O Ecumenismo visto por um ex-protestante – EB (Parte 2)

R.: “Os ortodoxos já há
tempos anunciam um Concílio pan-ortodoxo”.

M. Th.: “Existe uma Comissão
preparatória, cujos trabalhos procedem muito lentamente. É preciso não esquecer
que a Ortodoxia compreende quatorze Igrejas autocéfalas, a maioria situada em
países marxistas; por  isto é mais
difícil chegar rapidamente a um acordo sobre o programa de um Concílio. Ainda
não se sabe quando e onde se realizará tal Concílio.”

R.: “Qual o seu modo de
pensar sobre a abertura que parece estar acontecendo nos países comunistas em
relação aos cristãos?”

M. Th.: “Parece que
realmente algo está mudando naquelas paragens. Esperemos um pouco.
Pessoalmente, creio que isso é  um efeito
do poder do Evangelho. Aquela gente viveu setenta anos num contexto anticristão
e, apesar disto, transmitiu o Evangelho em toda parte. Conheci em Paris um
estudante ortodoxo que se preparava para receber o sacerdócio; contou-me que,
enquanto na escola era educado para o ateísmo, aos dez-doze anos tomou
conhecimento dos ícones que a sua avó guardava escondidos num armário. Quis
então informar-se melhor a respeito do Cristianismo e foi procurar um
sacerdote. Daquele momento em diante a sua vocação foi amadurecendo. Fala-se,
muitas vezes, do ministério das mulheres na Igreja; ora que grande ministério
exercem essas avós na Rússia ao transmitirem o Evangelho! (…)”.

R.: “Os seus livros
contribuíram para uma evolução teológica 
no âmbito da Reforma?”

M. Th.: “Posso dizer que o
meu pensamento, ao menos como foi expresso no meu livro sobre a Eucaristia, foi
bem recebido… Quanto ao mais, nunca pude – nem o desejo – verificar se e
quanto influí sobre os outros. Posso dizer que sempre fui católico (…)”.

R.: “Explique-se melhor”.

M. Th.: “Julgo que a
Igreja  Católica  é a Igreja Mãe. A propósito perguntaram ao
pastor Boegner¹ se o parêntese da 
reforma podia ser tido como encerrado. Alguns pensam que ainda  há necessidade de crítica e de testemunho em
relação a Roma; mas isto pode ser muito bem efetuado dentro da Comunhão
Católica”.

R.: “São muitos no âmbito
protestante que pensam como o Sr.?”

M. Th.: “Mais do que se
pensa. O futuro nos mostrará que se vai percorrendo um grande caminho em
demanda da unidade em comunhão com a Igreja Católica. O Concílio mudou muitas
coisas, de modo que, a meu ver, existem hoje as condições para que o parêntese
da Reforma possa ser fechado; em última análise, o que aconteceu no século XVI
derivava-se da exigência de reafirmar a raiz cristológica da Igreja; ora o
Vaticano II deu uma resposta católica a tal exigência, apresentando-nos uma
Eclesiologia plenamente fundada sobre a Cristologia”.

R.: “Que diria para concluir
com um sinal de esperança?”

M. Th.: “Começaria citando
uma passagem da “História de uma Alma” de Sta. Teresa de Lisieux, que diz
textualmente: “Pensando no Corpo Místico da Igreja, não me vejo em nenhum dos
membros que São Paulo descreveu ou, melhor, quero ver-me em todos. Assim
compreendi que a Igreja tem um Corpo composto de vários membros, mas que neste
Corpo não pode faltar o membro indispensável e mais nobre: compreendi que a
Igreja tem um coração, um coração inflamado de amor. Compreendi que somente o
amor leva à ação os membros do Corpo da 
Igreja e que, uma vez extinto este amor, os Apóstolos nunca teriam
anunciado o Evangelho, os mártires não mais teriam derramado o seu sangue;
compreendi que o amor abrange em si todas as vocações, que o amor é tudo e se
estende a tudo, a todo tempo e a todo lugar. Numa palavra: compreendi que o
amor é eterno. Então com suma alegria despertei e em meu ânimo exclamei: Ó
Jesus, meu amor, encontrei finalmente a minha vocação. A minha vocação é o
amor. Encontrei o meu lugar na Igreja e, este lugar, Tu mo deste, meu Deus. No
coração da Igreja minha Mãe, eu serei o amor; assim o meu desejo se tornará
realidade!”

Ora eu quisera resumir assim
a atitude do ecumenismo: se estamos no Coração da Igreja, podemos compreender
tudo”.

Refletindo…

Max Thurian, que (como ele
mesmo diz) sempre foi católico de coração, faz afirmações realistas e sinceras,
das quais destacamos os seguintes pontos:

1) É para desejar a união de
todos os cristãos sob o primado de magistério e jurisdição do Bispo de Roma,
fator de unidade da Igreja inteira.

2) Reconheçam-se as
dificuldades que este objetivo encontra nos diversos setores do Cristianismo.

3) Mas, ao mesmo tempo,
observem-se os muitos passos já dados e ainda em curso na demanda de tal ideal.

É muito alvissareiro o
pensamento de Max Thurian, o qual, aliás, julga haver muitos colegas que
pensam  como ele dentro do Protestantismo.
– Não podemos deixar de notar a diferença existente entre a linguagem de Max
Thurian e a dos protestantes mais recentes do Brasil, que revelam paixão
alimentada por preconceitos. Queira Deus iluminar todos os cristãos para que
realmente se encontrem na unidade de um só rebanho, movido pelo intento de
servir unicamente a Cristo e ao Evangelho (cf. Jo 17,21)!

Apêndice: Confissão,
Celibato, Sacerdotizas

Foram outrossim colocadas três
perguntas a Max Thurian a respeito de assuntos candentes:

1) O sacramento da Confissão
está em crise. Em
algumas igrejas católicas os fiéis deixaram de o frequentar. Que diz o Sr. a
este propósito?

Max Thurian: “A crise se
prende a diversos fatores. Por exemplo, penso no progresso das ciências psicológicas,
segundo as quais o diálogo com o médico substitui o diálogo com o sacerdote.
Mas também estou convencido de que, onde 
há uma catequese adequada, a exigência de Confissão se faz sentir. Nós o
observamos em Taizé: os jovens pedem a ocasião de abrir o seu íntimo; assim
procuramos fazer que na Igreja haja sempre dois sacerdotes dispostos a ouvir a
confissão sacramental. Talvez fosse bom juntar o colóquio pessoal (que outrora
se chamava “direção espiritual”) com o sacramento da Reconciliação. Não
compreendo, em absoluto, este abandono da Confissão, riqueza da Igreja Católica
que nem Lutero nem Calvino jamais recusaram”.

A respeito  do celibato, disse M. Thurian:

“Nas Igrejas da reforma foi
deixado o celibato à escolha de quem exerce o ministério. Mas, com o desenvolvimento
das comunidades, o celibato foi recolocado em lugar de honra como forma de
serviço ao Senhor. Muitas vezes observo as grandes dificuldades encontradas por
pastores casados, constrangidos a ocupar-se com coisas estranhas ao ministério.
Em todo caso, trata-se de um serviço em prol do Reino – diz o Evangelho – e,
por isto, eu o considero um tesouro muito importante da Igreja Ocidental”.

A propósito da ordenação de
mulheres, declarou Thurian:

“Reconhecemos que, dentro da
variedade de posições, a maioria das comunidades da Reforma, sejam luteranas,
sejam calvinistas, aceita a ordenação das mulheres, partindo da consideração da
igualdade dos dois sexos: se um homem pode dirigir uma empresa, também o pode
uma mulher; o mesmo se daria no tocante ao pastorado. Nutro grande  hesitação neste particular. Não basta (do
ponto de vista teológico) colocar a casula sobre os  ombros de uma mulher para torná-la
sacerdotiza. Parece-me que há aí uma excessiva inspiração do feminismo
considerado como imitação (se o homem faz algo, também a mulher o deve fazer).
Talvez não se reflita suficientemente sobre o serviço próprio da mulher na
Igreja. O sacerdócio, para os católicos, está ligado ao sacrifício de uma vida
totalmente dedicada ao ministério. Então digo eu: a mulher já tem os seus
sofrimentos como mãe e como educadora dos filhos; por que ainda queremos molestá-la
com o fardo do sacerdócio? Isto não impede que eu conheça mulheres-pastores que
desempenham muito bem o seu ofício”.

Tais observações de Thurian
são especialmente  significativas porque
procedem de alguém que foi educado dentro de concepções totalmente avessas ao
sacramento da Confissão, ao celibato sacerdotal, à unidade da Igreja… e que,
por seus estudos, sua reflexão e sua disponibilidade de coração à graça de
Deus, chegou às conclusões opostas ou ao modo de pensar católico. Assim se deu
com John Newmann, Louis Bouyer, Wolfgang Tschuschke e muitos outros que, sem
preconceitos, interessados unicamente pela descoberta da verdade, acabaram
professando o catolicismo.

 

________________

¹ Os quatro primeiros Concílios
são os de Nicéia I (325), Constantinopla I (381), ambos versando sobre a SS. Trindade;
o de Éfeso (431) e o de Calcedônia (451), versando sobre Jesus Cristo, Deus e
homem. (Nota do tradutor).

² O quinto Concílio Ecumênico
é o de Constantinopla II (553), o sexto é 
o de Constantinopla III (680/681), ainda relativos a Jesus Cristo e suas
duas naturezas (a divina e a humana) e sua vontade; o sétimo é o Concílio de
Nicéia II (787) referente às sagradas imagens.(Nota do tradutor).

¹ Serviços ou funções na
Igreja. (Nota do tradutor).

¹ Cada grupo de comunidade
ortodoxas tem seu Sínodo (reunião de Bispos) e seu Bispo Supremo, que são autocéfalos,
isto é, não dependem de  outra autoridade
para governar a região  ou o país
respectivo (N.D.T.).

¹ Memorial, na mentalidade
semita, é um recordar eficiente ou que não fica no plano meramente teórico, mas
se exerce na ordem concreta das coisas. Ver Curso de liturgia por Correspondência,
Caixa Postal 1362, 20001 Rio (RJ). (Nota do Tradutor).

¹ teólogo suíço protestante,
muito chegado à Igreja Católica. (Nota do Tradutor).

¹ Max Thurian quer dizer:
haja unidade, não, porém, uniformidade. Poderão conservar-se costumes próprios
de cada região. (Nota do Tradutor).

¹ Pastor chefe dos cristãos
calvinistas da França, (Nota do Tradutor).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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