Morreu uma filha de Bethânia…

“Não conseguimos! Não deu tempo! Perdemos mais uma filha!”

Numa noite, zapeando a TV, deparei-me com uma voz. A voz era uma mulher. Que coisa linda aquela voz forte e diferente. A beleza era a voz sem enfeites ou imitação. A voz estava ali e mesmo sem eu saber o que cantava, a voz encantava.
Da voz, olhei para o seu rosto e seus cabelos (exagerada a maquiagem e cabelos volumosos e escuros). Mas, eu só “via” a voz. Peguei o finalzinho do show. A vontade era ter de imediato um CD, um DVD. “Quem era ela?” Amy Winehouse! Isso foi há dois anos e meio. Fiquei encantado, mas não acompanhei mais. Tempo depois, novamente me encontrei com a cantora de nome difícil de pronunciar. A notícia, agora, ligava sua voz à desfiguração de seu corpo, aos escândalos de sua vida pessoal desregrada, à dependência do álcool e do crack, ao seu namoro conturbado e polêmico com algum artista.

Fiquei muito triste e chocado pelas imagens; não teve como não pensar nos filhos de Bethânia. Pensei no talento daquela moça, na riqueza de sua voz poderosa, em toda fama e dinheiro, pensei na família dela. Ela tinha tudo para dar certo! Não sei.Talvez não. O que aconteceu? Não a vejo diferente dos nossos filhos de Bethânia.
Talvez fosse uma “pobre jovem” igual a milhares, milhões de filhos e filhas perdidos de suas famílias, meninas e meninos perdidos no vazio de sentido, desorientados por uma sociedade que cria os seus mitos e ídolos, seus derrotados e desacreditados, seus compulsivos consumidores, seus filhos inseguros e medrosos quanto ao futuro, seus jovens alienados pela dependência química.

A sua música mais reconhecida e premiada (REHAB, Reabilitação), cantada por adolescentes e jovens, gente dependente química, talvez tenha se tornado o grande hino do “NÃO” à esperança e ao sonho, e um SIM ao erro de querer e conseguir sozinho na luta contra as drogas. “Tentaram me mandar pra reabilitação. Eu disse: “não! Não! Não. E mesmo meu pai pensando que eu estou bem, ele tentou me mandar pra reabilitação, mas eu não vou! Não vou! Não vou!”
Um produtor musical fez uma crítica direta e emblemática: “.Vimos a vergonha e a tristeza de uma tragédia assistida e festejada por milhares de pessoas, especialmente jovens.”. Ele falava de um show dela em Florianópolis, SC, em que a cada intervalo que a cantora se abaixava para tomar uma dose de bebida alcoólica, a platéia delirava e batia palmas.

Como é triste a celebração da decadência e da fragilização da pessoa humana. O meu sentimento é de tristeza mesmo – era uma Filha de Bethânia. “Não conseguimos! Não deu tempo! Perdemos mais uma filha!”. E, talvez digam que “ela não quis”, ou que “preferiu a vida boa”. Talvez digam que “era uma fracassada, uma coitada”?
Quantos bateram palmas ante sua loucura performática e irreverente? Quantos agora derramam lágrimas e hipocritamente pegam versos de suas canções para dizer que Amy permanecerá eterna? Mentira. A verdade é nua e crua: não há beleza ou glamour em um corpo comido e corroído pelo álcool e pelo crack ou qualquer outra droga que seja! Testemunhamos naquela moça genial o que todo o dia acontece pelas cracolândias do Brasil e do mundo, no submundo da solidão das drogas e da prostituição.

Ainda, no trecho da canção: “Eu não quero beber nunca mais. Eu só, só preciso de um amigo.”. Abraço, carinho, palavras bonitas, calor humano, a proteção familiar, é o que tem faltado pra tantos dos nossos filhos e filhas jogados fora todos os dias. O mundo está doente. O mundo precisa de abraço, de palavras fortes e cheias de amor humano. O mundo precisa de Deus e de pessoas que tenham coragem de cantar novos refrãos de esperança de vida verdadeira.

O mundo precisa de Deus. O mundo precisa de pessoas que lutam todos os dias e não desiste. O mundo precisa de pouca coisa e que custa quase nada, é de graça. O mundo precisa de amor falado, repartido e celebrado. “O mundo precisa de novos refrãos de esperança de vida verdadeira!”

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Pe. André Luna, scj
Membro da Comunidade Bethânia – Comunidade Católica que trata de dependentes químicos sem custos para as famílias.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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