O ouro: metal ou cor?

O site Narthex, editado pelo Serviço Nacional de Pastoral Litúrgica da Conferência Episcopal Francesa e que visa manifestar a presença católica no domínio da arte sacra e da cultura acaba de dar a lume interessante matéria sobre a utilização da ourivesaria na liturgia, como elemento de sua sacralização.

Cécile Dufour, Doutora em História da Arte Medieval e especializada em pesquisas de ourivesaria a serviço do culto litúrgico, especialmente no tocante às obras parisienses dos séculos XII e XIII, descreve como a ourivesaria religiosa reúne certa quantidade de objetos cuja principal característica está em sua cor de ouro.

Os regulamentos da época estabeleciam que o ouro e a prata utilizados na liturgia deviam ser do mais puro encontrado no mercado.

A utilização de materiais nobres e de pedras preciosas é justificada pelo aspecto transcendental a que induzem, diz Cécile Dufour, o que reflete a crença num poder místico.

Donde, precisamente a necessidade da cor de ouro.

Entre as recomendações dadas pelo célebre clérigo e estadista francês do século XII, Suger, já se encontram conselhos neste sentido.

O ourives utiliza matérias preciosas para conter coisas raras

O ouro assinala a pesquisadora é empregado por causa de seu simbolismo divino, mas também em vista de seu aspecto inalterável, o que faz com que este metal seja utilizado tanto enquanto material não sujeito a variações, quanto no tocante à sua cor. A importância das cores parece ter tomado todo seu sentido no início da Idade Média, na época das peregrinações e em que o aparecimento dos relicários cuja forma aparente evocam a de um ser humano.

É no domínio da ourivesaria dos séculos XII e XIII que esta tendência se manifesta com o surgimento de uma variedade de pequenos objetos tais como relicários, encadernações e patenas. O ouro passa a ser utilizado não mais somente pelas suas características estruturais, mas também com o fim de introduzir uma noção nova, em sintonia com sua utilização de “cor simbólica”, que parece traduzir bem a ideia do divino, juntamente com a ideia de atemporalidade. Dimensão e tendência artística esta que parece ser do desejo dos artistas e especialmente dos ourives, em querer representar cenas bíblicas, tal como a Crucifixão, de maneira atemporal, por meio de aplicações de fundo dourado.

A cor dourada acha-se frequentemente na Idade Média no campo devocional. Constata-se sua presença omnipresente no terreno da iluminura, nos trabalhos em ébano, na pintura ou na ourivesaria. Simboliza aí principalmente o caráter atemporal daquilo que é representado, mas também sua sacralidade, devido ao fato da preciosidade do material utilizado.

Material este empregado por não sofrer oxidação e resistir às invectivas químicas. Possui, além do mais, especial característica de conservação, já que é o único metal a não diminuir em nada por ocasião da purificação pelo fogo; mais até: quanto mais aquecido, aumenta sua qualidade, o que o torna um material fora do comum, que corresponde a todas as expectativas tanto litúrgicas, quanto físico-químicas.

O dourado e seus simbolismos

Do ponto de vista do culto, o ouro é indispensável à fabricação dos objetos sagrados, pois que compreende um forte valor simbólico.

O dourado deve ser considerado como cor integral, pois que era o símbolo real por excelência em vista da preciosidade e da raridade do material.

Por conseguinte, afirma a pesquisadora, o dourado deve ser considerado como uma cor que vai além do branco; um “super-branco”.

Serve para marcar uma referência espaço-temporal que implica na ideia de atemporalidade. Ideia que é utilizada na ourivesaria do século XIII onde o conjunto da iconografia tem como fundo o ouro, que neutraliza toda noção de tempo.

O segundo simbolismo da cor ouro é encontrado nos relicários. Os santos personagens cujas relíquias são veneradas são apreciados como exemplos para os fieis, em vista de seus sacrifícios na defesa da causa de Deus. Neste sentido podem ser considerados, numa certa medida, como oferendas feitas de si mesmos. Tal devotamento tem seu valor realçado pelo uso de um metal precioso: o ouro, o qual serve para colocar em evidência a sacralidade destes santos mártires.

A partir do ano de 1260 observa-se uma mutação na representação de cenas dos santos. Até então, os relicários reproduziam toda a vida dos santos. A partir de então, os ourives representam somente o sacrifício feito por estes santos.

A utilização do ouro pode ser confirmada na Bíblia, onde é citada várias vezes.

O feitio da Arca da Aliança atesta o emprego do ouro na fabricação dos relicários. Com efeito, a descrição dela que nos faz o Êxodo 25, 10-16 é bastante semelhante à de um relicário, conclui a historiadora.

Tradução: Guy de Ridder

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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