Os anciãos

Os anciãos têm a missão de
testemunhar os valores que contam verdadeiramente

Homilia de João Paulo II,
durante a Santa Missa celebrada na Praça de São Pedro

Na série de eventos
significativos deste Ano Santo chegou a vez do Jubileu da Terceira Idade, dos
Anciãos, após as celebrações festivas já realizadas ao longo deste Ano jubilar,
tais como o Jubileu das Crianças e dos Jovens.

Na manhã de domingo, 17 de Setembro, a jornada do Jubileu da Terceira Idade
teve início com um tempo de preparação espiritual para a solene Concelebração
eucarística presidida por João Paulo II na Praça de São Pedro. Esse acto
preparatório constou de momentos de reflexão sobre a Carta que o Papa dirigiu
aos Anciãos no dia 1 de Outubro de 1999, testemunhos sobre a importância dos idosos
na sociedade e na Igreja, e alguns cânticos e orações. Anteriormente, no
sábado, 500 delegados de Conferências Episcopais, movimentos eclesiais,
associações de fiéis leigos e congregações religiosas estiveram reunidos na
“Domus Mariae” para um dia de reflexão sobre o tema “O dom de
uma vida longa: responsabilidade e esperança”, que contou com a
intervenção do Cardeal Dionigi Tettamanzi, Arcebispo de Génova (Itália), a
respeito de “O Jubileu, significado teológico espiritual para a pessoa
anciã”, e na parte da tarde com uma mesa redonda, durante a qual se
trataram as diferentes formas com as quais se pode contribuir para o respeito
da dignidade dos anciãos, ajudando-os a desenvolver a sua missão no mundo de
hoje.
A solene Missa de domingo foi presidida pelo Santo Padre e concelebrada por 10
Cardeais, Arcebispos e Bispos, 14 sacerdotes anciãos e um numeroso grupo de
presbíteros. No início do rito sagrado coube ao Cardeal Stafford, Presidente do
Pontifício Conselho para os Leigos que promoveu este acto jubilar, e ao
Presidente do Movimento “Vie Montante Internationale”, dirigirem uma
afectuosa saudação ao Papa que, durante a Liturgia da Palavra, pronunciou a
homilia. Encontravam-se presentes nesta Santa Missa cerca de cinquenta mil
pessoas que formavam as várias caravanas de idosos da Itália e de outros
países, vindas para este Jubileu da Terceira Idade, com realce para a presença
de muitos membros da Acção Católica Italiana, que também colaborou na
preparação e realização dos actos celebrativos deste grande dia jubilar.
Na parte da tarde de domingo foi realizado na Sala Paulo VI, no Vaticano, um
encontro festivo para continuar a reflexão proposta para este Jubileu, sobre o
tema “Anunciar alegria, novidade e esperança”, com vários testemunhos
e cânticos.

Apresentamos a seguir a homilia do Santo Padre:

 

“E vós, quem dizeis que
Eu sou?” (Mc 8, 29). É a pergunta que Cristo faz aos seus discípulos,
depois de os ter interrogado sobre a opinião comum do povo. Ele aprofunda assim
o diálogo com os discípulos, como que obrigando-os a uma resposta mais directa
e pessoal. Em nome de todos Pedro responde com prontidão e clareza de fé:
“Tu és o Messias” (Ibid.).
O diálogo de Jesus com os apóstolos, ressoado hoje nesta praça por ocasião do Jubileu
da Terceira Idade, impele a aprofundar o significado do evento que estamos a
celebrar. No Ano jubilar que recorda os dois mil anos desde o nascimento de
Cristo, a Igreja inteira eleva ao Senhor de um modo muito particular “uma
grande oração de louvor e de agradecimento, sobretudo pelo dom da Encarnação do
Filho de Deus e da Redenção por Ele realizada” (cf. Tertio millennio
adveniente, 32).

“E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Diante desta pergunta que continua
a interperlar-nos, estamos aqui para fazer nossa a resposta de Pedro, reconhecendo
em Cristo o Verbo que se fez carne, o Senhor da nossa vida.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs, vindos em peregrinação a Roma para o vosso
Jubileu! Dou-vos as mais cordiais boas-vindas, feliz por celebrar juntamente
convosco este singular momento de graça e de comunhão eclesial.

Saúdo todos vós com afecto. Um particular pensamento dirige-se ao Senhor
Cardeal James Francis Stafford e a todos os Irmãos no Episcopado e no
Sacerdócio aqui presentes. Transmito uma recordação afectuosa aos Bispos e Sacerdotes
anciãos do mundo inteiro, assim como a quantos na vida religiosa ou laical
despenderam as suas energias no cumprimento dos deveres do próprio estado.
Obrigado pelo exemplo de amor, dedicação e fidelidade à vocação recebida, por
vós oferecido!

Desejo exprimir o meu apreço a todos os que enfrentaram dificuldades e
transtornos para não faltar a este encontro. Ao mesmo tempo, porém, o meu
pensamento dirige-se a todas as pessoas anciãs, sozinhas ou doentes, que não
puderam deslocar-se de casa, mas que estão espiritualmente unidas a nós e
acompanham esta celebração através da rádio e da televisão. A quantos se
encontram em situações precárias ou de particular dificuldade, asseguro a minha
cordial proximidade e a minha lembrança na oração.

3. O Jubileu da Terceira Idade, que hoje celebramos, reveste uma importância
particular, se se considera a crescente presença de pessoas idosas na sociedade
actual. Celebrar o Jubileu significa antes de tudo acolher a mensagem de Cristo
para estas pessoas, mas ao mesmo tempo valorizar a mensagem de experiência e de
sabedoria de que elas mesmas são portadoras nesta particular fase da sua vida.
Para muitas delas a Terceira Idade é o tempo para reorganizar a própria vida, fazendo
frutificar a experiência e a capacidade adquiridas.
Na realidade como tive ocasião de sublinhar na Carta aos Anciãos (cf. n. 13) também
a idade avançada é um tempo de graça que convida a unir-se com amor mais
intenso ao mistério salvífico de Cristo e a participar de maneira mais profunda
no seu projecto de salvação. A Igreja olha com amor e confiança para vós
anciãos, empenhando-se por favorecer a realização de um contexto humano, social
e espiritual, no seio do qual toda a pessoa possa viver esta importante etapa
da própria vida de forma plena e digna.

Precisamente nestes dias, o Pontifício Conselho para os Leigos quis oferecer um
contributo a este aspecto da pastoral, promovendo uma reflexão sobre o tema:
“O dom de uma longa vida: responsabilidade e esperança”. Apreciei
vivamente esta iniciativa e faço votos por que este simpósio estimule nas
famílias, no pessoal religioso e leigo das casas que acolhem os anciãos e em
todos os agentes nos serviços em prol da Terceira Idade, a vontade de
contribuírem activamente para a renovação de um específico empenho social e
pastoral. De facto, ainda se pode fazer muito para tomar maior consciência das
exigências dos anciãos, para os ajudar a exprimir do melhor modo as suas
capacidades, para facilitar a sua inserção activa na vida da Igreja, sobretudo
para fazer com que a sua dignidade de pessoas seja sempre e em todo o caso
respeitada e valorizada.

4. Sobre tudo isto lançam luz as Leituras deste domingo, que nos convidam a
aprofundar o modo em que se cumpriu o desígnio salvífico de Deus. Escutámos do
livro do profeta Isaías a descrição do Servo sofredor, que é o retrato de uma
pessoa que se põe totalmente à disposição de Deus. “O Senhor Javé abriu os
meus ouvidos e eu não fiz resistência nem recuei” (Is 50, 5). O Servo de
Javé aceita a missão que lhe foi confiada, ainda que seja árdua e repleta de
insídias: a confiança que põe em Deus dá-lhe a força e os recursos necessários
para a realizar, permanecendo firme também nas adversidades.

O mistério de sofrimento e de redenção anunciado pela figura do Servo de Javé realizou-se
plenamente em Cristo. Como
escutámos no Evangelho deste dia, Jesus começou a ensinar aos Apóstolos
“que o Filho do Homem devia sofrer” (Mc 8, 31). À primeira vista,
essa perspectiva parece humanamente difícil de ser aceite, como se observa
também pela imediata reacção de Pedro e dos apóstolos (cf. ibid., vv. 32-35). E
como poderia ser diversamente? O sofrimento não pode deixar de causar medo! Mas
precisamente no sofrimento redentor de Cristo está a verdadeira resposta ao
desafio da dor, que tanto pesa sobre a nossa condição humana. De facto, Cristo
tomou sobre si os nossos sofrimentos e assumiu as nossas dores, pondo-os,
mediante a sua Cruz e a sua Ressurreição, numa nova luz de esperança e de vida.

5. Queridos Irmãos e Irmãs, amigos anciãos! Em um mundo como o actual, no qual
são muitas vezes mitificados a força e o poder, tendes a missão de testemunhar
os valores que deveras contam para além das aparências, e que permanecem para
sempre porque estão inscritos no coração de todo o ser humano e são garantidos
pela Palavra de Deus.
Precisamente como pessoas da chamada Terceira Idade, tendes uma contribuição
específica a oferecer para o desenvolvimento de uma autêntica “cultura da
vida” vós tendes, nós temos, porque também eu pertenço à vossa idade testemunhando
que cada momento da existência é um dom de Deus e cada período da vida humana
tem as suas riquezas específicas a serem postas à disposição de todos.

Vós mesmos podeis experimentar que o tempo, transcorrido sem o tormento de
tantas ocupações, pode favorecer uma reflexão mais aprofundada e um mais
difundido diálogo com Deus na oração. A vossa maturidade impele-vos, além
disso, a compartilhar com os mais jovens a sabedoria acumulada com a
experiência, sustentando-os na fadiga de crescer e dedicando-lhes tempo e
atenção no momento em que eles se abrem ao futuro e procuram o próprio caminho
na vida. Podeis desempenhar para eles uma tarefa deveras preciosa.
Caríssimos Irmãos e Irmãs! A Igreja olha para vós com grande estima e
confiança. A Igreja precisa de vós! Assim disse aos jovens, há um mês, e o
mesmo digo a vós anciãos, a nós idosos! A Igreja precisa de nós! Mas também a
sociedade civil tem necessidade de nós! Sabei empregar com generosidade o tempo
que tendes à disposição e os talentos que Deus vos concedeu, abrindo-vos à
ajuda e ao apoio dos outros. Contribuí para anunciar o Evangelho como
catequistas, animadores da liturgia, testemunhas de vida cristã. Dedicai tempo
e energias à oração, à leitura da Palavra de Deus e à reflexão sobre ela.
6. “Eu, com as minhas obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2, 18). Com
estas palavras, o apóstolo Tiago convidou-nos a não ter medo de exprimir na
vida quotidiana, abertamente e com coragem, a fé em Cristo, de modo especial
através das obras de caridade e de solidariedade para com todos os que estão em
necessidade (cf. Ibid., vv. 15-16).
Hoje dou graças ao Senhor pelos inúmeros irmãos que testemunham esta fé operosa
no serviço quotidiano aos anciãos, mas também pelos muitos anciãos que, nos
limites da suas possibilidades, ainda continuam a prodigalizar-se pelos outros.

Nesta festiva celebração do Jubileu da Terceira Idade quereis renovar a vossa
profissão de fé em Cristo, único Salvador do homem, e a vossa adesão à Igreja, no
empenho de uma vida vivida sob o sinal do amor
Juntos queremos hoje dar graças pelo dom da Encarnação do Filho de Deus e da
Redenção por ele realizada. Prossigamos a peregrinação da nossa existência
quotidiana na certeza de que a história humana, no seu conjunto, e a própria
vicissitude pessoal de cada um fazem parte de um plano divino, sobre o qual
lança luz o mistério da ressurreição de Cristo.
Peçamos a Maria, Virgem peregrina na fé e nossa Mãe celeste, que nos acompanhe
pelos caminhos da vida e nos auxilie a pronunciar como Ela o nosso
“sim” à vontade de Deus, cantando juntamente com Ela o nosso Magnificat,
na confiança e na alegria perene do coração.

(©L’Osservatore Romano – 23 de Setembro de 2000)

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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