Neocatecumenais

Teologia dos movimentos Católicos
CNBB
04.1997

 1. Histórico

O caminho neocatecumenal, também chamado de itinerário de iniciação cristã das comunidades neocatecumenais, nasceu em 1964 em Madri, nas favelas de Palomeras Altas, por inspiração do pintor Francisco Argüello (Kiko), convertido do ateísmo existencialista à fé cristã. Caminhava no bairro com a bíblia, um crucifixo e um violão. Mais tarde um membro de Instituto Religioso, que passava por Madri rumo à Bolívia, Carmen Hernández, associou-se ao projeto. Hoje o movimento neocatecumenal está presente em 90 nações e em todos os continentes.

2. Linhas Doutrinais

A base doutrinal se fundamenta no anúncio da ressurreição de Jesus Cristo; no Servo de Deus como sentido da cruz de cada homem; na redescoberta do batismo como meta; no catecumenato como caminho de conversão e de fé. O caminho catecumenal se propõe ser uma síntese original da totalidade do cristianismo.
    Teologicamente o catecumenato não quer responder à teologia do laicato, mas sim à eclesiologia da comunhão. Eis alguns pilares, nos quais se baseia o neocatecumenato:

O anúncio da ressurreição de Jesus Cristo

Na primeira etapa afirma o querigma da ressurreição. Pede-se ao catecúmeno vida nova, que só é possível na medida em que nascer o homem novo, revestido de Jesus Cristo. A ética cristã tem que ser moral responsorial: a graça precede ao dever, a iniciativa à resposta humana, a ação de Deus ao imperativo e à parenese da atuação do homem. No princípio, pede-se que se escute a palavra de Deus, para se preparar às demais exigências cristãs. O anúncio da ressurreição se dirige aos homens escravizados pelo temor da morte. Ao pecar, o homem faz experiência de morte, porque o pecado destrói o homem por dentro. O momento querigmático é atualizado com a narrativa da queda de Adão e Eva. Ao pecar, os primeiros pais fizeram uma experiência de morte, de ruptura, de acusação. Dentro da situação existencial do homem com o temor da morte, ressoa o querigma da ressurreição de Jesus, como alegre notícia. A teologia de Paulo (particularmente Romanos e Coríntios) é chave de leitura. O anúncio da ressurreição abre o caminho neocatecumenal, que inicia a formação da comunidade e a reconstrução da Igreja. É uma iniciação à experiência pessoal de conversão.

 3. Caminho de fé e conversão

Os que receberam o querigma começam, comunitariamente como povo, uma caminhada, um itinerário. Aqui aparecem os paradigmas de Abraão e Maria. É um autêntico catecumenato, por ser uma iniciação à fé, à conversão e ao batismo. Por se tratar decatecumenato pós-batismal chama-se neocatecumenato. À medida que a palavra de Deus ilumina, se aprendem 3 lições fundamentais: a primeira é que Javé, o Pai de Jesus Cristo, é o único Deus.Cantar o shemá é recordar e confessar a unicidade de Deus. O catecúmeno deve dar sinais de que o dinheiro não é seu deus.

 O segundo escrutínio é confrontação profunda com as tentações do dinheiro, da história e dos ídolos. É um passo decisivo no caminho neocatecumenal — Outro descobrimento é a cruz gloriosa. Deus, ressuscitando Jesus, mudou a morte ignominiosa da cruz em motivo de esperança, glória e salvação. A cruz não destrói o homem unido a Cristo pela fé. O catecúmeno vive uma vida que supera a morte: a vida eterna. A vida começada é garantia de consumação da promessa e da esperança. Dentro desse horizonte escatológico descobre-se também a realidade do juízo e do inferno. O evangelho de Jesus Cristo implica num julgamento de salvação ou de ruína.

4. A comunidade como realização de Igreja

A pregação querigmática tende à reconstrução da comunidade. Segundo seus fundadores, não é um grupo espontâneo, nem uma comunidade de base, nem uma associação de leigos, nem um movimento de espiritualidade, nem um grupo de elite da paróquia. A comunidade neocatecumenal quer ser Igreja de Jesus Cristo que se realiza num lugar determinado, onde se proclama a palavra de Deus e se celebram os sacramentos. A comunidade neocatecumenal é uma realização local da igreja infra e intraparoquial. A comunidade, presidida por um presbítero, se insere na paróquia, e para abrir o caminho neocatecumenal numa diocese os catequistas pedem autorização ao bispo. Segundo os neocatecumenais, não há dupla hierarquia: uma, de Kiko, passando pelos catequistas; e outra, do bispo, passando pelo pároco ou pelo presbítero da comunidade. O caminho neocatecumenal é um caminho de evangelização no mundo secularizado, descristianizado e descrente. Nisso são decisivos os “catequistas itinerantes”, que saem de suas comunidades, e a elas retornam para ir a outros lugares. Eles devem ser: enviados pela Igreja em seus presidentes, testemunhas da ressurreição pelo encontro pessoal com o Senhor vivo, e desprovidos de bolsa e toda segurança.
 
Resumindo, as dimensões que constituem o neocatecumenato são: Querigma, Caminho e Comunidade. O anúncio abre um caminho de conversão e cria comunhão nos que acolhem a palavra da salvação. Na comunidade se recebe e se desenvolve a fé. A quenose faz chegar à realidade, por vezes desconhecida ou rejeitada.

O caminho quer ser demorado, sem queimar etapas. A inquietude de diversos pastores é de parecer prolongar-se indefinidamente. Forma-se o tripé na palavra, liturgia e comunidade. A palavra de Deus alimenta a fé, na mesa eucarística entra-se no dinamismo de Jesus Cristo morto e ressuscitado, e assim nasce a Igreja, como corpo do Senhor.

 Nas comunidades se celebra a Palavra uma vez por semana; nos sábados à noite, abrindo o descanso dominical, reúnem-se para a Eucaristia; e a comunhão se propicia particularmente por uma convivência mensal, onde cada um comunica a experiência do seu itinerário de fé.
O caminho neocatecumenal é marcado por etapas, escrutínios, passos, exorcismos, ritos. Eis as etapas mais caracterizadas:

a) Etapa querigmática (= poucos meses)Começa quando um pároco manifesta desejo de abrir o caminho neocatecumenal. Recebe então uma equipe de catequistas. Isso dura uns 2 meses com catequeses semanais em 3 partes: a 1a. tem como ponto culminante o anúncio de Jesus Cristo, vencedor da morte e do mal. Termina com uma celebração penitencial. – A 2a. se abre com a Palavra de Deus, anunciando o querigma. Abraão torna-se um paradigma forte com sua fé e o sacrifício do filho Isac. O êxodo do Egito mostra o poder de Deus quebrando todos as formas de morte e escravidão. Na celebração da Palavra os participantes recebem a Bíblia das mãos do bispo. – A 3a. etapa é a convivência num final de semana com a Eucaristia através de catequeses e duma celebração solene e festiva.

b) Pré-catecumenato (2 anos)

    Faz-se com catequeses, encontros por grupos e reflexão pessoal. Culmina com o primeiro escrutínio no marco duma celebração pré-batismal, na qual se escreve o nome na Bíblia da comunidade, pede à Igreja a fé, mostra disponibilidade de receber o Espírito Santo. A Igreja, morada do Espírito, acolhe, sob sua custódia maternal, os que terminam esta etapa, guiando-os à renovação do batismo.

c) Passo ao catecumenato (= 2 anos)

É uma etapa para reconhecer e aceitar a própria realidade pessoal. A celebração da Palavra tem como conteúdo as grandes realidades da história da Salvação: Abraão, Êxodo, Deserto, Aliança, Terra Prometida, Reino, Exílio, Profetas, Criação, Messias, Ressurreição, Igreja, Parusia. Através de 4 semanas é introduzida a comunidade em cada tema. Termina-se com o segundo escrutínio, iluminado pelas tentações de Jesus e de Israel, e a renúncia aos bens. No primeiro escrutínio se havia entregue o Espírito com seus dons para amar a Deus e o próximo na dimensão da Cruz; aqui, se interroga sobre a negociação realizada com aqueles talentos na luta contra o poder do dinheiro. Neste momento, se arrecada quantias de dinheiro para se destinar aos pobres da paróquia.

d) Catecumenato (3 anos)

Destacam-se: o símbolo da fé, o Pai Nosso, os mandamentos de Deus que se resumem no shemá e no amor ao próximo, e nos sacramentos. Destacam-se algumas figuras bíblicas: Abraão é a fé, Jacó a eleição, José a providência, Moisés a condução do povo. Os catecúmenos são, então iniciados na oração quotidiana. Nas celebrações domésticas, busca-se valorizar os salmos, começando rezar Laudes. Passado um ano com os salmos, a Igreja entrega o símbolo da fé. São enviados dois a dois a visitar as famílias, incorporando-se à missão evangelizadora da Igreja. Terminado o anúncio pelas casas, numa assembléia paroquial farão a “redditio” do Creio, confessando publicamente a fé. No domingo de Ramos receberão a palma, como sinal do testemunho de Cristo que pode chegar até o martírio. Transcorrido um ano, recebem o Pai Nosso.

e) Eleição (2 anos)

Numa liturgia se escreve o nome no Livro da Vida. Só passam aqueles que demonstraram aliança com Deus em Jesus Cristo.

f) Renovação das promessas batismais

É o último passo. É o tempo pascal para os que terminaram de renovar o batismo. Conclui-se assim o caminho do catecumenato.
Cada fase é marcada por gestos e símbolos especiais, e por escrutínios, feitos por pessoas “fora” do grupo local.

Avaliação:

Aspectos positivos:

O neocatecumenato preocupa-se em reviver o sentido profundo do batismo com sua vivência cristã e pertença à Igreja. Quer recuperar a antiga tradição da Igreja, desejando produzir nos cristãos verdadeira conversão. O caminho é exigente e demorado. Há muitos aspectos positivos, sobretudo pela busca da vivência batismal compromissada. É intenção de seus fundadores recuperar o sentido do batismo e seu testemunho de vida nova. São etapas muito exigentes, que exigem perseverança. É de admirar a austeridade do caminho.
   
Aspectos negativos:
   

a) Diversos autores apontam ser um itinerário muito rígido, parecendo que a vida em Deus e na Igreja é marcada por critérios matemáticos. É uma exigência muito forte para leigos, parecendo-se mais um modelo de vida consagrada.

 b) Outro aspecto levantado é a tonalidade forte do pecado, particularmente na primeira fase, chegando alguns a chamar de “protestantização”. A impressão é de que o pecado é a força maior, enquanto a ressurreição e a Palavra de Deus não se apresentam fortemente como valor permanente de vida nova.
   

c) Questiona-se também o aspecto de parecer uma espécie de Igreja dentro da Igreja. Os catecúmenos afirmam que nada se faz sem anuência do bispo e do pároco. Porém, certas atitudes parecem desfazer as celebrações da comunidade. Convertem-se numa Igreja paralela, porque se auto excluem da comum vida eclesial e das esperanças e temores da sociedade, deixando de lado as tarefas sociais e os aspectos coletivos da fé, ficando a secularidade específica dos leigos escassamente assumida.
   
d) Não faltam os que observam que o caminho neocatecumenal se apresenta como algo absoluto, quase desprezando os demais movimentos apostólicos e outros jeitos de viver e testemunhar a fé, dando a impressão de que o catecumenato é o único caminho de salvação. Cada cristão deve assumir pessoalmente seu batismo, como sacramento de fé e conversão.
   
e) A teologia do Movimento deu origem a específicos métodos de arquitetura nas Igrejas, como também formas próprias de imagens sacras, cantos, ministérios e linguagem simbólica. Outro aspecto é o organização da pastoral vocacional própria, até com seminários. Tudo isso serve para aumentar ainda mais a crítica de “caminho independente”.

f) Alguns dizem que se absolutiza demais os líderes, Kiko e Carmen, como também questiona-se o montante de recursos econômicos utilizados.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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