O primeiro mártir apologeta

A Obra da Criação estará completa? Sendo Deus a Perfeição, poderia criar algo incompleto ou para ser completado?

É necessário considerar o seguinte: Deus é mais glorificado pelas criaturas mais excelentes, isto é, pelos seres inteligentes, feitos à Sua imagem e semelhança: os Anjos e os Homens.

Quando o homem é fiel à sua inocência e encaminha bem os primeiros princípios, tende com maior veêmencia à procura do mais perfeito, do Absoluto que é Deus. O homem medieval se deixou levar por esse processo e chegou a realizar obras que, por assim dizer, completavam as do seu Criador. Produziu deste modo, segundo a expressão de Dante Alighieri, novas netas de Deus, pois constituem uma como segunda geração, nascida da matéria que saiu diretamente das mãos de Deus.A catedral de Notre Dame de Paris ou a Sainte Chapelle, por exemplo, são inteiramente harmônicas com a natureza e podem oferecer uma digna morada ao seu Criador, oculto na Eucaristia.

Mas, poderá o homem completar a Paixão de seu Redentor?

São Paulo ousa afirmar em sua carta aos Colossenses: ” Agora alegro-me com os sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja (Col 1,24). Assim, podemos dizer que os mártires completam a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os judeus, após terem imolado o próprio Deus, o Cordeiro sem mancha, maquinaram um ataque para fazer desaparecer um de Seus discípulos que fazia-lhes suspeitar que a doutrina e o “modo de viver” do “Galileu” não tinham desaparecido com sua morte, mas estavam ainda mais vivos e contundentes do que nunca. Eliminando Estevão, muito estimado e admirado na comunidade cristã, e o primeiro na lista dos diáconos, pretendiam desferir um golpe fatal na ‘seita’ crescente.

“Helenista, talvez mesmo alexandrino de origem, conhecedor das doutrinas filosóficas dos gregos tanto quanto das tradições hebraicas, esse homem encarna maravilhosamente esse espírito novo, voltado para a conquista e resolutamente disposto a enfrentar as necessárias rupturas. Ele sabe falar às pessoas de fora, mas também poupa muito menos a susceptibilidade dos velhos crentes do Torah. São Pedro, ao ensinar as multidões de Jerusalém,procurava sobretudo mostrar que Jesus fora o Messias, o último remate de Israel. Estevão, porém, reteve especialmente aquelas frases em que se diz que não se deita vinho novo em odres velhos, nem se cose um remendo novo num pano velho” (ROPS 1988,p.37)

” Estevão, cheio de graça e fortaleza, fazia grandes prodígios e milagres entre o povo (At 6,8). Ele estava em pleno vigor, não apenas de ânimo, por estar na flor da juventude, mas da graça que atuava nele, e por isso, arrastava as multidões. Então, alguns da sinagoga, chamada dos libertos, dos Cirenenses, dos Alexandrinos e dos que eram da Silicia e da Ásia, levantaram-se a diputar com Estevão. Estes, por viverem em meio aos pagãos, haviam relativizado os costumes da lei mosaica e até haviam se esquecido da missão específica do povo de Israel. “Em algumas orações judaico-helenísticas encontra-se o desejo da reconciliação da terra inteira e de todos os povos no seio de Deus” (ROPS 1988,p.34)

Nas discussões, não conseguiam vencê-lo porque Estevão falava cheio do Espírito Santo, confundindo os interlocutores e deixando-os sem palavras para retorquir. E eles que odiavam os milagres, odiaram ainda mais seus argumentos. “Então subornaram alguns indivíduos para que dissessem que o tinham ouvido proferir palavras de blasfêmia contra Moisés e contra Deus. Amotinaram assim o povo, os anciãos e os escribas e, investindo contra ele, agarraram-no e o levaram ao Grande Conselho” (At 6,11-12).

Diante do Sinédrio “apresentaram falsas testemunhas que diziam: Esse homem não cessa de proferir palavras contra o lugar santo e contra a lei. Nós o ouvimos dizer que Jesus de Nazaré há de destruir este lugar e há de mudar as tradições que Moisés nos legou” (At 6,13-14). Passados três anos da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, os judeus repetem as mesmas acusações para condenar Estevão. Mataram o Divino General e agora querem matar seu fiel soldado. “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir” (Jo 15,21). Essa profecia do Divino Mestre não tardaria a se cumprir plenamente na pessoa de Estevão.

Existe, entretanto, uma notável diferença. Quando Nosso Senhor compareceu diante de Caifás para ser julgado “Jesus, no entanto, permanecia calado” (Mt 26,63). Não convém ao Superior defender sua própria causa, por isso, o silêncio. Mas Santo Estevão não podia permanecer em silêncio diante de seus acusadores: abriu a boca, sim, não para justificar-se, mas para defender o Seu Senhor.

Todos têm os olhos postos nele e veêm seu rosto resplandecer como o de um Anjo. Fenômeno que deixa os sinedritas pertubados. O Sumo Sacerdote pergunta-lhe se os crimes que lhe haviam sido imputados eram reais. Ele, resumindo a história de Israel e mostrando-se fiel à Aliança, qualifica-os de “homens de dura cerviz, e de corações e ouvidos incircuncisos! Vós sempre resistis ao Espírito Santo. Como procederam os vossos pais, assim procedeis vós também!” (At 7,51)

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O martírio de Santo Estevão
Analisemos esta cena. O erro do Sinédrio consistia em seu apego à Lei Antiga. O Messias veio para dar pleno cumprimento e realização ao que a Lei mosaica ensinava. E eles não aceitaram. Mas, por que não aceitaram? Porque sua fidelidade à Lei mosaica havia se concentrado na exigência escrupulosa de certas práticas concretas, meras exterioridades, desprovidas de todo sentido espiritual. Preocupados com “o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, sem contudo deixar o restante” (Mt 23,23). Detiveram-se no superficial olvidando-se da substância. A esse respeito diz São Paulo: “a verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o espírito da lei, e não segundo a letra. Tal judeu recebe o louvor não dos homens, e sim de Deus (Rm 2,29). Eles se apegaram aos símbolos que não faziam mais sentido, uma vez que Nosso senhor, o simbolizado, já se encarnara.

Santo Estevão prossegue: “Vós sempre resistis ao Espírito Santo. A qual dos profetas não perseguiram os vossos pais? Mataram os que prediziam a vinda do Justo, do qual vós agora tendes sido traidores e homicidas. Vós que recebestes a lei pelo ministério dos anjos e não a guardastes…” (At 7,52-53)

Suas palavras foram cheias de sabedoria e sua atitude apostólica. Procurou tocar aqueles corações e iluminar aquelas inteligências, mas não quiseram abrir suas almas ao efeito salutar da santa vítima. Então, rangeram os dentes contra Estevão. Mas, como estava cheio do Espírito Santo, “Estêvão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus” ( At 7,55).

Santo Ambrósio pergunta-se porque Santo Estêvão viu Jesus stantem, em pé. “Jesus põe-se de pé para contemplar o combate de seu atleta aguerrido; levanta-se de Seu trono para ver a vitória do ‘adalid’ cuja vitória é sua própria vitória; ergue-se e se inclina à terra por estar mais disposto a coroar o herói” (apud RIBER apud ECHEVERRÍA; LLORCA; BETES, 2006, p.654, tradução nossa).

“Levantaram então um grande clamor, taparam os ouvidos e todos juntos se atiraram furiosos contra ele. Lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo” (At 7,57-58).

” Vemos, nesta cena, o quanto há uma luta entre o bem e o mal. O bem é perseguido pelo mal lutando com armas invisíveis e o mal lutando com pedra e ódio. Essas armas visíveis do mal, muitas vezes, assustam aqueles que não têm uma fé inteiramente feita de chama e de ardor. A fé ardente leva a compreender que as forças do mal são insuficientes, e mais do que isso, pífias. As forças do mal, por mais que tenham poder, universalidade, manifestação de impulso e de violência, não querem dizer nada. Nosso Senhor nos ensina que não devemos temer aqueles que podem nos tirar a vida, mas sim Aquele que pode nos lançar no inferno” (CLÁ DIAS, 2007,s.p.).

O bem unido a Deus jamais é derrotado. As investidas dos adversários contra o bem não fazem senão aumentar-lhe a força, o brilho e a grandeza. O bem é imortal porque Deus é imortal!

Por Adelina Maria Ribeiro Matos
Gaudium Press

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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