleias protestantes, os pastores presumem muito fácil e precipitadamente haver possessão diabólica; em certas igrejas, todos os infortúnios são atribuídos ao demônio, de modo que os exorcismos repetem-se com frequência: às vezes, o paciente é espancado como se espancasse o demônio, o que redunda em ferimentos sérios para o “possesso”.

Na verdade, essas “vítimas” não são possessos; são pessoas que sofrem como os demais mortais sofrem. Não é, portanto, o caso de se lhes aplicar o exorcismo; este provoca um ambiente de histeria coletiva, com gritos, exclamações, aplausos teatrais… O que se deve fazer em tais casos é pedir ao Senhor que alivie as pessoas sofredoras e as livres de seus males, sem, porém recorrer ao exorcismo. A oração é a grande arma do cristão; é preciso crer mais na oração e procurar menos os recursos teatrais.

Se alguém se diz beneficiado ou curado em virtude do exorcismo aplicado pelo pastor, pode-se afirmar que tal bem-estar resulta da sugestão incutida pelo exorcismo. O exorcismo como tal não tem efeito sobre o demônio que no caso não está atuando, mas leva a vítima a crer que está prestes a ser curada. Ora esta sugestão desbloqueia o íntimo do paciente e o induz a sentir-se bem e normal. Trata-se, pois, de efeito da sugestão, que ocorre nos casos de doenças funcionais ou de doenças de fundo nervoso (asma, eczema, úlcera estomacal, etc).

Rituais emotivos e teatrais: “apelação”

A Igreja Católica não aceita rituais de exorcismo com as características emotivas e teatrais. A mensagem da Igreja não é fantasiosa nem recorre à apelação, que fala aos sentimentos e às emoções mais do que à inteligência e ao raciocínio. A fé cristã fala ao fundo do ser humano e tende a provocar nele uma adesão que não é festiva, mas séria e total.

Em apêndice, segue-se uma Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé dirigida aos bispos a respeito do exorcismo. Foi assinada em 24/9/1985 pelo então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da referida Congregação (órgão da Santa Sé encarregado de questões atinentes à fé e à moral):

“Excelentíssimo Senhor:

Há alguns anos, certos grupos eclesiais multiplicam reuniões para orar no intuito de obter a libertação do influxo dos demônios, embora não se trate de exorcismo propriamente dito. Tais reuniões são efetuadas sob a direção de leigos, mesmo quando está presente um sacerdote.

Visto que a Congregação para a Doutrina da Fé foi interrogada a respeito do que pensar diante de tais fatos, este Dicastério julga necessário transmitir a todos os Ordinários a seguinte resposta:

1. O cânon 1172 do Código de Direito Canônico declara que a ninguém é licito proferir exorcismo sobre pessoas possessas, a não ser que o Ordinário do lugar tenha concedido peculiar e explícita licença para tanto (1º). Determina também que esta licença só pode ser concedida pelo Ordinário do lugar a um presbítero dotado de piedade, sabedoria, prudência e integridade de vida (2º). Por conseguinte, os Srs. Bispos são convidados a urgir a observância de tais preceitos.

2. Dessas prescrições, segue-se que não é licito aos fiéis cristãos utilizar a fórmula de exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas, contida no Rito que foi publicado por ordem do Sumo Pontífice Leão XIII; muito menos lhes é lícito aplicar o texto inteiro deste exorcismo. Os Srs. Bispos tratem de admoestar os fiéis a propósito, desde que haja necessidade.

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3. Por fim, pelas mesmas razões, os Srs. Bispos são solicitados a que vigiem para que – mesmo nos casos que pareçam revelar algum influxo do diabo, com exclusão da autentica possessão diabólica – pessoas não devidamente autorizadas não orientem reuniões nas quais se façam orações para obter a expulsão do demônio, orações que diretamente interpelem os demônios ou manifestem o anseio de conhecer a identidade dos mesmos”.

A formulação dessas normas de modo nenhum deve dissuadir os fiéis de rezar para que, como Jesus nos ensinou, sejam livres do mal (cf. Mt 6,13). Além disso, os Pastores poderão valer-se desta oportunidade para lembrar o que a Tradição da Igreja ensina a respeito da função própria dos Sacramentos e a propósito da intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, dos anjos e dos Santos na luta espiritual dos cristãos contra os espíritos malignos.

É em observância dessas normas que hão de proceder os grupos de oração católicos.

D. Estêvão Tavares Bettencourt, O.S.B

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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