Os Dinossauros e a Bíblia

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A existência dos dinossauros, de que fala a paleontologia, não faz conflito com a mensagem do texto bíblico do Gênesis. Este não tenciona descrever a ordem ou o modo como apareceram as criaturas; não entra em questões de ordem científica ou paleontológica, mas quer afirmar que o mundo, como quer que tenha tido origem, deve sua existência a Deus Criador.

Deus é bom e fez boas todas as criaturas; confiou-as ao casal humano, para que, como imagem e semelhança de Deus, leve a termo a obra divina, fazendo que todas as criaturas contribuam para a glória do Criador mediante o sacerdócio do homem.

A Redação de PR recebeu a seguinte mensagem:

“Um dos poucos programas a que tenho coragem de assistir na Rede Globo de televisão é o Fantástico, até por que acho que um cristão não pode ficar por fora das coisas que estão acontecendo no mundo. Uma coisa tem-me deixado intrigado no quadro “Os dinossauros”, exibido no Fantástico. É lógico que nada sei, nada saberei e nada talvez saiba sobre muitas coisas, pois existem coisas que jamais entenderemos.

Mas a pergunta é a seguinte: “O que a Igreja fala sobre a existência dos dinossauros? O senhor não acha que acreditar nos dinossauros é ter que desacreditar na Sagrada Escritura?” Acho muito estranho o livro do Gênesis dizer que Deus fez tudo em sete dias, e que no sétimo descansou, e colocou o homem acima de todas as criaturas.

Como pode ter existido uma era jurássica em que os animais dominaram a terra? Isso não seria contrário às narrativas do hagiógrafo?”

Para mais aguçar o problema, seja transcrita uma notícia de O GLOBO de 23/2/01, p. 30:

“Desde que se formou, há cerca de 4,6 bilhões de anos, a Terra sofreu periódicas extinções em massa. Há 250 milhões de anos (quando a parte emersa da Terra formava apenas um continente, a Pangeia), um acontecimento imprevisto como a queda de um asteroide poderia ter extinguido várias formas de vida primitivas (como répteis, insetos e moluscos). E, mais tarde, favorecido o aparecimento e a adaptação de novas espécies como plantas e dinossauros, que ocupam o planeta durante os períodos triássico, jurássico e cretáceo (entre 250 milhões e 66 milhões de anos atrás)”.

Passemos à elucidação da questão.

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Em Resposta

Preliminares

Convém, antes do mais, esclarecer os termos em pauta.

Dinossauros eram animais da classe dos répteis, superordem dos Arcossauros. Viveram do período triássico ao cretáceo. O seu tamanho variava entre um pouco mais do que uma galinha até os tipos gigantescos, como foi, por exemplo, diplodoco, com 27m de comprimento e cerca de 30 toneladas de peso.

A era mesozoica é uma das divisões do tempo geológico, situada entre o paleozoico e o cenozoico. Abrange três grandes períodos: o o triássico, o jurássico e o cretáceo. Durou cerca de 160 milhões de anos, estendendo-se de 225 a 65 milhões de anos atrás. Conhecida como a era dos répteis, foi a época em que dominaram os grande sáurios e surgiram os mamíferos e as aves.

Todo este aparato científico não entra em conflito com o texto bíblico, pois este não pretende oferecer uma descrição científica da origem das criaturas, mas tem em vista propor o sentido religioso das mesmas ou o valor que elas têm perante Deus e o homem. Com outras palavras: a Escritura não quer ensinar como vai o céu, mas como se vai para o céu.

Faz-se necessário, portanto, examinar de perto o texto bíblico que propõe a criação do mundo e do homem em seis dias (Gn 1, 1-2, 4a), colocando-o, antes do mais, em seu contexto, que é chamado “a pré-história bíblica”. A pré-história bíblica (Gn 1-11) não se identifica com a pré-história universal, que vai até 8000 a.C. aproximadamente; ela compreende episódios de importância capital que antecederam a vocação do Patriarca Abraão, em 1850 a.C. aproximadamente. É somente com Abraão, em Gn 12, que começa a história bíblica propriamente dita.

Consideremos pois A pré-história bíblica

A secção de Gn 1-11 chama-se “pré-história bíblica” porque se refere a acontecimentos anteriores à história bíblica, que começou com o Patriarca Abraão (séc. XIX ou 1850 a.C.). Por conseguinte, a pré-história bíblica não coincide com a pré-história universal, que vai desde tempos imemoriais até o aparecimento da escrita (8000 a.C.).

O gênero literário dessa secção é o da história religiosa da humanidade primitiva. O autor sagrado não intencionou propor teses de ciências naturais, mas quis apresentar, em linguagem simbolista, alguns fatos importantes que constituem o fundo de cena e a justificativa da vocação de Abraão. Tais seriam:

1) a criação do mundo bom por parte de Deus, a elevação do homem à filiação divina e a violação dessa ordem inicial pelo pecado (Gn 1, 1-3, 24);

2) o fraticídio de Caim, conseqüência do fato de que o homem abandonou a Deus; perdeu também o amor ao seu semelhante (Gn 4, 1-16);

3) a linhagem dos calnitas, que mostra o alastramento do pecado (Gn 4, 17-24);

4) a linhagem dos setitas ou dos homens retos (Gn 5, 1-32);

5) o dilúvio, provocado pela propagação do pecado (Gn 6, 1-9, 28);

6) a tabela dos setenta povos (Gn 10, 1-32);

7) a torre de Babel, nova expressão do pecado (Gn 11, 1-9);

8) as linhagens dos semitas (Gn 11, 10-26) e dos teraquitas ou descendentes de Terá (11, 27-32), que fazem a ponte até o Patriarca Abraão.

Em síntese:

O mundo, criado bom (Gn 1-3)

Fratricidio (4, 1-16)

Genealogias (4, 17-5. 32)

Dilúvio (6-9)

Tabela (10)

Babel 11, 1-9)

Genealogias (11, 10-32)

Desta maneira, o autor mostra que Deus fez o mundo bom e convidou o homem para o consórcio da sua vida (ordem sobrenatural). Todavia o homem disse Não. Deus houve por bem reafirmar seu desígnio de bondade, prometendo restaurar, mediante o Messias, a amizade violada pelo pecado (Gn 3, 15). Este foi-se alastrando cada vez mais, como atestam os episódios de Caim e Abel, do dilúvio e da torre de Babel. Então, para realizar seu intento de reconciliação do homem com Deus, o Criador quis chamar Abraão para constituir a linhagem portadora da fé e da esperança messiânicas. Assim chegamos a Gn 12 (a vocação de Abraão).

Passemos agora à consideração do bloco inicial dito hexaémeron ou “obra dos seis dias”.

Assista também: Os dinossauros existiram? Onde fala na Bíblia?

O hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a)¹

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O conjunto Gn 1-3 não é unitário, mas consta de duas narrações: Gn 1, 1-2, 4a, a obra dos seis dias (hexaémeron, em grego), da fonte P (século V a.C.), e Gn 2, 4b-3, 24, da fonte J (séc. X a.C.)². Isto se deduz do estilo e do vocabulário próprios de cada uma dessas secções como também do fato seguinte: em Gn 2, 1-4a o mundo está terminado, o homem e a mulher foram criados; todavia, em Gn 2, 4b.5, o autor sagrado afirma que não havia arbusto, nem erva, nem chuva, nem homem, e narra a criação do homem a partir do barro como se ignorasse a criação já narrada em Gn 1, 27).

Se, pois, há duas peças literárias justapostas em Gn 1, 1-3, 24, é preciso estudar cada uma de per si, pois cada qual tem sua mentalidade e sua mensagem próprias. Comecemos pelo hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a).

Para poder depreender a mensagem deste trecho bíblico, precisamos, antes do mais, de observar a sua forma literária.

Ora verifica-se que tal peça apresenta um cunho fortemente artificioso: após a introdução (1, 1s), o autor descreve uma semana de seis dias de trabalho e um de repouso; os dias de trabalho poderiam dispor-se em duas séries paralelas, das quais a primeira trata da criação das regiões do mundo e a segunda aborda a povoação dessas regiões.

D. Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Nº 469 – Ano 2001 – p. 249

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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