Pe. Ford, Paulo VI e o controle da natalidade

Germain Grisez oferece nova visão da comissão papal

WASHINGTON , D.C., domingo, 15 de maio de 2011 (ZENIT.org) – Qualquer pessoa interessada no aumento da dissensão pública entre os católicos e no ensinamento moral da Igreja nos últimos 40 anos está familiarizada com a controvérsia gerada com a encíclica Humanae vitae, publicada pelo Papa Paulo VI em 25 de julho de 1968.

Esta publicação foi precedida de 5 anos de cuidadosa análise por parte do Papa, com todo tipo de perguntas relacionadas à regulação da natalidade. Parte desta análise foi confiada a um grupo de estudo composto por eclesiásticos e especialistas, conhecido popularmente como a “comissão papal de controle da natalidade”.

O grupo de estudo, formalmente chamado de Comissão Pontifícia sobre a População, Família e Natalidade, foi constituído, de fato, pelo Papa João XXIII em 27 de abril de 1963, seis meses depois do começo do Concílio Vaticano II. Contrariamente à crença popular, o propósito disso não era o de reavaliar a doutrina da Igreja com relação à anticoncepção, mas ajudar a Santa Sé na preparação da próxima conferência patrocinada pelas Nações Unidas e pela Organização Mundial da Saúde.

João XXIII morreu 37 dias depois e o cardeal Giovanni Montini foi eleito em 21 de junho, tomando o nome de Paulo VI. O novo papa era muito consciente do problema apresentado à Igreja pelo novo consenso do Ocidente sobre o controle dos nascimentos. Os católicos usavam cada vez mais os anticoncepcionais e os teólogos europeus começavam a colocar em dúvida o ensinamento recebido em revistas especializadas. Também existia a dúvida sobre se a pílula anticoncepcional era uma forma de anticoncepção, já que não intervinha no transcurso do ato sexual. Os assessores começaram a pressionar o Papa por todos os lados, sobre a urgência da questão, instando-o a levar em consideração tal tema.

O Papa concordava com o fato de que o assunto merecia ser levado em consideração com seriedade, mas pensava que o Concílio Vaticano II, que estava em seu segundo ano, não seria o lugar apropriado para isso. Portanto, aumentou o número de membros da comissão pontifícia, em 23 de junho, acrescentando médicos, psiquiatras, demógrafos, sociólogos, economistas e casais. Precisamente porque ele não especificou à comissão um novo mandato, seus membros o redefiniram por conta própria: analisar novamente o conteúdo e o status do ensinamento recebido na Igreja Católica sobre o uso do controle da natalidade.

Como era uma comissão confidencial, muitos detalhes relacionados aos trabalhos realizados jamais foram publicados. Sabemos, no entanto, que, um ano antes da publicação da Humanae vitae e seis meses depois de a comissão terminar seus trabalhos, na primavera de 1967, quatro documentos da comissão vazaram e foram publicados em inglês e francês. Estes documentos revelavam que a maioria dos membros estava a favor de mudar o ensinamento tradicional sobre a anticoncepção e que tinham recomendado isso ao Papa.

A imprensa fez uma festa com os documentos que vazaram. Os católicos do mundo inteiro receberam a impressão de que a Igreja preparava uma “mudança em seu magistério” sobre a questão da anticoncepção. Consequentemente, as esperanças e expectativas falsas se fortaleceram. Isso provocou, em parte, a consternação de muita gente na Igreja quando, em junho de 1968, o Santo Padre reafirmou o antigo ensinamento.

Por que os católicos estavam tão mal dispostos a receber o ensinamento papal? Por que o Papa recebeu tão pouco apoio dos bispos do mundo inteiro? Por que os defensores da mudança dos documentos vazados puderam causar tão terrível confusão nas mentes dos católicos simples? Muitos livros que destacaram os trabalhos da comissão foram publicados durante muitos anos, mas a maior parte deles foi escrita pelos firmes opositores da Humanae vitae.

O resto da história

O iminente teólogo americano Germain Grisez, ex-professor de Ética Cristã na Universidad Mount Saint Mary, de Emmitsburg, Maryland, publicou recentemente em seu site, The Way of the Lord Jesus (www.twotlj.org/Ford.html), vários dos documentos oficiais da comissão papal, incluindo os quatro que vazaram.

Poucas pessoas vivas atualmente estão mais qualificadas que Grisez para falar dos trabalhos da comissão. Como filósofo de moral durante sua juventude, ele foi a mão direita do padre jesuíta John C. Ford, o mais famoso teólogo americano nessa época e o conselheiro mais influente da comissão que defendia o ensinamento tradicional da Igreja. Juntos, Ford e Grisez redigiram a maior parte dos documentos da comissão, expondo os argumentos em defesa do ensinamento recebido, contra a anticoncepção artificial.

Grisez proporciona links aos documentos no contexto de um ensaio biográfico sobre o Pe. John C. Ford, um grande jesuíta que sofreu seriamente por defender a verdade católica na moral sexual (não confundir com o padre da Santa Cruz, John T. Ford). Os documentos deixam claro que, desde o começo da expansão de tal comissão, sob o governo papal de Paulo VI, o secretário-geral da comissão, o sacerdote dominicano Henri de Riedmatten, de acordo com outros membros de igual opinião, estava decidido a persuadir o Papa para que mudasse o ensinamento da Igreja (no referente à anticoncepção).

Quando se votou, em 20 de junho de 1966, dos 15 bispos, membros da comissão que estavam presentes, 9 votaram a favor da mudança. Além disso, 12 dos 19 especialistas teólogos apoiaram a mudança, assim como quase todos os conselheiros legais. Tristemente, inclusive o teólogo pessoal de Paulo VI, Dom Carlo Colombo, deixou claro que ele achava que poderia haver métodos anticoncepcionais em consonância com a tradição moral da Igreja.

Um membro da comissão, o arcebispo Karol Wojtyla, de Cracóvia, foi impedido de assistir às sessões pelos obstáculos impostos pelas autoridades polonesas. Não há dúvida de que ele teria votado como a minoria.

Com a publicação da Humanae vitae, o Papa rompeu com as opiniões da maioria dos seus conselheiros cardeais e bispos, assim como com seu teólogo pessoal. Recordando os comentários do Pe. Ford sobre os desequilibrados resultados da consulta, Grisez escreve: “É evidente, observou Ford, que, quando o Papa Paulo VI reorganizou a comissão, ele não queria ir contra a mudança, mas dar aos que a propunham todas as oportunidades para expor seus argumentos”. Eles o fizeram e o Papa rejeitou suas pretensões.

A recente publicação de Grisez proporciona um material muito importante para a realização de uma avaliação crítica, talvez uma reavaliação, de um difícil período da história recente, uma dor que ainda se sente na vida da Igreja.

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E. Christian Brugger é decano na Culture of Life Foundation e professor associado de Teologia Moral no Seminário Teológico St. John Vianney, em Denver, Colorado. Doutorou-se em Filosofia em Oxford, em 2000.

[Para entrar em contato com ele: bioethics@zenit.org.
O texto deve incluir as iniciais e a cidade ou país]

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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