Os Movimentos pela pobreza na Idade Média

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Nos séculos XII e XIII houve um grande crescimento do poder temporal da Igreja. O prestígio do papa era imenso no campo político e havia riqueza e luxo espalhados na Europa. E tudo isso invadia os bispados e aos mosteiros.

Com a intenção de enfrentar esse problema houve duas correntes opostas, uma que se desviou e se tornou herética, porque se revoltou não só contra o luxo que havia na Igreja, mas contra a própria Igreja. E houve outra corrente, a dos mendicantes; essa era saudável e fiel a Igreja.

O grande erro dessa corrente desviada é que não soube distinguir entre o luxo e o que havia de essencial: a Igreja. Caíram no erro de “jogar fora a água suja da bacia junto com a criança que havia tomado banho”. Nessa corrente fazem parte, entre outros, os cátaros e os valdenses; o que tornou-se um dos motivos para a Inquisição.

Os cátaros ou albigenses ou bugros, como já vimos, eram dualistas, maniqueístas. Admitiam um Princípio mau, criador da matéria, que se manifestou no Antigo Testamento; e um Princípio bom, que criou os espíritos e se manifestou no Novo Testamento. Afirmavam que o Princípio mau conseguiu seduzir parte dos espíritos celestes, que foram encarcerados em corpos humanos e aqui precisariam de Redenção.

O Redentor foi Cristo, Espírito superior aos anjos e subordinado a Deus, que morreu apenas em aparência (docetismo). Por isso, os cátaros rejeitavam tudo o que fosse material: o aparato visível da Igreja, o sacerdócio e a hierarquia, os sacramentos, o casamento, os altares, as imagens, as relíquias. Além disso, o juramento, a guerra e a própria autoridade civil. Alguns praticavam a “endura”, isto é, deixar-se morrer de fome ou fazer-se matar pelos próprios parentes. Assim, eles destruíam não somente a Igreja, o espiritual, mas também a sociedade civil e a autoridade. Isto gerou uma revolta popular contra os hereges, e provocou duzentos anos depois a Inquisição, em 1231.

Os valdenses tiveram sua origem por um grupo de seguidores fundado por um rico comerciante Pedro Valdes ou Valdo, de Lião, França. Lendo a Bíblia, distribuiu o que possuía no ano de 1176 e começou a peregrinar, pregando a penitência. Reuniram-se então, homens e mulheres, que enviados por ele, realizavam pregações. Eram chamados “os Pobres de Lião”. Como realizavam as pregações sem a permissão do bispo de Lião, e, além disso, criticavam o clero, foram proibidos de realizar tais práticas. Recorreram, porém, ao Concílio do Latrão III (1179), que lhes permitiu pregar, mas desde que tivessem mandato episcopal.

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Os valdenses não se sujeitaram a esta cláusula, de modo que foram excomungados. Passaram então a viver escondidos e procurando adeptos. Proferiam votos de pobreza, obediência e castidade e submeteram-se aos bispos, presbíteros e diáconos ordenados por Valdes. Obedeciam somente a Bíblia, que eles traduziam para o vernáculo. Negavam o culto aos Santos, os sufrágios pelos defuntos; tornaram-se muito atuantes, expandindo-se para a Alemanha, a Boêmia, a Polônia, a Hungria… No século XVI os Valdenses da Lombardia anexaram-se ao Calvinismo e subsistem até hoje em pequeno número.

Outro movimento foi o “Joaquimismo”, e deve-se a Joaquim de Fiore (†1202). Em fins do século XI, foi um abade cisterciense, muito penitente. Autor de uma teoria sobre a história do mundo e da Igreja, dizia que haveria três fases na história: a era pré-cristã seria a do Pai, idade da letra, da carne, dos casados e dos leigos; a era cristã seria a do Filho, intermediária entre a carne e o espírito; seria a época dos clérigos, que duraria 42 gerações de 30 anos cada qual (cf. Mt 1,17). E, por fim, terminado este período em 1260, viria a era do Espírito Santo e dos monges (carismáticos), sem clérigos nem sacramentos.

Estas ideias encontraram apoio na corrente dos Franciscanos Espirituais; estes proclamaram São Francisco como o novo legislador e profeta enviado por Deus, e os Franciscanos Espirituais como a Ordem dos tempos finais. As obras de Joaquim foram condenadas num Sínodo de Arles após 1263, mas o movimento joaquimista continuou. As teorias joaquimistas foram professadas por grupos de peregrinos que se flagelavam em público, por volta do ano 1260.

A eleição de um “papa angélico”, o eremita Pedro de Morone (Celestino V – 1294), foi em parte inspirada pelo Joaquimismo, e outros adversários dos papas do século XIV (Bonifácio VIII, João XXII…), que tinham as mesmas ideias. Joaquim de Fiore morreu amado por muitos dos seus contemporâneos, que o tinham na conta de profeta. Antes de falecer, sujeitou-se à Santa Igreja.

Outro movimento semelhante foi a Ordem dos Apóstolos ou dos Irmãos Apostólicos, fundada por Gerardo Segarelli. Foi rejeitado pela Ordem Franciscana, pois apresentava sintomas de uma mente doentia. Logo um pequeno grupo começou a segui-lo. Pregavam a pobreza agressivamente, anunciavam que o fim da Igreja estava próximo. Por necessidade, tiveram que se refugiar no monte Zebello, perto de Vercelli, Itália, donde saíam para saquear as fazendas vizinhas para o próprio sustento; viviam em comunhão de bens e de mulheres.

Houve também os Irmãos e Irmãs do Espírito Livre que afirmavam que quem estava unido a Deus, não pecava, quaisquer que fossem as suas ações; o que lhes permitia entregar-se às paixões. Consideravam a oração e os sacramentos inúteis e mesmo prejudiciais para os irmãos perfeitos. Vê-se claramente como a heresia gera um mal cada vez maior. Um abismo chama outro abismo (cf. Sl 41,8), diz o salmista.

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A corrente que defendia a pobreza na Igreja, de maneira correta, sem se revoltar contra ela foi a dos reformadores mendicantes, que souberam manter-se fiéis à Igreja, embora combatessem o seu luxo. Entre estes estão São Francisco de Assis (1182-1226) e São Domingos de Gusmão (1170-1221), além de Roberto de Arbrissel (†1117), fundador da Ordem de Frontevault, e São Norberto de Xanten (†1134), fundador da Ordem Premonstratense.

Houve um movimento chamado Patária, que teve origem na segunda metade do século XI na Lombardia, especialmente em Milão. A Patária (do milanês patta = trapo; donde pattari = trapeiros), congregava o povo simples contra a rica nobreza e o alto clero a ela aparentado. Apregoavam a pobreza, tendo em vista especialmente a simonia e o matrimônio dos clérigos, males frequentes na Lombardia. Foram os primeiros chefes do movimento os clérigos milaneses Arialdo, Landulfo e Anselmo, bispo de Lucca, que foi eleito Papa Alexandre II (1061-1073), precedendo São Gregório VII na luta contra as investiduras. Quando o Papado, sob Nicolau II, enviando o cardeal Hildebrando a Milão, este aliou-se à Pataria, favorecendo assim o movimento com um forte apoio. O Movimento conseguiu que o fraco arcebispo Guido se submetesse com o clero da catedral de Milão ao legado pontifício Pedro Damião e reconhecesse seus direitos eclesiásticos (1060). A história da Pataria daí em diante até a morte de Erlembaldo, cavaleiro irmão de Landulfo (1075) seguiu da mesma forma na luta contra a investidura leiga.

Retirado do livro: “História da Igreja – Idade Média”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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